Rossieli Soares da Silva, secretário de Educação Básica do Ministério da Educação
Rossieli Soares da Silva, secretário de Educação Básica do Ministério da Educação | Foto: Saulo Ohara



O secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB-MEC), Rossieli Soares da Silva, esteve em Londrina recentemente para divulgar aos prefeitos da região sobre programas do MEC. A reportagem da Folha aproveitou a visita para conversar com ele sobre a reforma do Ensino Médio, sobre as mudanças no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), sobre os desafios da educação básica, entre outros assuntos. A reforma do Ensino Médio tem sido um dos temas mais espinhosos, já que a medida provisória publicada no ano passado e que colocou o assunto em pauta, provocou a revolta por alguns setores da comunidade escolar e da sociedade.

Silva é natural da cidade de Santiago (Rio Grande do Sul) e possui formação acadêmica em Direito. Ele trabalhou durante oito anos na Secretaria de Educação do Amazonas e esteve à frente da pasta por quase quatro anos. Como secretário de Estado de Educação fez a revisão do Plano de Cargos, Carreira e Remuneração dos servidores da educação estadual; a expansão da rede de escolas de tempo integral; a oferta de cursos gratuitos de especialização e mestrado para professores; a captação de recursos federais e internacionais para a melhoria da rede estadual de ensino; o repasse de tablets para professores usarem com estudantes em sala de aula; a expansão do programa de alfabetização voltado para adultos e idosos no Amazonas; a oferta de cursos de língua estrangeira para estudantes com baixa renda, dentre outras. Silva também comandou o Departamento de Planejamento da Secretaria de Estado de Educação do Amazonas.

- Um dos pontos mais discutidos no atual governo é a reforma do Ensino Médio. Qual sua opinião a respeito?

Antes de falar do Ensino Médio, é preciso dizer que ela começou muitos anos atrás. Se pegar o histórico, a Câmara dos Deputados desde 2007 faz seminários internacionais. Somente para discutir o próprio projeto de lei foram cinco anos de discussão nas comissões. A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) também focou a mudança no Ensino Médio em seu site em 2011 e 2012, sempre buscando a flexibilidade. Há uma discussão de 20 anos, pois a própria LDB, em 1996, trouxe esse aspecto não como indutor, mas como possibilidade diferente do que se buscou agora, um modelo indutor para a reforma.

- O que a reforma tem buscado?

É um anseio de todos combater indicadores que estão em níveis muito ruins. Quando a gente olha as provas do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que avalia os resultados de português e matemática, os resultados de matemática de 1997 são melhores que os de 2015. Mas há quem diga que essa diferença aconteceu porque houve o aumento do acesso. Houve, mas nas últimas três avaliações houve estagnação total. A reforma tem alguns pilares que precisam ser claros. A reforma não trouxe a discussão do tempo integral. O Plano Nacional de Educação foi discutido por quatro anos no Congresso e mais quatro anos com a sociedade. São quase dez anos de discussão para a construção do Plano Nacional de Educação. Nele consta textualmente sobre a implantação da flexibilidade do Ensino Médio. Ou seja, a flexibilização não ocorreu na Reforma do Ensino Médio. Ela foi definida na lei do Plano Nacional de Educação, que diz que até 2024 vamos ter que flexibilizar obrigatoriamente o Ensino Médio.

- Mas os alunos que pegarem o novo currículo não terão uma formação inferior aos que estudam hoje?

Não, esse é um conceito errado.

- E aqueles que, por exemplo, não estudarem Sociologia e Filosofia não terão essa formação prejudicada? Se a escola não oferecer essas disciplinas os alunos sairão perdendo?

A escola não vai poder excluir nenhuma disciplina. Quem vai definir isso é a Base Nacional Comum Curricular (Bncc). O ponto que defendemos é que a lei não deveria dizer quais as disciplinas devem ser obrigatórias, mas que isso deve ser definido pela base nacional comum curricular. A lei antes da reforma do Ensino Médio diz que o componente de Química, de Física, de História e de Geografia é obrigatório.

- Mas são disciplinas importantes...

Em momento nenhum está se dizendo que elas serão retiradas do currículo. Nem Filosofia, nem Sociologia...

- Na prática isso pode acontecer?

Não, você vai ver na página nacional do Ensino Médio que todos os seus componentes estarão lá. A organização curricular deve acontecer em nível de Estado dentro de cada uma de suas prioridades. Se você deixar para o Congresso criar componentes curriculares, você sabe quantos projetos existem de criação de componentes obrigatórios na educação básica? Quinhentos. Como a gente coloca quinhentos projetos na educação básica? Não tem como. Há temas importantes, inclusive, mas nem tudo se comporta como uma caixinha individualizada. A forma de trabalhar não precisa ser assim. Uma pessoa não vai ter mais ou menos senso crítico por não ter Filosofia e Sociologia. Elas são importantes em si, mas o importante é a formação geral do indivíduo que engloba Sociologia, Filosofia, Matemática, Português, Química, Física. Só que quando se olha para a qualidade de tempo que o professor tem para fazer algo é melhor que ele se aprofunde. Eu tenho uma formação e afinidade mais para humanas e sociais. Se eu pudesse voltar ao Ensino Médio, eu me aprofundaria mais em Filosofia e Sociologia, mas na minha época tive um ensino muito raso nessas áreas em que não se conseguia se aprofundar em nada. O que eu estudei era muito pouco, um tempo por semana de 45 minutos. Seria mais fácil se você tiver mais alunos, mais turmas, juntos com aqueles que desejam mais aprofundamento, para proporcionar mais conteúdo nessas áreas.

- Como seria isso?

Você, que é jornalista, não precisaria ter aprofundamento em Química, mas em Língua Portuguesa, Oralidade e Comunicação, para que houvesse mais importância de aprofundamento para você seguir em uma área. Não é que você não teria Química. Você receberia aulas de Química básica, uma formação geral. Nós tínhamos 2,4 mil horas para todo o Ensino Médio e agora estamos aumentando para 3 mil horas para todo o Ensino Médio, isso de forma obrigatória, não é tempo integral. É uma média de 5 horas por dia. Dentro dessas três mil horas teremos uma formação geral de 1,8 mil horas. Já temos sistemas de ensino fazendo isso e nada impede que a organização curricular do Paraná faça isso, já que vai ser construída pelos professores, pela comunidade, pelos alunos e pelo Conselho Estadual de Educação, por meio de debates internos. Aliás, essa é a parte mais importante da reforma do Ensino Médio, é a discussão curricular, que é o que efetivamente vai acontecer. Não é o governo federal que vai dizer que vai ser assim ou vai ser 'assado'. Há uma possibilidade de ter dentro dessas 5 horas obrigatórias o ensino técnico pela primeira vez.

- Mas isso não aumentaria as discrepâncias entre as diferentes regiões?

Pelo contrário. Quando se discute educação, o primeiro discurso é de que temos que dar tratamentos diferenciados para desiguais para trazer equidade dentro das realidades. Isso não quer dizer que a educação tem que ser melhor aqui ou ali. Educação tem que ser boa em qualquer lugar. Mas você não precisa seguir a mesma trajetória que eu. Se você escolheu a área de comunicação você tem um perfil que pode ter um aprofundamento para uma área. Quem vai dizer a organização é o sistema com essas características. A desigualdade existe no sistema como é hoje, pois a gente trata todo mundo como igual na educação básica no Brasil. O que é básico de aprendizagem não é o EM que vai dar sozinho. É o conjunto da educação básica. A reforma do Ensino Médio vai tratar de uma parte disso, da parte fina, onde há uma flexibilidade maior. Qual a flexibilidade do 1º ao 5º ano? Você tem objetivos muito mais claros na alfabetização e no letramento matemático. No Ensino Médio começam a surgir as divisões. Você dá possibilidades de acordo com as vocações que temos na área com ensino técnico ou não.

- Não é uma contradição falar em valorização dos professores e admitir profissionais com notório saber sem diploma para dar aulas?

Quando eu era secretário de estado da educação do Amazonas, que tem um dos maiores polos navais do mundo para a construção de embarcações em rios navegáveis, os grandes especialistas nas construções dessas embarcações eram os práticos, alguns deles nem alfabetizados são, mas eles são os melhores quando se busca uma aula prática de alguém que tem experiência nessa construção. Essas pessoas são referências mundiais e hoje a gente não pode usar essa experiência na cátedra. Não é que ele vai ser o professor e dar aula da parte técnica de engenharia e do cálculo para se construir uma embarcação. Mas na hora em que você precisa mostrar o impacto da embarcação na água na prática, esse cara pode ser o diferencial. Certamente você pode ver aqui no polo moveleiro da região de Londrina pessoas com essa característica. O notório saber é único e exclusivamente para este tipo de caso, se aprovado pelo conselho estadual e se não tiver profissional formado e capacitado para isso, e deve ser exclusivamente para a área técnica. Quanto a outros profissionais fazerem parte da educação básica, a resolução 2 do Conselho Nacional de Educação, publicada em 2015, já trata sobre isso e diz que isso depende de complementação pedagógica. A única novidade é o notório saber exclusivamente para o ensino técnico, desde que o conselho estadual aprove. Se o Paraná não quiser adotar nada disso, se o conselho não aprovar, não precisa desse profissional, mas vale lembrar que o Pronatec e o Sistema S já usam isso.

- O Plano Nacional de Educação também fala da obrigatoriedade do avanço da educação integral e da educação em tempo integral. Como será isso?

Essa parte das horas é importante para entender isso. Todas as redes devem obrigatoriamente aumentar a carga horária de 800 horas para mil horas por ano ano em um prazo limite de cinco anos. Isso equivale a cinco horas diárias, mas se eu quiser fazer quatro horas diárias e um dia da semana quiser fazer nove horas, é possível. Quem vai definir isso? O sistema de ensino. Já a educação em tempo integral de 1,4 mil horas, equivalente a sete horas diárias, existe há muito tempo, inclusive nas escolas de Ensino Médio. Em 2011 e 2012 foi feito um movimento para criar um Ensino Médio inovador e mais da metade das escolas do Paraná participaram e passaram a oferecer a escola em tempo integral. Mas isso não é obrigatório. Se o Paraná tiver dinheiro para isso, pode fazer.

- Mas e a infraestrutura?

A infraestrutura deve ser pensada. É um problema para cada um dos modelos do Ensino Médio. A qualidade do gasto deve ser melhorada. Isso é algo fundamental que o Brasil precisa olhar. Fui secretário da Educação e sei bem das dificuldades e como temos potencial para melhorar com os recursos que temos. O Plano Nacional de Educação, quando definiu o plano de metas, não resolveu a questão do financiamento. Foram criadas 19 metas de verdade a a vigésima, que é a do financiamento, partiu do pressuposto que teríamos dinheiro dos royalties do petróleo. Não existe recurso algum dos royalties para a educação. Fizemos plano de metas bem arrojado, mas ao mesmo tempo o financiamento que era para ter vindo acabou não acontecendo.

- Como fazer com que o aluno aprenda de fato em vez de só passar pela escola?

Essa é uma pergunta chave. A gente falou da reforma do Ensino Médio, mas é preciso ver a educação básica como um todo. Principalmente, a entrada aos quatro anos, que hoje é obrigatória até a saída do Ensino Médio. Fazer a reforma do Ensino Médio não significa que vamos fazer a reforma da etapa básica como um todo, que requereria uma revisão da parte legal. O aluno terminava o Ensino Médio sem saber para que aquilo serviria para a vida dele. Isso fazia sentido apenas para 16% dos jovens, que é a parcela que vai à universidade, porque era um Ensino Médio propedêutico para a entrada na universidade. O Ensino Médio não é cursinho preparatório para isso. Só para completar o assunto, nós somos o único país comparando com todos que têm boa prática, que não tem flexibilidade. Inclusive países como Japão, Coréia do Sul, Austrália, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha... Na França, por exemplo, não tem nada no Ensino Médio. Tudo é flexível. Cada escola constrói o currículo da melhor maneira, mesmo no sistema público. Quando a gente olha todos os indicadores do Brasil, não tem como não olhar para o letramento, que é mais amplo que a alfabetização. Nós temos 11% das crianças alfabetizadas em um nível avançado, na última avaliação da Agência Nacional de Alfabetização (ANA). Esse é um índice assustador. Este é um ponto de investimento que o Ministério da Educação tem discutido com estados e com os secretários municipais de educação, para olhar para uma política para alfabetização.

- No dia 9 de março o MEC divulgou as mudanças no Enem. Por qual motivo elas foram necessárias?

O ministro Mendonça Filho lançou no mês passado uma pesquisa para entender se tinha necessidade de se fazer algumas mudanças no Enem para saber como a população em geral veria essas mudanças. Foi algo inovador. Nunca se ouviu a população sobre as mudanças necessárias de acordo com o que a própria população pensa. Um exemplo é o problema que havia com todas as pessoas que guardam o sábado por algum motivo e sofriam muito para fazer o Enem. Dependendo do lugar, como no caso do Acre, que tem um fuso horário de três horas de diferença em relação a Brasília, eles chegavam às 9 horas da manhã para fazer a prova e ficavam esperando em uma sala até à noite. Perguntamos como atender da melhor forma usando a tecnologia existente. Existia a possibilidade de fazer o exame em um dia, e tecnicamente isso era possível, mas a maioria (47%) optou por realizar em dois dias de prova, em dois domingos separados.

- O Enem 2017 não será mais usado para emitir certificado de conclusão do Ensino Médio. Por quê?

Antes o aluno para obter essa certificação do Ensino Médio tinha que ser maior de idade e alcançar 45 pontos em cada uma das áreas e 500 pontos na redação. Só que essa prova não foi pensada para isso. O Enem é um exame de entrada na universidade, não é um exame de saída do Ensino Médio e, por isso, não pode medir sua qualidade. Se não serve para isso, não pode certificar. Ao mesmo tempo, para não deixar essas pessoas na mão, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) vai realizar um novo exame, chamado Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), que é específico para avaliação de jovens e adultos e que será realizado já em 2017. Deixa com mais clareza o Enem para aquilo que se presta, que é a entrada nas universidades.

- O Enem anunciou que terá provas personalizadas nas próximas edições. Isso é para evitar fraudes?

As provas serão nominais. Antes o aluno recebia a inscrição para depois ver a cor do caderno que ele realizaria. Agora, se a prova for direcionada para mim, só eu vou poder fazer aquela prova. Se houver vazamento é possível identificar de onde saiu. Trata-se de um item de segurança muito importante para o Enem, pois existe uma força tarefa para cuidar disso, pois vale uma vaga em um curso de Medicina, por exemplo. Constantemente, o Ministério da Educação tem pensado e modernizado o Enem em algumas partes e ouvindo muito a população. Uma das grandes surpresas que essa pesquisa apontou é que os jovens preferem fazer a prova do Enem impressa e não com uso de tecnologia que queríamos implementar. Talvez isso mostre a insegurança da pessoa em se testar com metodologias diferentes. De qualquer forma, vamos fazer alguns testes não no Enem, mas em outros tipos de avaliação que o Inep está pensando fazer. Isso é importante porque o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), que faz a avaliação da educação no mundo todo, já faz isso através de computadores e tablets. Em qualquer momento o Brasil vai ter que alcançar essa tecnologia e seria mais confortável para o aluno. Vamos tentar entender esse resultado e voltar a discutir isso.

- Houve também mudanças para quem é isento da taxa de inscrição? Os candidatos terão um limite de até três solicitações de isenção da taxa de inscrição do Enem.

E a isenção é para quem é cadastrado no Cadúnico (Cadastro Único do Governo Federal), mas aqueles que receberam isenção na inscrição este ano e faltarem à prova também perderão a isenção no ano seguinte. Isso porque mesmo que a pessoa não vá prestar o exame, a prova é impressa da mesma forma e isso tem um custo da mesma forma e é dinheiro público que se perde. E se a pessoa necessita de atendimento especial, poderá informar qual é essa necessidade no momento da inscrição e não depois, como acontecia até então. Tendo essa informação de antemão melhora o atendimento a essa pessoa. São mudanças que fazem a diferença na qualidade de atendimento dessas pessoas.