Protesto na Venezuela: cena comum de violência no país governado por Nicolás Maduro
Protesto na Venezuela: cena comum de violência no país governado por Nicolás Maduro | Foto: Ronaldo Schenidt/AFP



Com problemas crônicos de desabastecimento, fome, inflação galopante e desemprego ao lado da forte repressão do governo socialista de Nicolás Maduro aos oposicionistas, a Venezuela vive a maior crise e não existe perspectiva para uma solução. Os conflitos se acirraram após Maduro – que substituiu Hugo Chávez em 2013 – convocar mais uma vez uma Assembleia Constituinte, para "reformar o Estado e redigir uma nova Constituição". Mais de 20 civis já morreram nos confrontos com o regime.
Governos da Europa, Estados Unidos e de países latino-americanos censuraram Maduro publicamente e começam as especulações acerca de embargos econômicos ao país. O Mercosul deve aprovar a exclusão do bloco. O pesquisador da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Gustavo Biscaia de Lacerda, doutor em Sociologia Política, afirma que boicotes econômicos podem afetar ainda mais a população, mas, acredita que a pressão externa será intensa, especialmente de países afetados diretamente pela crise, como o Brasil, para onde ocorre intenso processo migratório de venezuelanos perseguidos ou sem qualquer perspectiva de sobrevivência em seu país. "É uma situação calamitosa. Para a sociedade civil, o melhor seria que o regime mudasse e se abrisse em termos econômicos", diz o pesquisador.
A origem da crise – que assume contornos políticos, econômicos e sociais – é a queda do preço do petróleo venezuelano no mercado internacional, o que afetou sobremaneira a economia fechada do país, cuja base é a exportação do produto. Em 2014, a oposição já havia ido às ruas pedir a saída de Maduro, também filiado ao partido de Chávez, o PSUV, que está há 18 anos no governo.

Como entender a crise pela qual passa a Venezuela?
É uma crise política, de origem política, mas ao mesmo tempo é uma crise econômica e social. Maduro é o sucessor do Hugo Chavez (1999-2013), que, desde que assumiu o poder desenvolveu o projeto de socialismo bolivariano, que é uma versão renovada do socialismo, que é buscar autossuficiência econômica, fechar a economia e basear toda a economia com a extração do petróleo. A partir do momento em que o petróleo baixou de preço no mercado internacional, as divisas da Venezuela despencaram. É essa a origem mais imediata da crise. Como há um projeto político-ideológico para a manutenção do regime chavista, Nicolas Maduro e seus apoiadores não reconhecem que a Venezuela está em crise e precisa mudar.
Há uma perspectiva de fim para crise?
A crise vai permanecer ainda por algum tempo. A única solução para isso é que Nicolas Maduro saia do poder, mas a maneira como ele vai sair ainda não se sabe. Ele está disposto ao enfrentamento, cada vez mais agressivo; a oposição civil, mais cautelosa. Então, não se sabe quanto tempo, um mês, um ano a crise vai se arrastar.

A população venezuelana tem a dimensão da crise, tem preferência pela manutenção do governo ou pelo fim do regime?
Acredito que tem essa dimensão, sim. É claro que quando se fala de população, há que se pensar sobre quais setores está se falando. A base do Nicolas Maduro é uma base popular, composta pelas milícias que Maduro e Chavez constituíram nestes 20 anos de regime. As milícias são altamente ideológicas e elas apoiam também as Forças Armadas, que dão sustentação ao regime. Tirando esses grupos, que são mais ideológicos, mais próximos do poder, a população, de um modo geral, está cada vez menos simpática ao regime; as províncias venezuelanas que são governadas pela oposição são francamente contrárias ao regime de Maduro e a população que não vive nas províncias oposicionistas sofre, não tem o que fazer, ou então foge para o Brasil. É uma situação calamitosa. Para a sociedade civil, o melhor seria que o regime mudasse e se abrisse em termos econômicos. Há o problema da participação política, das liberdades, da liberdade de pensamento, de expressão, mas o dramático é o desabastecimento. Não há produtos de nada lá. A propaganda oficial finge que há.

Qual seria o caminho para a volta do regime democrático?
Os caminhos de um regime fechado, de uma tirania, para uma democracia são muitos. O regime pode implodir, pode entrar em colapso, pode ter uma revolução ou transição paulatina. No Brasil, tivemos uma transição paulatina, negociada e as coisas foram mais calmas. Na Espanha, por exemplo, nos anos 70, também foi negociado. Em Portugal, teve uma revolução. Na Argentina, o regime entrou em colapso. Não existe um roteiro pré-definido. Pelo que o Maduro está indicando, ele vai querer enfrentamento e não vai aceitar negociação. O que pode, talvez, acontecer é alguns apoiadores, dissidentes do regime dele, deem um golpe palaciano e o tirem e aí pode haver uma transição mais negociada, um pouco menos violenta. Mas acho essa possibilidade mais difícil. Vai haver mais enfrentamento, mais pancadaria.

O países do Mercosul, a Europa e Estados Unidos estão começando a pressionar o regime e já se fala em embargos econômicos à Venezuela. A pressão externa ajuda ou pode prejudicar ainda mais a população?
As pressões internacionais podem assumir várias formas. A Venezuela ser expulsa do Mercosul é uma posição política.O boicote econômico é forçar o sofrimento. Um tem a ver com o agir na área política e o outro tem a ver com a barriga, com as necessidades básicas dos venezuelanos. Em termos políticos, o regime de Maduro, já na época do Chavez, adotava um nacionalismo bastante estreito na disputa contra inimigos externos e internos. Externamente, uma pressão vinda do Mercosul, serviria para deslegitimar o governo, mas o próprio Maduro poderia utilizar isso, argumentando que as forças internacionais, que o capitalismo, o imperialismo são contra o regime. Isso seria um pouco ambíguo. No caso de sanções de boicotes, isso tem um efeito muito direto, muito claro: a população vai padecer cada vez mais. O que acontece é que a população já está padecendo, então fica um pouco ambíguo: aumenta a pressão interna contra o regime, mas, ao mesmo tempo, não tem muito mais o que fazer, não tem muito mais o que fornecer. A população já está à míngua. Eu acho que essas pressões externas são importantes, são necessárias, mas não sei até que ponto elas seriam efetivas para por fim a essa situação dramática. Eu acho que a pressão interna que tem se manter e intensificar.

Qual é o papel do Brasil e como a crise venezuelana nos afeta?
O papel do Brasil, em primeiro lugar, é mediar isso, fazer apelo, fazer uma certa pressão, cobrar, discutir, negociar e assim por diante. E além disso, não podemos nos intrometer. O Brasil não pode mandar tropas, não pode fazer nada. Pode simplesmente apoiar as pessoas que estão lá, dizer para o governo venezuelano moderar e assim por diante. No Brasil, isso é um problema político porque é nosso parceiro antigo, nós fomos o governo defensor da entrada da Venezuela no Mercosul, incorretamente, diga-se de passagem, na minha opinião, mas fomos o defensor, é um regime que não se sustenta, não se mantém e está causando tudo isso aí.

E tem o problema dos refugiados, especialmente em Roraima...
Enquanto a Europa tem o problema dos refugiados sírios, fugindo da guerra civil síria, do Estado Islâmico nós temos esses refugiados lá em Roraima. Isso não ganhou, ainda, as manchetes dos grandes jornais. Lá em Roraima, provavelmente é o assunto do momento. Mas aqui no Sul, mal se ouve falar disso, mas é um problema. Quanto mais perdurar essa crise, maior a quantidade de refugiados e maior a pressão que vão fazer sobre o Brasil. Quanto maior esta pressão, maior a pressão que nós vamos ter que fazer sobre a Venezuela.