Segundo a juíza Zilda Romero, a Vara Maria da Penha em Londrina recebe entre 30 e 50 vítimas de violência doméstica por semana
Segundo a juíza Zilda Romero, a Vara Maria da Penha em Londrina recebe entre 30 e 50 vítimas de violência doméstica por semana | Foto: Marcos Zanutto



Desde 2007, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) recomenda a todos os Tribunais de Justiça do País a criação de juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, mas a orientação não vem sendo cumprida na maioria dos municípios brasileiros, atrasando o julgamento dos processos e dificultando a aplicação da Lei Maria da Penha. O Radar das Varas Especializadas em Violência Doméstica no Brasil, elaborado pelo CNJ em 2016, mostra que na maioria dos estados brasileiros as varas especializadas estão instaladas nas capitais. São 57 varas em capitais e 57 no interior.

No Paraná, apenas Curitiba mantém uma vara exclusiva para tratar dos crimes de violência doméstica e familiar, mesma situação do Acre, Rondônia, Roraima e Sergipe, que contam com apenas um juizado especializado em cada uma das capitais, conforme aponta o Radar. O mesmo levantamento também coloca o Paraná atrás de estados bem menores em área territorial, como Alagoas e Paraíba. Em Londrina, apesar do número crescente de ações penais referentes a crimes cometidos contra a mulher, a Vara Maria da Penha acumula processos relativos a crianças e adolescentes e também a idosos.

Em Curitiba, o juizado especial existe desde 2007. Em Londrina, o TJ-PR (Tribunal de Justiça do Paraná) autorizou a criação de uma vara específica ao enfrentamento da violência doméstica e familiar após mobilização de grupos de mulheres, ONGs e outras entidades e do recolhimento de 15 mil assinaturas reivindicando o órgão especial. A instalação aconteceu em 5 de outubro de 2010, mas, segundo a juíza da Vara Maria da Penha em Londrina, Zilda Romero, diante da baixa demanda – na época eram apenas 350 ações penais -, o juizado acabou acumulando outras competências. O mesmo acontece nas maiores cidades paranaenses, como Maringá (Noroeste), Ponta Grossa (Campos Gerais), Cascavel e Foz do Iguaçu (Oeste).

"É assim que estamos trabalhando desde 2010 até agora, acumulando violência doméstica e familiar, crimes contra a criança e o adolescente e contra idosos", disse a juíza. "Estamos lutando junto ao presidente do TJ para que se crie uma outra vara para atender crianças, adolescentes e idosos e ficar essa vara para atender exclusivamente violência doméstica e familiar porque com a divulgação dessa lei (Maria da Penha), com as campanhas realizadas, as vítimas começaram a denunciar mais, então essa demanda que era tão pequena no início hoje está em um crescente. Já encaminhamos todos os dados estatísticos para o TJ, fizemos ofícios, estamos demonstrando o volume de processos e a necessidade (de uma vara especializada)."

Imagem ilustrativa da imagem Falta de varas especiais atrasa processos de violência doméstica



DEMANDA
Segundo a juíza, a Vara Maria da Penha em Londrina recebe entre 30 e 50 vítimas de violência doméstica por semana. "Entre todos os processos (somando-se as ações contra crianças, adolescentes e idosos), estamos com 8.377 ações penais. Só de medidas protetivas contra mulheres, são quase 2,6 mil vítimas. É muita coisa. São números que justificam uma vara aqui em Londrina", destacou.

Desembargadora do TJ-PR, ouvidora geral e responsável pela Cevid (Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar), Lenice Bodstein ressaltou que a estrutura especializada no atendimento desse tipo de crime começa a crescer em Curitiba, com as instalações de mais uma vara especializada e de postos avançados para descentralizar as atividades, que devem acontecer "em breve". Mas nas cidades do interior, adiantou a desembargadora, não há previsão para criação de varas especializadas.

"A violência doméstica e contra a mulher tem uma característica muito diferenciada e compõe uma vara cível e uma vara criminal, o que nós chamamos de competência mista ou híbrida. E isso não estava previsto no nosso sistema de trabalho, que ainda não está aparelhado por razões de ordem econômica e operacional", justificou a desembargadora. "Não estou a defender que não vamos implantar, não é uma negativa, mas é uma negativa de prioridade neste momento. Mas vai se fazendo à medida que a questão orçamentária for resolvida e à medida que tivermos estrutura." A desembargadora não tem os valores atualizados, mas há quatro anos, informou ela, o custo de manutenção de cada vara especializada estava orçado em cerca de R$ 120 mil mensais.

Mas não é só a escassez de recursos financeiros que atrasa a instalação das varas especializadas no Paraná. O TJ também carece de recursos humanos. Para funcionar, os juizados especiais em violência doméstica e familiar devem contar com outros profissionais, como assistentes sociais e psicólogos. Segundo a desembargadora, o TJ já abriu concurso público para admissão de técnicos, psicólogos e assistentes sociais. "Mas é um processo que leva meses."

A existência de uma vara especializada, aponta a juíza de Londrina, traria maior celeridade ao andamento dos processos. "A mulher vítima de violência quer uma resposta rápida do Estado e da forma como acontece hoje, com o acúmulo de competências, eu não consigo ser ágil e dar uma resposta rápida tanto nos crimes de violência doméstica como nos crimes contra crianças, adolescentes e idosos. Sou uma juíza sozinha para atender a todos. É muita coisa", desabafou.