Eleições e a crise da agricultura

Adriano Nervo Codato
  Por que Lula (PT) não venceu nos três Estados do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Roraima? Uma resposta segura para essa questão exigiria uma análise mais detida dos mapas eleitorais e da lógica da distribuição das preferências políticas. Mas arriscaria dizer que pelo mesmo motivo que Roberto Requião (PMDB) não venceu em Londrina, Maringá, Cascavel, etc. O paralelismo aqui é claro: o eleitor de Lula é provavelmente o eleitor de Requião; e o eleitor de Osmar Dias é o eleitor de Geraldo Alckmin. O bom desempenho de Requião e de Lula segue o caminho da assistência social. E o mau desempenho tanto de Requião como de Lula segue geograficamente o caminho do setor agrário. Nesse sentido, a crise no setor agropecuário foi determinante para o fracasso eleitoral do governador e do presidente nessas regiões. Mas como essa crise se manifesta?
  A crise do agronegócio se expressa antes de tudo como ‘‘antigovernismo’’. É um fenômeno mais ou menos complexo. O caso Requião/Lula ajuda a entender o problema. Penso que ele tem três dimensões: uma dimensão econômica, uma política e uma ideológica. O problema do câmbio (baixos preços para exportar), o problema da política monetária (altos juros para tomar emprestado e investir) e o problema do emprego (baixo índice de criação de empregos formais no setor agrário) alimentam e ampliam o descontentamento do eleitor.
  Pequenos, médios e grandes proprietários rurais (e os demais eleitores subordinados à lógica dessa economia) votam então contra ‘‘o governo’’, sem diferenciar se estadual, se federal. Do ponto de vista político é preciso lembrar que o governo, qualquer governo, sofre desgastes, seja pelas brigas que compra, seja pelas que não compra. O que abre caminho para o desejo da ‘‘mudança’’, qualquer mudança. No caso específico do Paraná, o fator político foi o seguinte: as prefeituras do PT agora e antes, não foram um modelo de gestão administrativa a ser seguido, para ser educado.
  Esse mudancismo, além disso, encontra sua razão de ser, do ponto de vista ideológico, em dois fatores: um ético e um técnico, que não se excluem. ‘‘Geraldo’’ foi a promessa ética contra a corrupção e o aparelhamento do Estado. E Osmar foi a promessa técnica a favor da agricultura. Aliás, ambos projetaram a imagem desejada do eleitor médio de classe média. Eles são ao mesmo tempo ‘‘iguais a nós’’ e ‘‘aqueles que sabem fazer’’ por nós. Mas se o recado de Osmar Dias foi entendido, o de Alckmin naufragou porque parecia retórico demais.
ADRIANO NERVO CODATO é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná em Curitiba e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira


Razões de uma vitória

Gaudêncio Torquato
  Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhou o direito de sentar por mais quatro anos na cadeira presidencial porque teve melhor desempenho nos quatro meses de campanha eleitoral. O presidente conhece bem, como afirma, ‘‘a alma do povo’’. Fosse em um país anglo-saxão ou profundamente identificado com a ética protestante, Lula não teria sobrevivido às graves denúncias que, ao longo do último ano, corroeram a imagem do governo. Mas a ‘‘alma brasileira’’ é leniente e compreensiva ante a dualidade de conceitos como riqueza e miséria, virtude e crime, honestidade e corrupção, generosidade e horror.
  O eleitorado brasileiro prefere o discurso que fala para o bolso do que a peroração para as mentes. Os valores éticos (espirituais), que emergiram do túnel dos mensaleiros e desaguaram nos dutos do dossiegate, perderam para os valores do bolso. Economia estabilizada, inflação controlada, real valorizado, poder de compra preservado, beneficiando todos os conjuntos sociais, e o Bolsa-Família expandido, melhorando a situação das classes D e E, foram mais fortes que a pergunta: ‘‘De onde veio o dinheiro para comprar o falso dossiê?’’
  Lula teve melhor desempenho no plano do discurso. Disse para o povo o que ele queria ouvir. As falas cheias de metáforas e imagens populares se somaram ao desfile interminável de feitos do governo e entraram com facilidade na cachola das massas. O petista saiu-se igualmente bem no âmbito do turbilhão de denúncias. Martelou a resposta de que, em seu governo, nada é empurrado para debaixo do tapete. Colou. Para fechar o circuito de forças a seu favor, Lula contou com o poder da caneta. Quem exerce o mando no poder executivo federal e nos governos estaduais tem chances maiores de se eleger. O fator organizativo também ajudou. Ele fez bons comícios, correu o Brasil, jogou-se para as massas. Pelo lado tucano, faltou um plano estratégico; a agenda de rua do candidato foi pobre. O programa de TV foi visivelmente ruim, sem eixos, disperso e monótono, as ações táticas foram limitadas e os recursos escassos.
  Lula deu, no segundo turno, um nocaute técnico em Alckmin com o terrorismo da ‘‘privataria’’. Ganhou os eleitores de Heloísa Helena e de Cristovam Buarque, além de avançar sobre fortes contingentes das classes médias, que deixaram o espaço antes reservado ao tucano. Lula ganhou a eleição, mas iniciará um segundo mandato sob o signo da suspeita. É evidente que o tal ‘‘terceiro turno’’, a desestabilização de Lula pela via da Justiça, não tem condição de prosperar. O voto popular e a ampla maioria conseguida legitimam o candidato e não haveria força moral nos tribunais para derrubá-lo.
  Luiz Inácio terá à disposição um amplo cordão de apoios, a partir do engajamento de 18 governadores, uma base de cerca de 370 deputados e uma boa bancada no Senado. Na Câmara Alta, apesar do oposicionismo, Lula enfrentará alguma dificuldade, mas nada que possa prejudicar a governabilidade. Procurará formar um governo com menos petistas e ampliará os espaços do PMDB. Focará o governo no alvo desenvolvimentista, como forma de retomar o crescimento e atender às demandas do empresariado.
GAUDÊNCIO TORQUATO é jornalista, professor da USP e consultor político em São Paulo


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