Imagem ilustrativa da imagem EDUCAÇÃO - Bullying e a volta às aulas
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Quando as férias terminam, muitas crianças não veem a hora de voltar à escola para rever os amigos. Depois do entusiasmo inicial, no entanto, é natural que elas sintam falta de passar mais tempo em casa, brincando. A resistência em retornar às aulas, segundo especialistas, é normal, mas em alguns casos pode ser sinal de um grave problema: o bullying. Para as vítimas de brincadeiras maldosas e humilhações, o recomeço do ano letivo é sinônimo de passar por mais experiências traumáticas.

A presidente da Asec (Associação pela Saúde Emocional de Crianças), Tania Paris, alerta que os pais devem ficar atentos aos sinais repassados pelos filhos. Segundo ela, se a criança começa a evitar a escola de forma veemente, isso é um indício de que a qualidade emocional do ambiente escolar deve ser investigada. Um erro comum, segundo a especialista, é não dar atenção às crianças. Minimizar os problemas dos filhos também não é a solução mais indicada.

Há 13 anos à frente da Asec, Paris diz que a escola pode coibir o bullying da forma tradicional, mas também pode ir além, buscando erradicar o problema. Nesta forma de trabalho, as crianças são estimuladas a buscar soluções positivas para suas dificuldades. Ela destaca que quanto mais cedo a criança aprende a lidar com suas emoções, mais chances ela terá de ser uma pessoa bem sucedida.

Como identificar se o motivo de a criança rejeitar a escola é o bullying?
Ela começa, gradativamente, a se sentir mal porque sabe que pode enfrentar o problema a qualquer instante. Isso acontece quando o ambiente em que a criança vive passa a ser tóxico para ela. Porém, é preciso ponderação. Quando a criança começa a dar sinais de que ela não quer ir para um determinado ambiente, não é certeza, mas é um sinal para se analisar a qualidade emocional desse ambiente. A volta às aulas é um ponto interessante porque é um período que a criança descansou nas férias, brincou. Não seria natural ela voltar para a escola toda feliz, mas se ela começa a ter comportamento de evitar o local, ela está eventualmente sinalizando um problema a ser analisado. Havendo bullying, a criança vai tentar evitar esse ambiente. Isso é certeza.

Qual o papel da escola diante do problema?
A escola tem duas formas de trabalhar: ela pode coibir ou erradicar. Coibir são todas aquelas regras de dizer o que não se pode fazer, de chamar a atenção quando o problema acontece. A outra forma, que é erradicar, é desenvolver as crianças de tal maneira que elas busquem soluções positivas para as dificuldades delas. E nessa situação o bullying não é uma situação positiva, portanto, não é escolhido como forma de ação pelas crianças. Todo mundo precisa saber que isso não é correto. Às vezes, a criança está tão machucada que passa a se sentir culpada daquilo que está acontecendo com ela. É fundamental que se ensine para a criança que aquilo não é certo e que alguém vai apoiá-la. Então, o coordenador da escola precisa ser contatado e precisa ouvir o caso com muito cuidado. Não é uma conversa para se ter no corredor, na saída das crianças. É preciso marcar um horário, explicar, dar devida consideração ao problema e combinar essas ações.

Como o bullying é tratado pela Asec?
Nós usamos um termo chamado "ambiente emocionalmente saudável", porque em todos os nossos programas de educação emocional, a primeira coisa com que nós nos preocupamos é que o professor consiga aplicar na sala de aula esse ambiente. É um ambiente onde as crianças respeitam a individualidade das outras e onde elas podem ser elas mesmas. Este é um ambiente fundamental dentro dos programas de educação emocional. Na verdade, é um ambiente onde a gente quer estar, onde a gente se sente bem. O professor que está atento a promover um ambiente emocionalmente saudável, ele vai evitando as condições que deixariam o bullying acontecer. Se a escola está desenvolvendo programas de educação emocional nesse contexto, não tem razão pra ter bullying. A criança vai encontrar formas melhores de agir, de lidar com suas dificuldades ao invés de estar fazendo aquilo que alguns chamam de brincadeira, o que nós encaramos como uma brincadeira maldosa.

E quando o bullying ocorre dentro de casa? Qual deve ser o papel da escola?
É mais comum a gente falar em bullying na escola por conta de um período mais prolongado que a criança está lá, mas certamente o reverso é verdadeiro. Pode acontecer em casa com o irmão mais velho, o irmão mais novo, primos, algum adulto de maior convivência. A escola que detectou tem a responsabilidade de chamar a família e alertar para o que possa estar acontecendo. Se nós tivermos casos extremos de pais fazendo bullying com os filhos, aí é um caso seríssimo, de Conselho Tutelar.

Como podemos ajudar crianças a lidar com os sentimentos, com suas emoções?
O primeiro ponto é que é muito comum alguém minimizar o que a criança começa a contar. A vítima do bullying conta que acontece tal coisa e ela ouve uma resposta do tipo: "Não liga pra isso". Então, o que liga o alerta é que é muito difícil contar sobre o bullying. É um processo que intimida, que ameaça a criança. Quando ela começa a dar sinais, ela precisa ser estimulada a contar. Às vezes, ela conta e as pessoas ouvem por cima, de uma forma superficial. A primeira grande orientação para todo mundo é que se a criança começa a dar sinais, ou começa a relatar um caso, ela precisa ser ouvida, nos detalhes, sobre o sentimento que ela está tendo. Não faz sentido minimizar o que ela está sentindo. Se para ela o mundo está desabando, é isso o que importa para ela, não é o que o pai ou a mãe sentiriam se tivesse acontecido com eles. Então, o primeiro passo é estimular que a criança relate como está se sentindo.

Quais as consequências do bullying?
O que muitas vezes é chamado de brincadeira na verdade é uma prática cruel que vai minando a autoestima da vítima. Muita gente começa a chamar de bullying só aquilo que traz sérias consequências. A posição da Asec não é pelo nome ou pela caracterização. É mais pela intenção. A partir do ponto que uma criança pequena, que não tem recursos, começa a tirar suas diferenças em cima de outra criança. Ela está se desenvolvendo mal e está prejudicando o desenvolvimento da outra. É extremamente importante que se proteja o desenvolvimento de todos os envolvidos no processo. Podemos dizer que o bullying é uma demonstração de falta de autoestima do agressor. Ele pode estar com essa falta de autoestima por diversos motivos. Ele pode fazer o bullying de diversas formas. O fenômeno em si tem essa raiz. A criança que não consegue lidar bem com ela mesma, com a vida dela, ao invés de procurar resolver isso, ela busca descontar isso em outro.

Há uma faixa etária mais vulnerável ao bullying?
Quanto mais cedo a criança aprende a lidar com ela mesma e com os outros, mais ela vai ser bem sucedida na vida. Esse aprendizado é algo reforçador, bem parecido com a alfabetização. A criança que aprende a ler na idade certa, ela tem mais acesso à leitura e, portanto, a leitura dela fica melhor. Se ela aprende a lidar consigo mesma e com suas relações sociais de forma positiva, os problemas para ela são menores, as angústias são menores. Isso atua como um fator de proteção na saúde mental, ou seja, ela está menos propensa à depressão, a doenças mentais. Quanto mais exercita aquilo que ela aprende, melhor ela fica. Nosso alvo é a criança do início do ensino fundamental. Nessa fase, a criança ainda não tem um padrão de comportamento, ela ainda está copiando a forma como os pais reagem, como o professor reage. Ela vai internalizar as formas positivas das tomadas de decisão, de reação a sentimentos, de maneira de fazer frente a problemas. A faixa etária do início da adolescência também demanda atenção. É quando eles começam a buscar uma identidade própria, há um turbilhão de novos problemas, de novas situações.

Em 6 de novembro de 2015, o Brasil sancionou uma lei nacional de combate ao bullying. De lá para cá, houve avanços efetivos?
A lei tem seu mérito de ter levantado o tema. Acho que nunca se falou tanto sobre bullying e essa conversa leva à reflexão, o que é muito importante. De uma maneira ou de outra, os pais passaram a fiscalizar mais. Agora, certamente, como ela não prevê punições, fica muito pela consciência de cada um. Toda vez que a gente fala de bullying, eu procuro levar para reflexão como estão os climas emocionais. Levantar bandeiras de criar nas escolas um clima de ambientes emocionalmente saudáveis. Muitas vezes, precisamos cobrar do professor de que ele tenha isso bem claro. Mais do que leis para combater bullying, a forma mais adequada é a educação.