"Já deixei cinco talões de água em atraso, faltou comida. Dói, mas é verdade", lamenta a dona de casa Ilda Elena dos Santos
"Já deixei cinco talões de água em atraso, faltou comida. Dói, mas é verdade", lamenta a dona de casa Ilda Elena dos Santos | Foto: Ricardo Chicarelli



O sorriso contagiante da dona de casa Ilda Elena dos Santos esconde as dificuldades enfrentadas depois dos 60 anos. No susto, descobriu um nódulo no seio e passou por um procedimento para a retirada da mama. "Trabalhei até um dia antes da cirurgia, depois tive que parar. Ser diarista era tudo, tudo na minha vida", diz com os olhos marejados. Desde 2013, Santos se reveza entre idas e vindas ao hospital, reuniões com a equipe do Cras (Centro de Referência de Assistência Social) e os cuidados com as plantas em casa.

Ela faz parte de uma das 17 mil famílias de Londrina beneficiadas por meio do programa Bolsa Família no mês de setembro. Há dois anos, os R$ 170 mensais ajudam nas compras do mês. O marido, que antes trabalhava em uma empresa de funilaria e pintura, teve os sintomas de diabetes agravados e também interrompeu a rotina de serviços. Hoje o casal vive com, aproximadamente, R$ 600 mensais, considerando também a ajuda esporádica de parentes e benefícios de outros programas sociais. "Já deixei cinco talões de água em atraso... Faltou comida... Dói, mas é verdade", lamenta.

Em Londrina, 41.733 famílias estavam inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais, do governo federal, até setembro. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, a maioria (16.608) possui renda per capita de até R$ 85. Este é um dos critérios para a concessão do Bolsa Família, uma das principais fontes de recursos para as consideradas em situação de extrema pobreza. A renda per capita familiar é calculada pela soma dos salários de todos os integrantes da família e dividida pelo número total de moradores da mesma residência.

Em todo o Paraná, há 1.136.425 famílias inscritas no Cadastro Único, sendo 247.920 com renda per capita de até R$ 85. Em setembro, 354.814 foram beneficiadas pelo Bolsa Família. O repasse total foi de R$ 54 milhões, sendo R$ 3,2 milhões distribuídos em Londrina. O programa condiciona o recebimento do benefício à comprovação da frequência escolar dos filhos e da vacinação das crianças de até sete anos, além do acompanhamento da saúde das mulheres consideradas em idade fértil, de 14 a 44 anos. No Brasil, 13 milhões recebem o Bolsa Família, num total de R$ 2,4 bilhões mensais.

Comissões intersetoriais formadas por representantes da saúde, educação e assistência social nos Estados e municípios acompanham grande parte das famílias de baixa renda. A gerente do Cadastro Único e do programa Bolsa Família em Londrina, Cláudia Renata Fávaro, destaca que o benefício é apenas uma complementação da renda. "Não é um programa em que a família consegue sobreviver apenas com ele. A questão da renda é importante. Temos que aprimorar cada vez mais o Bolsa Família para que essas pessoas tenham acesso a outros serviços como educação e saúde", destaca. Ações complementares e outras propostas estão sendo elaboradas pela Secretaria de Assistência Social de Londrina.

Nas conversas com outras famílias atendidas pelo Cras, a dona de casa entrevistada no início da reportagem conhece outras realidades, troca experiências e renova o apoio para superar as dificuldades. Ela sonha em voltar a trabalhar e espera recuperar totalmente o movimento do braço direito após o câncer no seio. "Olha… Seria muito bom voltar… Queria muito voltar a passar roupa. Eu passava de segunda, quinta e sexta. Os patrões adoravam! Hoje minhas vizinhas é que me ajudam... Não tenho do que reclamar."

Suzete Jesus Soares e a família trabalham com produtos artesanais: "Passei de dona de casa a empreendedora"
Suzete Jesus Soares e a família trabalham com produtos artesanais: "Passei de dona de casa a empreendedora" | Foto: Gina Mardones



Economia Solidária orienta e capacita
Para que famílias de baixa renda aumentem os ganhos mensais, técnicos e profissionais do programa Economia Solidária, ligado à Secretaria de Assistência Social de Londrina, orientam e capacitam os interessados em produzir e vender produtos por conta própria. Conforme a secretaria, aproximadamente 50 grupos fazem parte do projeto que começou em 2005.

Antes mesmo de ter acesso ao Bolsa Família, Suzete Jesus Soares, 47, começou a participar do grupo Crochê Ideal em que mulheres se reúnem para conseguir uma renda extra com a venda de produtos artesanais. Alguns anos depois, ela passou a contar com o apoio do governo federal. Eram, aproximadamente, R$ 60 mensais por meio do Bolsa Família, além de uma complementação dada pelo município. "Esse dinheiro me ajudou muito. Eu comprava leite. Estava com filho pequeno e o pai dele faleceu", comenta.

Aos poucos, com a participação no grupo, a renda familiar aumentou. A mãe, a irmã e a sobrinha estão juntas na comercialização dos produtos. "Passei de dona de casa a empreendedora", comemora Soares que, após cinco anos, deixou de receber o Bolsa Família. Por meio do Cadastro Único, ela também teve acesso à casa própria e a outros programas sociais.

Dayelen Stefany Alves, 22, faz parte do Economia Solidária há cinco anos. Ela e a mãe Mirian Alves, 40, recebem Bolsa Família. Depois de atuarem no setor de estética e beleza, a dupla decidiu investir no ramo da alimentação e criou o grupo Vovó Mia. A venda de kits de festa com bolos, doces e salgados ajuda na renda mensal. Bolos de pote e pães caseiros também fazem parte do leque de produtos.

Com orientação da equipe do programa municipal, ambas fizeram cursos de capacitação para aprimorar as técnicas na cozinha. "Com esse dinheiro já consegui fazer uma festa de aniversário para os meus filhos e ajudar em casa", contou Dayelen. Aos poucos, a família conseguiu montar uma cozinha especial e agora faz a divulgação dos produtos nas redes sociais para incrementar as vendas. "O Bolsa Família ajuda, mas não é uma coisa para a gente se acomodar. Nem dá para se acomodar. É pouco. Ajuda a pagar algumas coisas, mas a gente tem que correr atrás", destaca Mirian Alves.

A secretária municipal de Assistência Social, Nádia Oliveira de Moura, reforça que o pagamento é apenas um benefício temporário. "As ações ofertadas pela Economia Solidária são propostas de superação de vulnerabilidade. Temos oficinas, grupos acompanhados por técnicos e profissionais do programa à disposição. A família tem que ser trabalhada para superar essa condição de vulnerabilidade e ter autonomia", afirma. (V.C.)

Assistência social e microcrédito
O governo do Estado também auxilia quem precisa, por meio do programa Família Paranaense. Hoje 156 municípios são considerados prioritários por apresentarem indicadores sociais mais preocupantes. A coordenadora do programa no Estado, Letícia Reis, destaca que a proposta consiste na implantação de comitês intersetoriais compostos por representantes dos setores da saúde, educação, assistência social, agricultura e trabalho e no desenvolvimento de um plano de ação para os beneficiados.

O programa foi criado em 2012 e, além da assistência social, oferece microcrédito e palestras para famílias com perfil empreendedor. Os valores de crédito variam entre R$ 300 e R$ 4 mil. Projetos estratégicos desenvolvidos junto com o Emater (Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural) incentivam a produção de hortaliças, por exemplo. "Dessa forma, eles podem se alimentar melhor e ainda vender a produção excedente", explica.

Na região de Londrina, os municípios prioritários são Tamarana, Alvorada do Sul e Centenário do Sul. A coordenadora do Cras (Centro de Referência de Assistência Social) em Alvorada do Sul, Vanessa Solcia, ressalta que o trabalho é realizado por meio de reuniões com as famílias beneficiadas, visitas domiciliares e avaliações do trabalho com os integrantes dos comitês intersetoriais.

Segundo ela, o último projeto desenvolvido, "Retrato da Família Paranaense", melhorou a socialização entre os moradores. "São temas que surgem a partir do interesse dessas famílias. [...] A meta do Família Paranaense no município é atender, pelo menos, 120 famílias. Hoje 98 são beneficiadas", comenta. Aproximadamente 40 famílias participam dos encontros mensais no Cras. (V.C.)