Claudio Tencati, técnico do Londrina
Claudio Tencati, técnico do Londrina | Foto: Marcos Zanutto


A sete partidas de completar 200 jogos no comando do Londrina, o técnico Claudio Tencati é o treinador há mais tempo em um mesmo clube no futebol brasileiro (assumiu o LEC em abril de 2011). Em entrevista à FOLHA, o comandante falou da relação com o sempre intempestivo gestor Sérgio Malucelli e dos seus momentos de turbulência no Alviceleste. "O término da Série C foi o desgaste maior e pensei em sair. Revi muito se eu ia permanecer para a Série B", afirmou.

Apesar de um período vitorioso à frente do LEC, no qual levou o time da segunda divisão do Paranaense para a Série B do Brasileiro e conquistou um título estadual depois de 22 anos, Tencati revelou que não recebeu propostas concretas para deixar o clube e que isso, de certa forma, o frustrou como profissional.

A rotina estressante do futebol levou o treinador ao hospital há algumas semanas. Diagnosticado com um quadro agudo de estresse, o comandante mudou sua rotina após o susto: "Tenho que me policiar senão não vou chegar aos 60 anos no futebol. Vou ter que mudar de profissão ou comprometer minha saúde".

Quando assumiu o Londrina em 2011, esperava chegar à marca de 200 jogos?
De maneira alguma. Até porque nós sabemos como funciona o futebol e ao mesmo tempo o Londrina é um clube de cobrança, de exigência, já teve um status anterior e a cobrança acontece pelo que o Londrina tinha conquistado. As coisas foram acontecendo, os resultados foram surgindo aos poucos, apareceram oportunidades para eu sair por vontade própria, mas não se encaixou. Alguns momentos foram turbulentos, mas não imaginei tanto tempo. Falar que nós planejamos isso, tínhamos ideia disso, não. O Sérgio (Malucelli) sempre falou que não ia me desamparar, mas em alguns momentos houve até pensamento de troca. Quando eu falo em não desamparar era, se não ficasse no profissional, voltar a cuidar da base ou ter um cargo diferente, mas não me passava pela cabeça.

Houve várias sondagens e contatos para uma possível saída ao longo deste período, mas apareceu alguma proposta oficial para você sair?
Não. Só especulações. Dizer que chegou alguém com uma proposta para me tirar do Londrina, não. Até recentemente, antes do (Paulo César) Carpegiani assumir o Coritiba, houve uma cogitação, me procuraram de novo, mas na hora que foram discutir valores e detalhes contratuais as coisas não se encaixaram. Ficou só o desejo, mas não se concretizou. Teve muita especulação durante todo este período, recebi outras propostas este ano de clubes da Série C, com valores concretos, mas nada de bater o martelo. Diante disso, sempre olhei aqui por ser um projeto viável, ter a confiança do presidente, grupo de trabalho bom e perspectivas no Londrina, e preferimos permanecer.

Não ter uma proposta concreta para sair te frustrou?
Frustra, sim. Porque a gente está militando todo este tempo e quando vê uma contratação como a do Coritiba, com todo respeito ao Carpegiani, não que eu fosse para o Coritiba, teria que pensar muito até pela rivalidade com o Londrina, de um treinador que não está na ativa. Outro exemplo é o Falcão no Internacional. É um ídolo do clube e após uma sequência de resultados ruins é demitido. Se contrata e demite da mesma forma. Está banalizado, muitos gestores e dirigentes incompetentes e que não têm convicção daquilo que querem. Por isso o futebol em alguns clubes vira esta bagunça e esta desordem. Tem vários treinadores jovens, com perfis muito bons, e é o meu caso. Vou demorar a ter um pouco mais de respaldo porque existe um tema político por trás, empresários que envolvem questões mais fortes que a gente pensa. Então o jogo do futebol não é apenas ganhar, ser campeão e ter resultado. É preciso ter quem indica.

Teve algum momento que você quis deixar o comando do LEC?
Nós tivemos alguns desgastes. Neste trajeto, o maior desgaste foi na Série C, e revi muito se eu ia permanecer para a Série B. Porque chegou um ponto com inúmeras dificuldades, e não foram com o presidente, mas sim com os demais funcionários do clube. Existe um desgaste administrativo hoje. O clube evoluiu muito rápido, da segunda divisão do Paranaense para a Série B, e a gestão não acompanhou os resultados. Existem algumas coisas que ficam a desejar e tem muito desgaste interno. Não é só por conta do presidente, as discussões maiores com ele são de contratação de jogadores, resultados. Às vezes até me frustra ver detalhes que poderiam ser melhores e que não temos um respaldo totalmente. É o meu maior desgaste com o presidente hoje. Nós estamos tentando ajustar. Por acreditar em uma ideia que o Sérgio lançou, que a gente poderia ter continuidade, de defender o maior tempo como treinador em um clube, de estar na Série B e ter uma visibilidade maior. Tudo isso pesou para a permanência, mas o término da Série C foi o desgaste maior e pensei em sair.

Você se vê mais cinco anos no Londrina?
É difícil eu falar algo concreto sobre isso porque eu já tive ideias anteriores sobre alçar voos maiores, em um grande clube ou no exterior, que é uma meta minha também. E se o Londrina subir? E se o presidente me colocar um projeto viável novamente? É difícil você dizer: "Vamos terminar a Série B e independentemente do que acontecer eu vou deixar o Londrina". Só o futuro vai definir isso.

O Sérgio Malucelli se caracteriza por ter um temperamento um pouco explosivo, de discutir com jogador, entrar no vestiário depois do jogo, demitir e usar mais o coração que a razão. Por que este relacionamento entre vocês deu tão certo?
Primeiro pelos resultados. A partir do momento que os resultados vieram, ele passou a confiar. Desde a minha chegada ao Iraty os títulos começaram a surgir. Por isso que após aquele momento de turbulência em 2012 ele não pensou duas vezes em me manter. Ele sentiu minha maneira de trabalhar, que é a honestidade, o caráter, ter a sensibilidade de entender a forma como a entidade trabalha, não só o resultado, mas a revelação de jogadores. Nesta somatória, deu toda esta confiança. No dia a dia, ele tem esse lado difícil, complicado, mas uma boa conversa e a colocação dos fatos o fazem entender. Eu sempre carrego comigo a verdade, quando estou errado eu admito, mas trabalho com a verdade, com os números. Adquiri o jeitinho de trabalhar com ele, mas tem aquela hora, igual em qualquer convivência, de fechar o ouvido e seguir no trabalho. Hoje a gente tem um respeito e uma amizade muito fortes.

Você já segurou muito jogador que ele mandou embora?
Ah, já. Não só jogador, mas profissionais também que estão à nossa volta, que erraram e ele rapidamente queria demitir. Acabo falando: "Calma, presidente, não é bem assim". Mostrava o outro lado, fazia o convencimento, a outra pessoa demonstrava uma reação e isso ajudava a gente a ter esta confiança. Ele confiou, a pessoa deu a resposta e ele passou a confiar.

Como clube, o Londrina está estruturado hoje para enfrentar uma Série A?
Eu não sei. É uma pergunta que fica no ar. Porque a gente às vezes compara com os clubes de mais status, como São Paulo, Corinthians. Nós estaríamos longe da realidade destes clubes em relação a número de sócios torcedores, estrutura, orçamento e uma série de coisas. Mas aí você olha para alguns clubes que já passaram ou que estão na Série A para quem o Londrina não deve nada. De capacidade, de organização. E talvez subindo, o Paranaense sirva para se estruturar. Não só a SM (Sports, empresa de Malucelli), mas também a prefeitura, para melhorar o estádio (do Café), por exemplo, não está difícil de deixá-lo ajustadinho. Será que estamos prontos? Olha para outros clubes e estamos até em situação melhor. O CT é nível de primeira divisão. Talvez amadurecer mais, a SM, administrativamente, terá que ter um salto em vários departamentos para que possa acompanhar a evolução em campo. Se você quiser ser grande, tem que dar passos grandes, em qualquer empresa é assim. Se o Londrina quiser, tem potencial, sim.

Você passou um susto nas últimas semanas e precisou ficar internado por pouco mais de 24 horas (o treinador apresentou dores no peito e foi diagnosticado com um quadro agudo de estresse). Isso mudou sua rotina diária?
Com certeza. Às vezes você fica bitolado no trabalho e esquece de princípios como a atividade física, que para mim é muito importante, já que eu exercito mais a cabeça que o corpo e preciso ter um desafogo. Sessões de terapia para ajudar nisso, tenho a minha família hoje perto de mim que me ajuda muito também. Preciso da atividade física por causa de uma questão de hormônios e reações químicas, que é o que me provocou aquele problema de um pré-infarto. Tenho me policiado em muitas coisas, a alimentação e a rotina com atividade física regular. Às vezes uma coisa pequena já era o estopim, então agora (é) "calma, repensa", ter uma válvula de escape. O que é difícil para mim aqui não é o jogo em si. Não é o torcedor, a imprensa, a pressão. É a preparação do dia a dia até o jogo, que é isso que gera uma série de questões. Ter que focar todos os jogadores no mesmo sentido, o clube, chamar a torcida para o lado, a imprensa, a questão da preparação técnica, tática, estudar o adversário. Mexo mais com a mente do que com o corpo. Um problema de esôfago, que tive que fazer uma cirurgia, já foi decorrente de estresse. Tenho que me policiar senão não vou chegar aos 60 anos no futebol. Vou ter que mudar de profissão ou comprometer minha saúde.

Em quais treinadores e métodos de trabalho você se inspira?
Se eu for dizer que eu sigo essa ou aquela pessoa, eu estaria mentindo. Eu pego, sim, modelos de vários treinadores, formas de conduzir, falas de treinadores em entrevistas antes e após os jogos, a preparação. Em métodos de trabalho, o (Pep) Guardiola é um dos principais. Procuro observar o que ele está dizendo. Fã de carteirinha eu sempre fui do Telê Santana, por entender que ele era um treinador à frente do seu tempo e que priorizava muito o lado técnico, o lado da qualidade do jogador. Isso que muitos falam sobre a minha retranca, que é muito próxima do Tite, acho que é ao contrário. Quando a gente encaixar peças que vão de encontro ao meu pensamento, podemos deslanchar. Como foi em 2013, quando tivemos uma equipe muito competitiva, agressiva e com muita qualidade. Faltam alguns encaixes, algumas peças para a equipe se moldar.

Como você define a sua relação com a torcida do Londrina?
Muito boa. Não é frequente, mas já tive reações de virar para a torcida e pedir palmas ou bater no peito pedindo raça e vontade. Mas é o lado crítico destes torcedores que me motiva a fazer mais. Então eu também sou agradecido a eles. Porque só elogios também vão te deixar em uma situação cômoda, e a crítica e a cobrança fazem parte da motivação. Claro que a gente quer que espere acontecer primeiro, se deu errado e vem a crítica, a gente vai aceitar. Então às vezes que eu não aceitei foi isso aí, antes da coisa acontecer já estavam malhando. Mas, no geral, acho que o respaldo que a gente passa para o torcedor é muito bom. Ninguém pode cobrar o meu comportamento profissional e o comprometimento com o clube. Se eu deixo a desejar em algo, se sou retranqueiro, os resultados provam o trabalho. Atendo todo mundo e converso com todos. Eu sou funcionário de uma empresa particular, mas com responsabilidade pública, então tenho que dar satisfação ao torcedor.