No Brasil é grande a quantidade de leis, sendo que em algumas matérias chegam a ocorrer o conflito aparente sobre qual norma aplicar, e com isso gerar dúvida nos casos práticos.

Não raras vezes, se vê tentativas de aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas relações de locação. Todavia, de acordo com a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o CDC é inaplicável em tais casos.

O art. 1º da Lei 8.245/91 (Lei de Locações ou Lei do Inquilinato – LI.) prevê que "A locação de imóvel urbano regula-se pelo disposto nesta lei". Logo, trata-se de lei especial, devendo esta prevalecer sobre as demais normas, especialmente àquelas de caráter geral, isto em razão do princípio da especialidade.

O conteúdo da lei é amplo, um microssistema com normas de direito material e processual. Assim, quando se tratar de locação de imóvel urbano, é a Lei 8.245/91 a norma que dever ser aplicada, e as demais apenas de modo subsidiário.

Outra situação que agora se enfrenta é a obrigatoriedade ou não de designação da audiência de conciliação nas ações de despejo por falta de pagamento, prevista no art. 334 do Código de Processo Civil (CPC).

Desde o dia 18 de março vigora o novo CPC, tendo como um de seus objetivos, tornar mais céleres os processos. Contudo, algumas dúvidas começam a surgir e logo devem ser analisadas para encontrar a mais adequada solução, sempre buscando a harmonização das relações, pois se desequilibradas, trarão prejuízos a todos os envolvidos.

Apesar da Lei de Locação prever o rito ordinário (art. 59), tem-se que a aplicação do CPC nas ações de despejo por falta de pagamento deve ser apenas de modo subsidiário e neste caso, permitir que o prazo para purgar a mora (pagar) ou contestar tenha seu prazo contado da citação e não somente após a audiência de conciliação (CPC, art. 334), normalmente depois de dois ou três meses da propositura da ação, pois isto contraria a lógica da disciplina procedimental desta ação já prevista na lei especial.
A lei especial pressupõe que, em poucos dias, no prazo de resposta, contados da citação, o locatário promova o pagamento da dívida para evitar o despejo. O intuito evidente é assegurar rápida solução para a crise de inadimplemento, tornando assim, com esta agilidade, os contratos mais atraentes aos locadores, o que, em tese, beneficia também os locatários, pois resultará em mais oferta de imóveis no mercado e menos rigor na análise cadastral, pois o locador terá mais segurança na retomada do imóvel em caso de inadimplência.

Por outro lado, a realização de audiência de conciliação de modo obrigatório retiraria essa grande vantagem do rito como estruturado na Lei de Locações e representa retrocesso incompatível com o claro intuito da lei especial, e, por isso, não deve ser aplicada às ações de despejo por falta de pagamento.

Importante esclarecer que Lei de Locações expressamente prevê em seu art. 79 que "No que for omissa esta lei aplicam-se as normas do Código Civil e do Código de Processo Civil". O próprio CPC em seu art. 1.046, § 2º diz que "Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código". Desta forma, considerando a existência de norma especial, a regra geral (CPC) só deve ser aplicada de modo subsidiário.

Assim, no caso de ação de despejo por falta de pagamento – cumulada ou não com cobranças de aluguéis –, em regra, não deve ser designada audiência de conciliação (de modo obrigatório) e o prazo para purgar a mora e/ou contestar deve ser contado da citação (art. 62 L.I.). Ressalva-se que por se tratar de tema recente, somente após a análise de casos concretos pelos tribunais é que teremos posição firme da jurisprudência.

Clayton Rodrigues, advogado membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB Londrina