No jardim onde está a jabuticabeira uma escada faz a ligação entre as áreas social e íntima do piso superior sem a necessidade de passar por dentro da residência, explica o arquiteto Lucas Raffo
No jardim onde está a jabuticabeira uma escada faz a ligação entre as áreas social e íntima do piso superior sem a necessidade de passar por dentro da residência, explica o arquiteto Lucas Raffo | Foto: Fotos: Saulo Ohara



Uma jabuticabeira de aproximadamente 50 anos é o grande destaque do projeto arquitetônico de uma casa de 540 metros quadrados construída em um condomínio na zona sul de Londrina. A árvore pertence à dona da residência desde a infância e foi retirada de uma propriedade em Bela Vista do Paraíso. No novo endereço, a planta tornou-se atração principal. A estética contemporânea, o resgate da memória afetiva e a adoção de práticas sustentáveis levaram o projeto da Raffo Arquitetura a conquistar um importante prêmio internacional e a colocar Londrina em evidência no mercado mundial da construção civil.

A Casa Jabuticaba, ou "Jabuticaba House", como ficou conhecida fora do Brasil, foi uma das vencedoras do International Property Awards from Americas 2017 na categoria Architecture Single Residence. A premiação ocorreu em Toronto, no Canadá, em novembro passado. O concurso, promovido por uma instituição da Inglaterra com participação de arquitetos de diversos países, é considerado um dos mais importantes prêmios de arquitetura e design do mundo. Os melhores projetos são avaliados por uma banca de jurados renomados mundialmente.


O arquiteto Lucas Raffo, graduado pela UniFil, em Londrina, e pós-graduado em Integração de Energias Renováveis na Arquitetura pela Universidade Politécnica da Catalunha, em Barcelona, na Espanha, conta que a ideia foi construir a casa em torno da jabuticabeira. "A memória afetiva agregou valor ao projeto", opina. Mas, além de resgatar sentimentos da infância, o conceito foi valorizar práticas sustentáveis, como a captação da água da chuva por gravidade e aproveitamento da iluminação e ventilação naturais para reduzir o consumo de energia.

É por isso que a construção possui diversos elementos que dialogam com a natureza. "Ela foi feita para ser bastante arejada, possui uma grande abertura na face leste para receber o sol da manhã. E é uma casa que abraça uma árvore", descreve. No jardim onde foi plantada a jabuticabeira há uma escada que faz a ligação entre as áreas social e íntima do piso superior sem a necessidade de passar por dentro da residência. Além do acesso fácil entre a piscina e o quarto ou banheiro privativo, a escada permite que os proprietários alcancem as frutas que ficam no topo da árvore.

Para o arquiteto, um projeto só é bem-sucedido quando tem a contribuição dos clientes. "Eles (os proprietários) deram boas ideias e me deixaram livre para experimentar coisas novas", ressalta. Antes de ser convidado para participar do prêmio, Raffo diz que a Casa Jabuticaba já havia sido destaque em publicações locais e nacionais. A repercussão aumentou após a divulgação feita pelo site especializado ArchDaily. Em 2015, o projeto londrinense esteve entre os mais vistos do ano. Tamanha repercussão chamou a atenção dos organizadores do International Property Awards.

"Rebemos uma ligação no escritório convidando-nos a participar do prêmio", conta o arquiteto. Raffo confessa que, quando inscreveu o projeto, não tinha expectativa de vencer. Por isso, a surpresa foi grande quando viu a Casa Jabuticaba ser premiada como a melhor das Américas em 2017 e ainda receber cinco estrelas durante o jantar de gala organizado para os participantes. "No Brasil, três projetos foram classificados e fomos o único a ganhar cinco estrelas", comemora. O arquiteto ressalta que o resultado é fruto de um trabalho colaborativo da equipe.

A casa foi projetada também para ser bem arejada: "É uma casa que abraça uma árvore", resume o arquiteto
A casa foi projetada também para ser bem arejada: "É uma casa que abraça uma árvore", resume o arquiteto



ÁRVORE RECEBEU CUIDADOS ESPECIAIS PARA O TRANSPLANTE
A transferência e o transplante de árvores de um local para outro não são tarefas simples, apesar de comuns. Por isso, devem ser feitos por empresas e profissionais especializados. O engenheiro agrônomo e paisagista da Flora Decari, Ricardo Armando, responsável por levar a jabuticabeira de Bela Vista do Paraíso até Londrina, diz que a primeira medida, antes de realizar o procedimento, foi avaliar a saúde da planta e o local em que estava e se era possível ser acessado pelo maquinário.

Alguns meses antes do transplante, a jabuticabeira recebeu cuidados especiais, como a rega diária. O paisagista explica que o torrão – bloco de terra e raízes – foi embalado e arramado aos cabos para que a árvore fosse içada pelo caminhão. A retirada foi feita em aproximadamente três horas. No mesmo dia, a jabuticabeira, com aproximadamente 5 metros de altura, após uma pequena poda, chegou a Londrina e foi plantada no novo espaço. A adaptação foi excelente e poucos meses mais tarde os moradores já puderam colher os frutos do pé.

Armando diz que o transporte de árvores tem ficado cada vez mais frequente e, às vezes, esse tipo de operação pode sair até mais barato do que a compra de uma planta de grande porte. A jabuticabeira e a pitangueira, segundo ele, são as mais procuradas pelas famílias. O paisagista diz que muitos pais querem que os filhos tenham contato mais próximo com a natureza e levem para o futuro a mesma lembrança que tiveram durante a infância.

A jabuticabeira é nativa 100% do Brasil, possui porte médio e pode chegar a até 9 metros de altura, dependendo da espécie. A árvore é comumente associada à fartura, abundância, prosperidade, pela quantidade de frutos que produz. É uma planta que se adapta bem a jardins, quintais, pomares e até vasos, porque cresce lentamente. Ela leva de 10 a 15 anos para frutificar – a safra ocorre de agosto a setembro e de janeiro a fevereiro -, mas, quanto mais velha, mais produtiva fica.

MEMÓRIA AFETIVA
A dona da Casa Jabuticaba, que prefere não ser identificada na reportagem, conta que a árvore trazida a Londrina foi plantada pelo pai e o tio na casa em que morou durante a infância em Bela Vista do Paraíso. "Desde criança eu subia no pé", lembra. O maior medo era que a planta morresse após o transplante, mas ela se adaptou muito bem ao novo endereço. "Meu filho adora. Sobe no pé e colhe os frutos", comemora.