Imagem ilustrativa da imagem Aviação - Lições da tragédia
| Foto: Marcos Zanutto



Curitiba - Na semana em que o Brasil recordou os dez anos do trágico acidente que ceifou 199 vidas após uma aeronave da TAM modelo Airbus-320 colidir contra o prédio da companhia, ao atravessar a pista do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, a FOLHA procurou uma das mais respeitadas instituições da comunidade ligada à aviação civil no País – a Faculdade de Ciências Aeronáuticas da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) – para fazer um balanço da segurança aérea atual no Brasil.

Alinhado à "doutrina" do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) de se tirar lições dos erros cometidos para que não sejam repetidos, o diretor da faculdade, Elones Fernando Ribeiro, não comentou a impunidade em torno do caso da TAM. Contudo, na entrevista à FOLHA, enumerou os avanços para fazer do Brasil um dos países com menor número de acidentes na aviação civil, mesmo com a aviação agrícola gerando registros de fatalidades que, na visão do diretor, são motivadas por problemas na manutenção de aeronaves e pilotos com pouca experiência.

Do fatídico 17 de julho de 2007 aos dias atuais, o que é possível elencar de transformações efetivas para aumentar a segurança aérea no Brasil?
O controle de tráfego aéreo se modernizou com a aquisição dos sistemas Sirius e Sagitário, que são totalmente informatizados, gerando maior segurança e precisão no controle das aeronaves. Foram também instalados 14 novos radares, e o Brasil passou a ter um significativo número de 84 radares em operação. O Aeroporto de Congonhas reduziu significativamente o número de pousos e decolagens. No ano de 2006, tínhamos em média 38 pousos e decolagens por hora. Em compensação, no ano passado, foi registrada a média de 30 aeronaves decolando e pousando no período de uma hora. O que antes era permitido às aeronaves, operar com uma das manetes de aceleração pinadas, ou seja, travadas, hoje não é mais permitido. Foi o que ocorreu com a aeronave da TAM naquela ocasião. Hoje, a Airbus instalou um sistema de alarme luminoso em caso da posição incorreta das manetes. E o grooving das pistas passou a ser vistoriado periodicamente.

Quais as lições que ficaram desse acidente?
A TAM, hoje Latam, ampliou a restrição de pousar com os reversores travados em aeroportos com pistas de comprimentos inferiores a 1,9 mil metros, como por exemplo Congonhas, Joinville, Santos Dumont e Navegantes. A Latam está executando todas as recomendações feitas pelo Cenipa. Houve também a criação de programas com o objetivo de conscientizar todos os funcionários sobre a segurança de voo. Ficou estabelecida uma rotina de treinamento mais acentuado em situações de emergência para seus pilotos. Instituiu-se a proibição de operar em pistas encharcadas pela chuva ou pistas com gelo e barro. Ainda se implementou a aplicação de protocolos de segurança tanto nos procedimentos internos como nos procedimentos externos da companhia.

Como o senhor avalia a impunidade em torno desse caso?
Esta questão foge da minha alçada. Isto é uma questão de Justiça e existem meios para tratar deste assunto. Posso falar sobre a lição que se aprende com os acidentes, pois, segundo a doutrina do Cenipa, não se procura culpados e sim tirar lições sobre os erros para não sejam novamente cometidos.

Qual a influência de uma conjuntura econômica desfavorável no que tange ao cumprimento da legislação e das medidas necessárias para garantir a segurança do transporte aéreo brasileiro? Temos risco de sofrer um novo apagão aéreo?
Como sabemos, a aviação depende muito da situação econômica do País. Quando nossa economia vai mal, com ela vai a nossa aviação. As receitas das empresas aéreas são em reais, porém suas despesas são em dólares e isto gera um patamar muito grande neste balanço econômico. Não creio que teremos mais um apagão aéreo, pois tanto o sistema de controle de tráfego aéreo quanto as empresas aéreas estão estáveis nos seus trabalhos, não havendo nenhum risco de apagão aéreo momentaneamente. Se a economia se consolidar, teremos, sim, um significativo aumento na aviação comercial brasileira.

Da série de estudos que a Faculdade de Ciências Aeronáuticas da PUCRS realiza em parceria com o Cenipa, foi elaborado um material avaliando os fatores humanos na manutenção das aeronaves. A quais conclusões vocês chegaram?
A Faculdade de Ciências Aeronáuticas da PUCRS sempre se preocupou com a segurança de voo, sendo um dos pilares de nossos estudos. Reforçamos nossas disciplinas neste sentido, e ao concluírem o curso os nossos alunos são credenciados pelo Cenipa como EC-PREV (Elemento Credenciado em Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), bem como pela Anac como SGSO (Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional). Também realizamos cursos de especialização (lato sensu) e cursos de extensão tendo como temas a segurança de voo. Além disso, estamos em fase final (de preparativos) para a inauguração de uma sala em nossa faculdade em parceria com a Azul, para realizarmos e produzirmos material relacionado a fatores humanos e segurança operacional.

Sobre o MRM (Manual de Gerenciamento de Recursos de Manutenção), que está sendo elaborado em conjunto com o Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Seripa V), o que já é possível adiantar? Qual o objetivo desse trabalho?
Este manual será voltado à parte de manutenção de aeronaves. Como existem muitas publicações e artigos voltados para tripulantes, estamos pensando também na manutenção de voo, que é parte integrante para a segurança. A equipe tem se reunido para tratarmos de assuntos a serem incluídos neste manual, que tem como objetivo principal a segurança operacional dos mecânicos em seus trabalhos de manutenção.

Na comparação com o restante do mundo, qual a situação do Brasil em números de acidentes e desastres aéreos?
O Brasil apresenta um número muito baixo com relação a acidentes de aeronaves, principalmente aeronaves comerciais. A aviação agrícola apresenta um significativo peso em elevar o número total de acidentes ocorridos no Brasil.

Como avalia a velocidade e precisão das investigações de acidentes aéreos no Brasil?
A investigação executada pelo Cenipa é precisa, muito rápida e eficiente. O papel do Cenipa é extremamente técnico; o que dificulta são os trâmites jurídicos, políticos e policiais.

O Paraná está entre as primeiras posições no ranking de ocorrências aéreas, por conta do uso de aeronaves para a aplicação de defensivos agrícolas. Que falhas são recorrentes?
Tem ocorrido muitos acidentes no setor da aviação agrícola na Região Sul. Muitos acidentes ocorrem pela manutenção precária das aeronaves e também por descumprimento das normas de segurança.

Quais os principais motivos dos acidentes registrados nos últimos dez anos?
São vários motivos que têm ocasionado acidentes nos últimos tempos. Poderíamos elencar a falta de manutenção ou manutenção precária das aeronaves, pilotos com pouca experiência, pilotos descumprindo as regras de tráfego aéreo e de segurança.

Que observações podem ser feitas sobre a forma como está estruturada a fiscalização do serviço aéreo brasileiro atualmente?
A Anac tem feito seu papel no sentido de melhorar as condições das oficinas ou empresas que estão sendo vistoriadas. Muita coisa melhorou no sentido de fiscalização. Pode não ter agradado certos empresários, mas deverá continuar a ser feita com o maior rigor possível, pois segurança de voo é fundamental.