Helaine Rampazzo: "Sair por aí procurando um aparelho TDD é triste"
Helaine Rampazzo: "Sair por aí procurando um aparelho TDD é triste" | Foto: Gina Mardones


Duas pessoas conversam pela tela do computador, por meio de uma videochamada. Mas em vez da voz, elas usam Língua Brasileira de Sinais (Libras). Helaine Rampazzo, professora do Iles (Instituto Londrinense de Educação de Surdos) e presidente da ASL (Associação dos Surdos de Londrina), é enfática ao dizer que o WhatsApp é hoje a principal ferramenta utilizada pelos surdos para se comunicar com outras pessoas à distância, seja por meio das videochamadas, seja por meio das mensagens de texto.
Os surdos têm até um grupo com membros do Brasil inteiro, onde conversam entre si e até criam novos sinais. A internet é para eles uma grande facilitadora da comunicação, e acaba por se tornar indispensável para tarefas básicas do dia a dia.
As pessoas surdas precisam muito de internet, diz Helaine, que também é surda. Também há de se lembrar que nem todos foram educados com a língua de sinais, e para eles a internet se torna uma ferramenta ainda mais importante. Aplicativos como o iFood ajudam os surdos a pedirem comida, conta a professora. Mas, quando não há internet, ou para falar com serviços públicos e com a maioria das empresas, a saída é ir pessoalmente e levar consigo uma pessoa falante ou escrever o que precisa em um papel.



EQUIPAMENTO 'ARCAICO'

Em agosto do ano passado, Paula Pfeiffer, autora do blog Crônicas da Surdez, lançou a campanha "Telefone TDD não é acessibilidade para surdos". Ela se refere ao dispositivo de telecomunicações para surdos (Telecommunications Device for Deaf - TDD) um aparelho com teclados, por meio do qual pessoas com deficiência auditiva ou da fala podem entrar em contato com uma central de telefonia e ser atendido por uma pessoa que faz a intermediação da comunicação para usuários com deficiência auditiva ou da fala.
O aparelho pode ser adquirido para uso doméstico, mas custa caro. Também pode ser encontrado nos TUP (Telefone de Uso Público), os famosos "orelhões". Mas surdos de todo o País reclamam que o equipamento sofre com o vandalismo, ou que, ao utilizá-lo, não encontram intérpretes disponíveis ou o atendimento demora a acontecer.
"A legislação obriga a todas as instituições bancárias, financeiras, etc a disponibilizarem o inútil e dinossáurico telefone TDD, que não serve para nada e nem ajuda ninguém em pleno ano de 2017", reclama Paula, que foi diagnosticada com deficiência auditiva bilateral neurossensorial aos 16 anos. "Nunca conheci uma pessoa com deficiência auditiva que tivesse essa geringonça em casa, bem como já li dezenas de relatos de pessoas que foram tentar usá-los em locais públicos e nem conseguiram - sequer havia alguém do outro lado da linha!"
Segundo ela, a campanha iniciada no blog tinha o objetivo de mostrar para a população ouvinte que "o '0800 para deficientes auditivos e da fala' é uma palhaçada, um desperdício de dinheiro público e privado e pode ser chamado de qualquer coisa, menos de acessibilidade". "A tecnologia disponível hoje nos permite não sermos mais escravos de ligações telefônicas", ressalta.

RGA

No último dia 1º, entrou em vigor o RGA (Regulamento Geral de Acessibilidade), estabelecido pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Uma das determinações do Regulamento é para que as prestadoras de telefonia móvel e fixa disponibilizem intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) às pessoas com deficiência auditiva e outros usuários por meio de videochamadas em seus portais on-line.
Outra opção reforçada pelo Regulamento é o 142, número que leva o usuário a ser atendido pela CIC (Central de Intermediação de Comunicação), Central que disponibiliza atendentes para a intermediação da comunicação com foco em usuários com deficiência auditiva ou da fala. O Regulamento da Anatel estabelece que "a CIC deve permitir a intermediação por vídeo e por mensagens, acompanhando as evoluções tecnológicas ofertadas no mercado". Esse serviço deve estar disponível em tempo integral e não pode gerar custos adicionais.
Também ficam obrigadas as operadoras a disponibilizar em seus canais de atendimento pela internet mecanismos de interação via mensagem eletrônica, webchat e videochamada por profissionais qualificados para atender pessoas com deficiência.
Os TUP (Telefones de Uso Público) adaptados para pessoas com deficiência, por sua vez, poderão receber funcionalidades tais como videochamadas, envio e recebimento de mensagens, acesso à internet diretamente pelo terminal ou por meio de conexão sem fio, "observados os avanços tecnológicos", determina o RGA. A Sercomtel disponibiliza 13 terminais de telefonia pública em Londrina e Tamarana para pessoas com deficiência auditiva e/ou de fala, conforme informado em seu portal da internet. A relação completa com a localização dos terminais pode ser consultada no link https://goo.gl/4Xdisb.

DISPONIBILIDADE


Helaine Rampazzo, professora do Iles e presidente da ASL, ressalva que o TDD poderia ser algo bom, se houvesse um aparelho na casa de cada pessoa surda. Mas o aparelho é caro, e nas ruas muitos deles estão quebrados. Além disso, em uma emergência, "sair por aí procurando um aparelho TDD é triste", diz. Também é preciso que haja, de fato, um atendente disponível 24 horas por dia para atender as ligações das pessoas com deficiência pelos TDDs, afirma Helaine.
Hans Müller, presidente da Sercomtel, afirmou que a CIC (Central de Intermediação de Comunicação), acionada pelo número 142, quase não é mais utilizada, justamente porque poucos usam o TDD. "Atualmente, quase não há mais procura por este serviço (a CIC), porque o cliente precisa ter um equipamento específico, que custa caro (o TDD), e por meio dele os atendentes auxiliam a comunicação utilizando voz ou mensagens de texto. Mesmo assim, a Sercomtel ainda disponibiliza esta forma de atendimento."