Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos
Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos | Foto: Divulgação


Na esteira do Pacto pelo Esporte – acordo entre as empresas patrocinadoras do esporte brasileiro para uma gestão profissional, moderna e eficiente –, foi lançado no mês passado o rating das entidades desportivas. Trata-se de uma ferramenta que vai permitir fazer uma avaliação constante de federações, confederações e clubes esportivos em relação à qualidade e transparência da sua administração.

A iniciativa, que visa o aprimoramento do setor no País, é encabeçada pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil), CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro), Comitê Brasileiro de Clubes, Instituto Ethos e Atletas pelo Brasil, que representa as empresas integrantes do Pacto pelo Esporte.

Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos, organização responsável por coordenar o processo de criação da iniciativa, argumenta que modernizar a gestão das entidades esportivas é um caminho sem volta para manter os atuais investimentos públicos e privados e para atrair novos patrocinadores e parceiros, que vão possibilitar uma melhor performance das nossas equipes e dos nossos atletas. E também que é a ferramenta mais eficaz para acabar com a corrupção sistêmica tão presente no esporte nacional.

O que é o rating das entidades esportivas?
Rating nada mais é do que uma classificação com avaliação de um conjunto de organizações, neste caso, de entidades esportivas e clubes em geral, de futebol, de práticas esportivas. Foi uma iniciativa que nasceu a partir da criação do Pacto pelo Esporte, no qual as empresas definiram um período de dois anos, a partir de outubro de 2015, em que elas sinalizaram para todos os patrocinados, confederações, entidades esportivas, federações, clubes, que iriam passar a cobrar um conjunto de informações que pudessem revelar evidência de uma boa governança. A partir daí, passamos a discutir que tipo de ferramentas poderíamos criar que desse esta transparência para as empresas, para os atletas, para a sociedade em geral e para o próprio governo, mostrando a boa governança das entidades esportivas. Os critérios de transparência, integridade e conformidade são os critérios mais importantes para se ter uma boa governança. Passamos a pensar em uma ferramenta, uma metodologia, e tivemos apoio de algumas confederações logo no início, como a de rúgbi, o CPB, o COB, que aderiram à ideia, passaram a nos ajudar e nos apoiar na criação desta metodologia. Ela é baseada em várias referências nacionais e internacionais. O que a gente quer avaliar e classificar não é se a entidade está mal ou está bem, é em que ponto que ela está, se ela evoluiu e o que ela precisa fazer para evoluir mais ainda. A metodologia que avalia o processo, claro que vai ter uma nota. Mas é uma avaliação que induz à melhoria. O rating é um processo de inclusão das entidades esportivas e não de exclusão.

Na prática, como este processo vai funcionar?
Estamos construindo um grande questionário, que vai revelar duas coisas: questões quantitativas e de processos, onde você está em relação a estes pontos. Por exemplo, se a entidade possui um código de conduta, se foi idealizado com a participação dos atletas, se utiliza as referências das legislações nacionais, como a Lei Pelé e a Lei Anticorrupção. Se tem ou não tem, e em qual estágio está naquele quesito. Criamos um comitê gestor, formado por várias entidades e três convidados independentes. O comitê é quem toma todas as decisões em relação ao rating, pontos de vista metodológicos, de comunicação, de financiamento. Hoje, os recursos que temos para trabalhar neste projeto vêm das empresas signatárias do Pacto pelo Esporte, são apoiadores. Entrando na fase de testes, faremos pilotos com algumas entidades que vão participar. Em seguida, faremos as correções necessárias e lançaremos a plataforma em outubro deste ano. Será um sistema online e gratuito, que vai fazer um autodiagnóstico. Isso vai servir como base para um segundo passo, que é fazer a verificação de um verificador independente externo, que vai checar tudo aquilo que você respondeu. A conformidade deste processo vai ter uma avaliação, uma nota, e a partir daí construímos o rating. Em outubro, abrimos a plataforma por três meses, (depois) mais três meses para fazer a verificação externa e até o final de março lançamos a classificação das entidades. É uma ferramenta adequada a todo tipo de entidade esportiva: pequena, média ou grande. Anualmente vamos repetir este processo e criar uma série histórica, para comparar se as entidades estão melhorando ou não a sua governança.

O senhor acredita que, com o passar do tempo, os investidores privados e públicos vão levar em conta esta classificação para definirem patrocínios e parcerias?
Este é o compromisso das empresas que formam o Pacto pelo Esporte. Essas empresas certamente usarão (a classificação) porque elas assinaram um compromisso de fazer isso. Estava faltando a ferramenta para dar esta transparência, esta evidência. Certamente farão. Com o tempo, esperamos que todos aqueles que patrocinam, independentemente de estarem ou não no pacto, possam utilizar esta ferramenta. É um caminho para conseguir melhorar a qualidade do esporte no Brasil. Se os recursos que são utilizados, recebidos por uma confederação forem efetivamente bem aplicados na atividade fim, você vai ter um grande potencial de bons resultados esportivos. A grande reclamação dos atletas e dos patrocinadores é que o recurso que eles estão colocando lá não chegam aos atletas. Ficam presos em uma atividade meio, na burocracia, na estrutura da entidade. As entidades de boa governança terão que demonstrar que os recursos estão chegando lá na ponta. O projeto do rating tem dois objetivos: primeiro, melhorar a governança e, segundo, ter melhores resultados esportivos. Todos vão passar a usar esta referência para poder fazer seus patrocínios. Os atletas poderão ter uma visão para pressionar as entidades a melhorarem seus processos. Abre uma possibilidade de um diálogo com os patrocinadores, do tipo: "Você está patrocinando uma entidade que não é transparente, que não se propôs a fazer uma avaliação e por isso você está correndo riscos. Seu recurso pode ser mal utilizado".

Temos diversos casos de corrupção e má administração em entidades esportivas do Brasil, como os casos mais recentes na CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) e na CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos), inclusive com a prisão de dirigentes. O rating pode ajudar a combater isso?
Vai prevenir, vai mitigar e com certeza vai deixar os dirigentes que possuem um comportamento antiético em uma situação extremamente delicada. Porque se o dirigente aplicar a ferramenta, vai se descobrir que ele tem problemas na sua entidade, e ele tem que melhorar e corrigir ou corre o risco, por exemplo, de ser rejeitado em uma eleição futura. Em 2020, teremos eleições em várias confederações. Ou então ele não vai fazer isso e será cobrado por que não está fazendo. Vai prevenir, mitigar e reduzir as fraudes e a corrupção no esporte brasileiro.

A dificuldade que muitas entidades esportivas têm em modernizar a sua administração, a falta de transparência e até mesmo a permanência de alguns dirigentes à frente destas instituições por 20, 30 anos são causas que afastam o investidor privado do esporte brasileiro?
Sem dúvida. Nós já temos uma mudança na legislação. As entidades desportivas que recebem recursos públicos e todas as olímpicas que recebem, a partir da edição do artigo 18A da nova Lei Pelé, não podem mais de forma alguma reeleger o mesmo dirigente por mais de uma gestão. Quem está aí há 20 anos não vai poder mais ficar. Há, então, uma renovação jurídica e a manutenção do mesmo dirigente está vedada pela lei. A questão da transparência é muito importante e acredito que estamos entrando em um novo paradigma da gestão do esporte no Brasil com a adoção do rating.

Esta nova forma de administrar vai permitir uma melhora nos resultados esportivos?
Exatamente. O objetivo é que se traduza em resultados, medalhas, em esporte de alta performance bem sucedido, em esportes coletivos com efetiva participação dos atletas na gestão, em maior transparência para a sociedade. São todos resultados esperados para esta iniciativa.

O investimento no esporte brasileiro é pequeno ou o dinheiro é mal utilizado?
É mal utilizado o pouco que eles recebem. É pouco. Do ponto de vista das grandes confederações, que têm retorno de mídia, como a do vôlei, a do basquete, você não tem problema. Estas têm orçamentos milionários. Mas nós estamos falando de mais de 40 categorias diferentes, temos o esporte paralímpico, que após os Jogos do Rio de Janeiro estão à míngua. Sem nenhum recurso público e nem privado. Em geral, o investimento do Estado, da sociedade e das empresas no esporte é pequeno, e aquele que é feito é mal utilizado. Se a gente não conseguir difundir o rating, se a gente não conseguir fazer com que uma nova cultura cidadã passe a exercer uma pressão sobre o governo, as empresas e as entidades esportivas, os nossos resultados serão pequenos.