SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A engenheira agrônoma Edna Ivani Bertoncini estuda o uso de resíduos como fertilizantes agrícolas. Fez mestrado e doutorado sobre a utilização de lodo de esgoto, um material que é produzido em abundância pelas estações de tratamento de água e é comumente enviado a aterros sanitários, onerando essas estruturas.

Desde 2005, Edna faz parte do Polo piracicabano da Apta, a agência de tecnologia e agronegócios da Secretaria de Agricultura de São Paulo.

A empresa 5 Ecos, de Nova Odessa, criou há cinco anos uma máquina para tratar restos de comida de refeitórios de grandes indústrias, que geram em seus restaurantes uma média de uma tonelada de resíduos orgânicos por dia.

A máquina tinha capacidade para 100 kg. Aquece, revolve e desidrata os restos, como a aplicação de uma enzima digestora —disponível no mercado— e conseguia reduzir substancialmente o volume de material de forma acelerada —apenas 24 horas.

O sistema economiza espaço de armazenagem dos resíduos, transporte até um aterro e pagamento para disposição adequada. Permite cargas periódicas em intervalos curtos, o que diminui tempo de armazenamento do lixo no dia e facilita o manuseio.

Mas faltava uma parte importante do processo para a 5 Ecos. O preparado gerado pela máquina não era um bom fertilizante. Não funcionava para os jardins e hortas das empresas interessadas em usar o resultado do preparo para adubar a terra.

A 5 Ecos procurou a Apta em 2018. Através do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe-Fapesp), criado para unir a universidade e as empresas, com suporte de pesquisa e divisão posterior de royalties, teve apoio para revisar o sistema.

A equipe de Edna descobriu que faltavam nutrientes importantes ao produto gerado na máquina, por causa da relação desbalanceada de nitrogênio e carbono da mistura. O ph não atendia às características preconizadas pelas normas sobre a composição adequada de um composto orgânico.

Foram feitos experimentos usando a máquina e incluindo na mistura podas de árvore e grama do manejo das áreas verdes de Piracicaba. E assim se chegou ao composto de boa qualidade. A máquina da 5 Ecos já incorporou as melhorias mecânicas que resultaram da pesquisa e criou uma nova versão com capacidade de processar uma tonelada.

A Apta prosseguiu a pesquisa e fez ensaios usando lodo de esgoto e podas de árvores na máquina, obtendo resultados muito mais rápidos que o processo de compostagem em leiras —a céu aberto—, já utilizado em algumas cidades. Na compostagem de leira, que exige uma área grande, o processo dura 60 dias. Na máquina, o tempo é reduzido para dez dias.

O resultado dessa parceria é uma grande inovação na área: o primeiro processo mecanizado de compostagem de lodo de esgoto para gerar adubo, segundo a pesquisadora.

“Já existem métodos de compostagem não mecanizada de lodo de esgoto em Jundiaí, por exemplo. Mas o processo e o tempo são os da leira. O composto orgânico é utilizado na cana-de-açúcar. Existem também secadores térmicos de lodo em uso, mas o material é apenas desidratado”, diz Edna.

“Nosso objetivo agora é desenvolver uma máquina para cada tipo de uso, com as especificidades mecânicas adequadas e a fórmula da mistura”, conta. “O objetivo da compostagem na máquina é reduzir tempo de maturação, área necessária para compostar e mão de obra”, afirma.

“Cidades como Piracicaba e Franca, por exemplo, geram de 90 a 100 toneladas de lodo por dia, ou 2.000 toneladas por mês. Em vez de mandar para aterro, o material pode ser compostado com poda de árvore, que também é um grande problema para os aterros, e gerar adubo para a agricultura”, diz.

Os resultados da pesquisa já podem servir para muitas cidades que queiram tratar os resíduos das estações de saneamento. Mas Edna pretende avançar no programa em duas frentes.

Uma delas é o desenvolvimento de uma enzima própria, que acelera a compostagem, em parceria com a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) e o Ministério da Ciência e Tecnologia. O desenvolvimento envolve biotecnologia e engenharia genética e pode demorar dois anos.

A segunda frente é a robotização das máquinas, com sensores de temperatura, coletas periódicas de amostras para análises. O prazo de desenvolvimento seria de cerca de três anos.

A compostagem mecanizada do lodo do esgoto é uma solução ambiental bastante importante. Reduz os metais pesados e os patógenos dos resíduos, evita o envio de quantidades enormes de material para os aterros e pode gerar grande volume de biofertilizantes para a agricultura.

“Dá para essas cidades que têm culturas como cana-de- açúcar e laranja trocarem os adubos químicos pelos orgânicos, produzindo com menores custos e melhor qualidade”, diz Edna.