O fato ocorreu em Guarulhos, na Grande São Paulo. Ao descobrir que a filha de 13 anos havia tido a primeira relação sexual, o pai a agrediu com um fio de televisão e, com uma tesoura, cortou os cabelos dela. Para o responsável pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a agressão foi apenas uma "correção física", um fato isolado que gerou lesões de natureza leve. Já o Ministério Público entende que houve lesão corporal já que, pelo menos, oito ferimentos foram verificados no corpo da menina. Além disso, a promotoria apontou ainda que houve violência de gênero.

As agressões ocorreram em janeiro do ano passado. Durante o processo, o juiz descartou a violência de gênero porque o pai afirmou que agiria da mesma forma se a situação envolvesse um filho homem. No entendimento do juiz, a intenção do réu "não era a de humilhar a filha, mas apenas protegê-la [...] A intenção era que a filha não saísse de casa".

A promotoria apresentou recurso nesta quarta-feira (20) e reforçou que a conduta do pai foi "absurdamente excessiva e desproporcional". No documento, o Ministério Público citou a Lei da Palmada ou "Lei Menino Bernardo" que estabelece que "a criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante como formas de correção". A promotoria pediu a condenação do pai da vítima e citou também a Lei Maria da Penha ao lembrar que o pai "não só ultrapassou os limites da correção na qualidade de genitor, mas também se valeu da superioridade física e da vulnerabilidade da filha".

O fato repercutiu em todo o País e reacendeu o debate sobre os limites na educação dos filhos. Casos de agressão de pais contra crianças e adolescentes são frequentes, segundo a delegada do Nucria (Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes) de Londrina, Lívia Graziela Pini. Entre 1º de janeiro e 19 de setembro deste ano, 432 ocorrências de maus-tratos foram registradas no Paraná. Boa parte dos fatos está relacionada a agressões cometidas pelos pais ou responsáveis.

"A violência familiar, quando é uma questão cultural daquela família ou quando os pais já têm um perfil mais agressivo, essa violência se torna uma coisa sistemática. Nem todos entendem que isso é errado. São muito subnotificados os casos de violência porque os parentes também acabam acobertando. A gente só toma conhecimento quando a situação fica mais grave", lamentou.

Os desdobramentos dos casos dependem da gravidade das agressões quase sempre justificadas como uma forma de corrigir os filhos. Em duas ocorrências graves atendidas em Londrina, as situações chegaram a ser caracterizadas como tortura. Um menino foi amarrado pelo padrasto com um fio de metal e uma adolescente foi trancada e agredida durante a madrugada por causa do mau comportamento. As vítimas são acompanhadas por equipes do Creas III (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). A Lei da Palmada prevê medidas protetivas para as crianças e adolescentes e até a perda da guarda. Como medida administrativa nos casos de agressão, os pais podem ser encaminhados para tratamento psicológico e psiquiátrico.

A psicopedagoga e professora da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Rosa Maria Scicchitano, destacou que os pais precisam colocar limites e impor autoridade, sem recorrer à violência. "Os pais de hoje querem ser mais amigos dos filhos e ser bonzinhos demais. Eles não arriscam e não ousam fazer a função paterna e materna de dizer não. Para colocar esses limites não é preciso bater e nem ter crises de violência. Se eles conseguirem falar olhando sério para a criança e com voz firme, a criança atende porque se sente cuidada e protegida. As crianças se sentem muito perdidas e desamparadas quando ninguém diz o que pode e o que não pode", afirmou.

Scicchitano é vice-presidente do Núcleo Paraná Norte da Associação Brasileira de Psicopedagogia. Para ela, os limites precisam ser colocados também na adolescência. "É muito necessário que os pais estejam atentos, disponíveis para os filhos, que eles cuidem e que digam não. O que pode mudar na adolescência é que os pais precisam lidar de forma mais intensa com a argumentação dos filhos, mas ainda assim eles precisam discutir, explicar e estabelecer um limite até para a argumentação", lembrou.