Em tempos de tantos avanços científicos e tecnológicos, é um alento saber que existe uma abordagem dentro da medicina que consiste em lançar um olhar mais humanizado sobre o paciente e dar um novo significado ao conceito de médico. A Medicina Integrativa vai além do simples cuidado com o corpo para vencer a doença. A modalidade estabelece um sentido mais amplo de cura, cuidando dos pacientes física, mental e espiritualmente, integrando ciência, fé e cultura. É uma "nova-velha forma de curar e de cuidar", como define a médica pernambucana Paola Tôrres.

Onco-hematologista, mestre e doutora em Farmacologia da Inflamação e do Câncer, pós-doutorada em Medicina Integrativa, Paola é também cantora, compositora, violonista, tocadora de ukulelê, percussionista, repentista e cordelista e alia a arte e a medicina, com resultados não só positivos como comoventes.

Autora do documentário "Caminhos da Cura" (2015) e do livro "Andei por Aí – Narrativas de uma Médica em Busca da Medicina" (Edições UFC, 2016), escrito em formato de cordel, Paola revela como pratica a medicina ao se deslocar por 3 mil quilômetros pelo interior do Ceará para conhecer a realidade de seus pacientes acometidos pelo linfoma. Enquanto narra as histórias de dor e de luta vividas por cada um deles, ela resgata sua própria trajetória de menina matuta do sertão de Pernambuco, sua convivência com os índios fulni-ô quando criança, suas relações familiares e sua opção pela medicina, cursada na Universidade de Pernambuco (UPE).

Professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), fundadora do Instituto Roda da Vida, que oferece atendimento gratuito em Medicina Integrativa a pacientes com câncer em Fortaleza, e coordenadora do Núcleo de Medicina Integrativa da UFC (Numi), Paola concedeu entrevista à FOLHA, na qual falou sobre suas experiências com a Medicina Integrativa no tratamento de pacientes com câncer.

Como foi seu contato com a Medicina Integrativa?
Eu ainda sou de uma época de transição, desse mundo que não era informatizado para esse mundo altamente tecnológico. Vai fazer agora em julho 28 anos que eu me formei. Peguei uma medicina ainda muito artesanal. Quando eu era estudante, nem sequer se fazia cateterismo cardíaco. O hemograma, que hoje é feito por um aparelho computadorizado, era feito a mão. Minha primeira tese, eu ainda escrevi toda na máquina de datilografar. Peguei essa transição da medicina em que, apesar de biomédica e focada na doença, a gente ainda entrava muito em contato com o professor e o paciente. E o que acontece é que, por conta da minha cultura, de ter sido uma menina matuta, do interior, eu trazia comigo essa coisa da fitoterapia, da rezadeira, do contato que eu tive com os índios fulni-ô. Eu trazia isso dentro de mim como um elemento cultural. Então, sempre me interessou, desde muito cedo, essa questão de centrar a medicina na pessoa, de olhar a medicina como um instrumento de contato com o outro que sofre. Hoje, as faculdades de Medicina estão formando médicos em série. Eu me preocupo muito como vai ser essa medicina do futuro.

A Medicina Integrativa propõe tratar o paciente como um todo. Isso significa também respeitar a cultura de cada indivíduo?
A medicina é uma arte em si, porque você tem que usar elementos de conhecimento, elementos psicológicos, elementos técnicos, você tem que usar a sua cultura para conversar com o outro, a linguagem, a linguagem do corpo, então é muita coisa junta operando para você entrar no mundo do indivíduo e tirar dele a capacidade que o indivíduo tem de se curar, porque, na verdade, a medicina não cura ninguém. A droga não cura, nada disso. Quem se cura é o indivíduo, é o sistema imunológico do indivíduo. Quando você opera, você abre, quem resgata, quem costura tudo internamente é o organismo. O ponto que o médico dá só aproxima o tecido, mas quem costura, quem une, é o organismo. O principal foco da Medicina Integrativa é partir dessa perspectiva de você olhar para o outro, de você empoderar o outro também como um elemento da sua cura. É você ver o que o outro dá conta de fazer por ele mesmo, em busca do resgate de sua saúde.

Em suas aulas na UFC, a senhora orienta seus alunos para a importância dessa prática?
Agora mesmo eu montei uma disciplina optativa que se chama Bases da Medicina Integrativa. Essas disciplinas optativas são disciplinas que as universidades oferecem para os alunos, que têm que ter uma carga horária dessas disciplinas. Então montei essa disciplina com uma carga horária de 40 horas de aula, que significa 40 horas em uma semana de aula de manhã e de tarde. Só que a minha disciplina é prático-vivencial, para eles entenderem que é uma transdisciplinaridade. E depois eles entram em uma imersão em que eles vão ser pacientes. Eles fazem acupuntura, ventosa, eles vão diagnosticar o dosha deles (perfil biológico do indivíduo de acordo com o ayurveda), vão praticar a medicina ayurvédica, ioga. E não tem prova. A prova é fazer uma narrativa em que eles dizem por que resolveram fazer a disciplina e de que forma foram impactados. Eu abri 20 vagas. Alguns foram de penetra e 32 iniciaram o curso. Desses, 24 ficaram até o final e fizeram as narrativas. Eu fiquei muito emocionada com os relatos. É lógico que esses 24 alunos de Medicina não vão ser, provavelmente, médicos integrativos todos, mas somente de você ver que um aluno tinha uma tendinite crônica de um ano e que ele não acreditava na acupuntura e pela primeira vez ele saiu sem sentir dor no tendão, somente você desmistificar, tirar a lente do preconceito da cabeça desses alunos já é uma grande coisa.

A Medicina Integrativa propõe ao paciente as terapias alternativas ou simplesmente aceita o que ele traz?
A gente propõe para ele. Eu atendo os pacientes no Crio (Centro Regional Integrado de Oncologia), que é um serviço privado que presta 95% de assistência ao SUS. O primeiro encontro com a Medicina Integrativa é o que a gente chama de entrevista motivacional. A gente vai conversando com o paciente, vai entendendo o universo dele, e vai oferecendo para ele. Pergunto se já ouviu falar de meditação e o que acha. Muita gente acha que meditação tem a ver com religião, que ioga tem alguma coisa a ver com religião. Então você vai conversando com o paciente e vai vendo o que ele vai dar conta de fazer. Os pacientes que estão motivados para fazer isso eu encaminho para o Instituto Roda da Vida, que trabalha em parceria com o Crio e com a universidade.

E como a senhora avalia os resultados?
Tem um ganho para o paciente em todos os setores. Eu já atendi alguns pacientes terminais, tenho várias histórias, mas uma muito interessante é a de uma paciente com câncer de mama, já com metástase para mediastino (espaço entre os pulmões), para osso e tudo, e ela estava no instituto, a gente estava fazendo uma prática lá, que é uma roda de cantoria que eu ofereço dentro de um programa chamado Priintar (Programa Integrativo Intensivo de Apoio e Revitalização), que é uma pesquisa minha em Medicina Integrativa. Tem um momento em que é uma roda de cantoria. Essa paciente já estava muito fraquinha e as filhas não queriam que ela fosse ao instituto porque ela já estava muito malzinha, mas ela disse: "Eu preciso ir lá porque é aquilo que me dá vontade de viver". Então ela foi e estava lá, encostadinha na parede, na esteirinha dela, porque já não estava dando conta de ficar. De repente, eu começo a cantar: "O samba da minha terra deixa a gente mole, quando se canta todo mundo bole". E ela se levanta, toda sacudida, e começa a sambar, brincando com todo mundo. Eu ficava naquela satisfação de ver aquela mulher no fim da vida e ainda com aquela vontade de viver, com aquela energia, e ao mesmo tempo pensando: "Nossa! Eu vou mandar ela parar porque ela não vai dar conta com o fôlego!". A Medicina Integrativa não vai fazer com que o povo não morra porque isso é impossível, mas trazer vida para a vida. É você fazer a medicina para o outro. É aquele médico que domina biologia molecular, que domina a tecnologia, que domina as novas drogas, mas que tem o coração aberto para a sua cultura, para o seu povo, para sua linguagem e que vai respeitar o chá, e que vai respeitar a rezadeira.

E há comprovação da eficácia desses métodos alternativos?
Eu tenho um vídeo lindo que eu gravei essa semana de um paciente meu que teve um linfoma difuso de grandes células, pegando todo o braço dele, muito agressivo. Depois da quimioterapia, ele ficou com o braço meio limitado de movimento e aí ele vira para mim e diz: "Eu posso tomar chá de ameixeira com imbiratã e botar lá a mulher para me rezar?". Eu digo: "Pode, vá lá e faça isso e venha me dizer o resultado". Aí ele tomou, veio até mim e disse: "Olha, doutora, ela só rezou três vezes aqui, meu braço, minhas costas, tomei o chá de ameixeira e imbiratã e estou bonzinho". E estava. O chá da ameixeira e do imbiratã é anti-inflamatório e tem uma grande quantidade de flavonoides. Tem a rezadeira também, essa energia que flui nos meridianos e isso é científico, a gente só não tem instrumentos ainda para medir isso como a gente não tinha instrumentos há uma década para medir os efeitos da meditação sobre o cérebro. E uma outra coisa que a gente também precisa fazer é inaugurar uma outra forma de pensar a ciência porque a ciência, a evidência, não é só aquilo que pode ser provado pelo que é mensurado. A principal evidência que você deve respeitar é a narrativa do outro. Porque para você só existe o mundo que você vê, não é o mundo que eu vejo.

As terapias também são indicadas para pacientes terminais?
Agora eu estou com três pacientes jovens que estão morrendo da doença. Estou ali batalhando com elas, fazendo florais, remédios, meditação e tudo, tentando ver se elas podem viver um pouco mais com seus familiares e amigos. A gente, lógico, às vezes perde a batalha para a doença, mas a gente ganha em relação ao entendimento da família, a família ficar bem depois que o ente querido parte. É muito importante também ter a sensação de que viveu tudo, que tudo foi vivido, perdoado, ressignificado, até para essas pessoas que ficam viverem adiante as suas próprias vidas. Isso é muito importante.

As cerimônias de partida são tratadas pela Medicina Integrativa?
A gente aprende cerimônias em medicina. A gente perdeu isso, o ritual, a cerimônia, os significados. E a mente da gente opera com significados. O cérebro humano é simbólico, a gente traz isso de milhões de anos, essa simbologia. Não é de uma hora para outra que o DNA da gente não vai responder à coisa do símbolo. O DNA da gente tem 2% de genes e 98% do que está escrito são experiências vividas ao longo da vida. É uma fita silenciosa para a gente escrever nela experiências, é uma página em branco do repertório de vida. Antigamente a gente achava que era completamente governado pelos genes e não é isso.

A senhora defende que o paciente tem que estar à vontade para dizer ao médico que está tomando um chá ou fazendo uso de outros métodos alternativos de cura.
Às vezes, um chá pode interferir no tratamento convencional. Então o médico também tem que ter conhecimento disso. Esse meu paciente (que usou chá de ameixeira com imbiratã) me disse que lá no interior, onde ele vive, não tem médico. Se tem febre, toma um chá disso, se tem tosse, faz um lambedor daquilo. Nós temos um país que é continental e nós não temos médico em todo canto. Essa questão da fitoterapia no Brasil é muito forte. A fitoterapia é reconhecida pelo Ministério da Saúde. Nós temos investimentos do Ministério da Saúde em farmácias vivas, que vão secar esses medicamentos e fazer esses medicamentos. E isso não é abordado nas faculdades de Medicina. Por exemplo, nos Estados Unidos, o médico não pode prescrever para o paciente dele chá de boldo porque não tem estudos de fase 3 com grande séries de pacientes mostrando que chá de boldo é benéfico para tudo o que a gente toma: dor de estômago, má digestão, empachamento, gases, flatulência, enfim. Eu posso prescrever aqui no Brasil, eu tenho essa liberdade. Eu posso passar boldo, mastruz com leite, eucalipto, alfavaca, artemísia, pariri, quixaba, aroeira, abacate, graviola, entendeu? Então, isso tudo, essa liberdade que a gente conquistou, se a gente não se empodera disso, daqui a pouco vão querer tirar da gente.

Em seu livro "Andei por aí", a senhora narra em forma de cordel as histórias de 13 pacientes diagnosticados com linfoma. Por que escolheu escrever sobre essa doença?
O livro saiu no ano passado porque eu fui fazer o documentário ("Caminhos da Cura") e o meu orientador de pós-doutorado disse que eu ia ter que escrever. Trato de todas as doenças hematológicas, mas fiz esse recorte com os pacientes com linfoma porque eu venho trabalhando durante muito tempo tentando mudar a realidade do linfoma no Brasil, fazendo campanha e tudo porque os pacientes chegam em estágios muito avançados da doença. O linfoma começa com a pessoa com um carocinho do tamanho de uma azeitoninha pequena e aquilo ali vai crescendo e a pessoa diz: "Ah, não é nada demais, isso aí vai sumir". E daqui a pouco aquilo ali vira uma azeitona grande, depois vira um limão. E aí muita gente já fica com medo de ir (ao médico) porque já sabe que a coisa não é muito boa. Então, quanto mais precoce o diagnóstico, mais chances a pessoa tem de se curar, menos dinheiro o governo vai gastar, menos sofrimento a pessoa vai ter. O (Reynaldo) Gianecchini passou por isso, o (Edson) Celulari passou por isso. O Gianecchini ficou com um linfonodo e o povo mandando ele de um canto para o outro como se um lindo daquele, famoso, não pudesse ter linfoma. Linfoma é uma doença democrática, dá em todo mundo, não é só em quem é pobre, não.

A escolha pelo formato de cordel foi em respeito à sua cultura?
Quando eu penso em escrever, sempre vem esse elemento do cordel. Então é muito fácil para mim me apoderar dessa coisa dos repentistas, dos violeiros que eu vi a minha infância toda, andando. O próprio sertão remete ao cordel. E é tão emocionante para mim porque alguns pacientes compram o livro, que está sendo vendido para ajudar o Instituto Roda da Vida, toda a renda é revertida ao instituto. Uns compram para ajudar, outros porque é o livro da doutora e querem que eu assine o nome deles lá no livro. Mas o que mais me emociona é quando eles abrem o livro, leem e entendem. Você não queira saber da felicidade deles porque eles pensam que é o livro da doutora, deve ser um negócio difícil, então quando veem que é uma prosa, que eles entendem... É isso o que mais me deu contentamento, de escrever em uma linguagem que eles entendem. Essa é a minha intenção, escrever para consolar, para alegrar, para fazer as pessoas pensarem, mas de uma forma lúdica que todo mundo entenda, que seja uma coisa bem integrativa também.