Para alguns, "mexer no bolso" faria com que pedestres e ciclistas passassem a respeitar as normas de trânsito
Para alguns, "mexer no bolso" faria com que pedestres e ciclistas passassem a respeitar as normas de trânsito | Foto: Gustavo Carneiro



A partir de 2018, pedestres e ciclistas também poderão ser multados por infrações de trânsito em razão da Resolução 706/2017 do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) publicada no final de outubro. A norma entre em vigor em 25 de abril e prevê multa de R$ 44,19 para pedestres e R$ 130,16 para ciclistas.

Serão punidos os ciclistas que circularem em cima de calçadas, na contramão de carros ou de maneira agressiva, que possa ferir pessoas do entorno ou ele próprio. Também serão multados os pedestres que atravessarem a rua fora da faixa, fora de passarelas ou que andarem no meio de ruas e avenidas. A resolução também é aplicável a pessoas que promoverem festas, prática de esportes ou desfiles sem a devida autorização dos órgãos responsáveis.

A possibilidade de punição de pedestres e ciclistas já estava prevista no Código Brasileiro de Trânsito desde 1997, mas ainda não havia sido regulamentada pelos órgãos de trânsito.

Londrinenses ouvidos pela reportagem divergem sobre a multa. Enquanto alguns discordam veementemente da punição aos pedestres e ciclistas, outros julgam válido o método de "mexer no bolso" da população para que as leis de trânsito sejam respeitadas.

Jonathan Fragoso, 26, é um dos que concordam com a aplicação da multa, mas acredita que será inaplicável em Londrina pela falta de fiscalização. "Geralmente as pessoas são irresponsáveis, atravessam no meio dos carros, fazem coisas do tipo. Eu acho que é interessante porque quando começa a mexer no bolso das pessoas elas começam a 'se ligar' na situação."

Edmílson Carlos, 39, também é favorável à punição. "Acho correto. Todos têm que atravessar na faixa, até porque ajuda os carros também, né? Precisa só da fiscalização, para colocar em vigor a lei deles, eles precisam ajudar."

Segundo dados disponibilizados pelo Detran no final de 2016, as multas ajudam a reduzir as infrações. Com o aumento do valor das multas aos veículos que entrou em vigor no meio do ano passado – como a de falar ao celular enquanto dirige, que subiu de R$ 85,13 para R$ 293,47 –, os motoristas têm sido mais cuidadosos no trânsito. Em outubro de 2016, eram registradas em média 10.540 multas por mês. A partir de dezembro, o número caiu para pouco mais de 3 mil.

O Contran (Conselho Nacional de Trânsito) também divulgou a maneira que o fiscal deve aplicar a multa, anotando o número do documento de identidade ou do CPF do infrator no ato. Para Sérgio Cunha, 64, esse é um dos problemas na nova regulamentação. "Não tem como fazer isso. O que mais valeria mesmo é o trabalho de conscientização. Para multar qualquer cidadão, ele tem que sempre estar portando documentos, sempre com endereço atualizado para receber essas notificações, isso é praticamente impossível; o cidadão comum é muito volúvel, nem todo mundo mora no mesmo endereço o tempo todo. O Brasil já é o país da burocracia, criar mais uma forma de procedimento assim não soluciona nada."

Em Londrina, quem comandará a nova regra será a CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização). "Eu entendo que essa medida tem valor, que é positiva, sim, mas ela é de difícil aplicação. Há uma dificuldade ainda para todos aplicarem a lei. Estamos buscando soluções legais para fazer isso dentro da lei; não adianta autuarmos só porque é para fazer, temos que caminhar pela legalidade", apontou o diretor de Trânsito da companhia, Hemerson Pacheco.

Imagem ilustrativa da imagem Londrinenses divergem sobre multa para pedestres e ciclistas



Segundo ele, como alguns detalhes da aplicação da nova resolução ainda não estão claros, a CMTU ainda não definiu como pôr em prática a nova regra e ainda espera uma definição do Cetran (Conselho Estadual de Trânsito do Paraná).

O diretor citou adiantou possíveis problemas decorrentes da falta de clareza da norma. "A lei trata de multar através do CPF, mas se você não estiver com ele e não apresentar para o fiscal, como agir? É difícil fazer um apontamento ainda; isso pode causar abusos e não queremos isso. Fica complicado fazer uma abordagem, uma autuação, nós precisamos normatizar como preceito legal. Eu solicito a documentação, você não tem, ou se eu pego um menor, o que eu faço? Ainda faltam definições nestes sentidos."

A falta de informação também surpreendeu alguns que não estavam sabendo da nova regulamentação. Um pedestre que não quis se identificar julgou a nova regra como "sem cabimento". "Não concordo, não tem cabimento, nem sabia disso. É nacional isso? Eles não conseguem nem controlar carros e motos, vão controlar ciclistas e pedestres?"

Tem quem defenda a nova lei para um e não para outro. Eli Delfino, 46, afirmou que a lei está correta para quem não atravessa faixa de pedestres e acaba ocupando o lugar dos carros, mas é contra a regra aplicada aos ciclistas. "Acho que está errado. Tem via para todos os ciclistas andarem? Para o pedestre eu acho que vale porque ele não pode sair fora da faixa, da calçada, porque compromete o condutor dos veículos."

O ITDP Brasil (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento), entidade sem fins lucrativos que promove o transporte sustentável em vários locais do mundo, discorda da nova regra de trânsito. Em artigo publicado em seu site oficial, a instituição afirma que "as cidades brasileiras ainda não oferecem condições mínimas de segurança e atratividade para os deslocamentos a pé ou de bicicleta". O instituto cita as calçadas esburacadas e estreitas, os limites de velocidade muito altos e a ausência de ciclovias ou ciclofaixas para que os ciclistas tenham segurança.