Imagem ilustrativa da imagem POLÍTICA INTERNACIONAL - O que virá da Casa Branca?
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Depois de uma das mais tensas campanhas eleitorais de sua história, os EUA passaram do governo de estilo moderado e conciliador do democrata Barack Obama para o tom agressivo e nacionalista do republicano Donald Trump, empossado nesta sexta-feira (20). Com popularidade em baixa, o megaempresário, que zomba dos conceitos de defesa ambiental, adotou como o seu principal discurso a retomada da economia, no padrão "custe o que custar".

Em entrevista à FOLHA, Andréa Benetti, professora de Ciência Política e Relações Internacionais da Uninter, avalia a transição e o que o mundo pode esperar do novo presidente norte-americano, especialmente neste início de mandato. Para ela, a política externa de Trump deve deixar inicialmente o Brasil de fora, até as novas eleições gerais, em 2018.

A julgar pelos discursos de Trump, o governo será a antítese da gestão Barack Obama em praticamente tudo. Além disso, essa transição de governo tem polêmicas, protestos, críticas, aproximação com russos... Trata-se de um momento diferente de tudo o que os americanos já vivenciaram em mudanças administrativas?
Sim, é um momento muto diferente. Inclusive, boa parte da imprensa dos EUA e da Europa está falando que este é o início de uma grande desordem no cenário político por causa das mudanças propostas e sinalizadas por Trump, como aproximação com países que não eram tão próximos e afastamento em relação a outros que se tornaram aliados.

Nesta eleição americana, houve número elevado de abstenções. Isso significa que na maior democracia do mundo o cidadão também está se desinteressando do processo eleitoral?
Na maioria dos estados o voto não é obrigatório, então para você sair de casa para votar é preciso ter algum incentivo. A população americana não viu diferenças substanciais entre Trump e Hillary Clinton, ou aqueles que conseguiam enxergar diferenças não gostavam de nenhum dos dois. Então, o eleitor não se sentiu motivado para sair e votar, o que acabou se refletindo no índice de abstenção.

Então, a vitória de Hillary pouco mudaria o cenário?
Na verdade a discussão era entre uma direita mais conservadora e outra direita mais liberal, só essas duas opções. Não foi como nas eleições anteriores, onde você tinha opção entre centro-direita e centro-esquerda.

Até que ponto essa ausência de ideias antagônicas é ruim para os EUA e para o mundo?
Isso é uma tendência que temos observado nos últimos anos, em vários países está ocorrendo um movimento de enfraquecimento da esquerda e fortalecimento da direita, esse discurso de inclusão social, de um Estado maior, atuando mais nas esferas sociais está perdendo espaço. Isso, em grande parte, é reflexo da crise, porque os países estão com menos dinheiro circulando. Onde o Estado não pode intervir tanto, como consequência, ocorre o fortalecimento da direita.

E os EUA, especialmente com o novo governo, vão liderar esse movimento mundial?
Exatamente, porque trata-se de uma economia que se fortalece vinculada aos conflitos, a indústria bélica tem um peso substancial na economia do País e com o governo Obama houve uma redução (da participação) dos EUA em conflitos. Essa posição acaba afetando a economia interna, diminuindo o ritmo, gera um problema econômico interno e as pessoas começam a sentir isso no bolso.

Então, para recuperar esse espaço e retomar a economia, Trump vai voltar a movimentar o País rumo aos conflitos internacionais?
Ele sinaliza isso. Essa aproximação dele com a Rússia, essa amizade dele com Vladimir Putin sinaliza uma tentativa de retomar a visão de mundo bipolar. O general nomeado como secretário de Defesa dos EUA (James Mattis) por muito tempo comandou o Exército americano com a presença no Oriente Médio e Norte da África. O chefe da segurança interna do EUA (John Kelly) é um general que por muito tempo cuidou do Comando Sul, era responsável pela inteligência referente à América do Sul e à América Central. Veja que são nomeações vinculadas ao militarismo, são muitos militares no governo dele, mais do que no governo Obama. Existe uma possibilidade muito grande dele aumentar a presença militar dos EUA no mundo, inversão do que o Obama fez. Sempre com o objetivo de melhorar a situação econômica do País.

O que representa essa aproximação com a Rússia?
Obama, principalmente nos últimos anos, não teve relação com os russos. Na verdade, procurou se afastar e dialogar somente quando necessário. Do ponto de vista político-militar, a presença dos EUA tem sido muito demandada na região do Oriente Médio e Norte da África, onde estão os principais conflitos atuais. No caso da Síria, o governo americano é muito criticado por virar as costas, por ter baixa participação, enquanto a Rússia está ali o tempo todo, bombardeando e brigando contra a presença do Estado Islâmico em parte do território sírio. Trump já sinalizou que estará mais presente no Oriente Médio e de forma bem clara pró-Israel, tanto que já comunicou a mudança da embaixada para Jerusalém e assim, do ponto de vista diplomático, significa que reconhece Jerusalém como capital do estado de Israel, também um retrocesso em relação ao diálogo que Obama conseguiu travar com grupos palestinos... Trump, inclusive, nomeia para a embaixada um judeu ortodoxo.

A Rússia interferiu nas eleições americanas, bisbilhotando a candidata Hillary Clinton? Por quê?
No final da campanha surgiram essas denúncias de que teriam sido hackeadas contas de email da Hillary Clinton e algumas informações teriam sido selecionadas para vazamento para a imprensa e outras seguradas... isso teria interferido no resultado das eleições. Trump nega que tenha sido favorecido por isso.

E para a América do Sul, qual deve ser o objetivo da gestão Trump? O que podemos esperar?
Para o Brasil, num primeiro momento, os impactos serão pequenos, porque primeiro Trump vai estabelecer a ordem interna no País, onde existem muitas críticas em relação a ele e à eleição dele; depois, vai atender às demandas da União Europeia, da Rússia e do Oriente Médio, em relação ao posicionamento nesses países, e nessa ordem de prioridades a América do Sul está lá embaixo. A gente tem ainda uma questão interna, que é o presidente Michel Temer, que a maioria da imprensa internacional reconhece como legítimo, mas essa legitimidade é um pouco questionada do ponto de vista internacional, então a tendência dele é evitar ter contato. Acho que depois das próximas eleições no Brasil (em 2018) é que vão se posicionar de maneira mais clara em relação ao nosso país.

E quanto aos imigrantes brasileiros que estão nos Estados Unidos ou vão para lá, que mudanças podem ocorrer a partir de agora, com Trump no poder?
Ele já falou para a Angela Merkel, chefe do governo na Alemanha, que o problema do País foi ter recebido tantos refugiados. Na expressão dele, é um erro catastrófico, mostrando esse problema na relação com os outros, com quem não é norte-americano. Trump vê no imigrante uma fonte de ameaça para a população nacional e vai enxergar assim os brasileiros que tentaram imigrar clandestinamente, assim como deixou claro para o México que o relacionamento entre eles não vai mais ser tão amistoso, que vai construir o muro e mandar a conta. Inclusive, em relação a Cuba, que teve retomada das relações diplomáticas com Obama, já falou que os cubanos são bem vindos se puderem trazer algum benefício para os EUA.

Tudo girando em torno do dinheiro.
Sim, Trump é empresário...

Ainda nas relações internacionais, Trump também promoveu tensões com o vizinho Canadá e com a China.
A imprensa brasileira tem mencionado pouco essa questão do Canadá, cujas relações estão estremecidas porque os EUA disseram que vão revisar o acordo do Nafta, que é o acordo de livre comércio entre os dois países mais o México. Da China, Trump cobra uma melhor recepção dos produtos norte-americanos, e, se não for atendido, ameaçou reconhecer a independência de Taiwan, tema bastante sensível para os chineses.

E o combate ao aquecimento global, nesse contexto, como ficará?
Trump já falou que isso (aquecimento) é um boato. A pessoa que ele indicou para a Agência de Proteção Ambiental (Scott Pruitt) é justamente um advogado que tem uma série de artigos publicados, alguns científicos até, negando a mudança climática.

As críticas que vêm de vários setores da sociedade estão mais direcionadas às propostas de governo de Trump ou à própria figura dele?
Na verdade, ele conta muito com a chamada mídia espontânea, faz certos pronunciamentos que são realmente controversos, polêmicos, como forma de se destacar, de se fazer presente na mídia, mas ao mesmo tempo essas polêmicas também refletem em parte o pensamento dele.

Alguns analistas falam do governo Trump como o fim do mundo, o caos. Outros afirmam que o presidente dos EUA, mesmo com todo o poder político, não conseguirá alterar profundamente as instituições americanas, que são muito fortes. Também há aqueles pregando uma grande falácia de Trump, que teria usado discursos de impacto apenas para se diferenciar e ganhar a eleição, adotando a moderação a partir de agora. Qual a sua avaliação?
Pessoalmente, eu acredito que temos um cenário internacional que está em mudança em termos históricos, ou seja, o mundo é bem diferente de dez anos atrás. O comportamento dele é esperado para uma pessoa que se elegeu com uma diferença relativamente pequena se considerarmos os colégios eleitorais. Tem, além disso, um índice de confiança bastante baixo. O comportamento dele está dentro do esperado para as normas institucionais, mas no cenário político internacional ele é diferente.

Ele deverá tentar trazer para o seu lado essa parcela da população e formadores de opinião que não o apoiam?
Ele tem um temperamento histriônico, "o que eu quero é isso e vai ser do meu jeito". Mas, pela nomeação dos membros do gabinete, dá para notar que ele também está preocupado em conseguir conversar com diversos grupos que terão envolvimento com o governo. Como seu secretário de Estado, escolheu uma pessoa (Rex Tillerson) que foi CEO da Exxon Mobil durante muitos anos, com formação empresarial e relação com grandes empresas e corporações internacionais. Veja que a política externa estará voltada para o comércio, exatamente como ele disse que estaria. Para secretário do Tesouro, Trump nomeou uma pessoa (Steven Mnuchin) vinculada ao grupo Goldman Sachs e ao Citigroup. Ele tem esse comportamento de bater o pé, mas ao mesmo tempo ele também está preocupado nos bastidores em fazer as articulações que ele considera necessárias.