Sem lei específica, médicos ficam em dúvida sobre como proceder diante de pedidos de doentes para não serem submetidos a tratamentos dolorosos
Sem lei específica, médicos ficam em dúvida sobre como proceder diante de pedidos de doentes para não serem submetidos a tratamentos dolorosos | Foto: Shutterstock



Há cinco anos, uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) garantiu que a pessoa possa se manifestar sobre quais tratamentos deseja ou não ser submetida no final da vida. Trata-se do testamento vital. O problema é que, como a resolução não tem peso de lei, médicos e instituições alegam insegurança jurídica e o instrumento acaba por não ser aplicado na rotina dos hospitais.

José Eduardo Siqueira, coordenador do curso de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), campus Londrina, confirma que a cultura não foi absorvida. O especialista em Bioética afirma que a resolução é legalmente frágil. "Só a resolução não basta, por ser infra legal, não tem valor de lei. O texto, bem sucinto, diz que nenhum familiar pode interferir na vontade do paciente, mas isso não acontece na prática", conta.

O temor dos profissionais é que os familiares, muitas vezes, insistem para que se faça de tudo para salvar a vida do doente, mesmo quando não há mais possibilidade de sobrevida e o paciente não queira mais. Há cerca de duas semanas, a Fehosp (Federação dos Hospitais, Clínicas e outros Estabelecimentos de Saúde) entregou ofício ao ministro da Saúde, Ricardo Barros, pedindo a elaboração de projeto de lei regulamentando as diretrizes antecipadas de vontade do paciente.

O ofício da Fehosp também foi enviado aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e aos membros da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. "A falta de uma lei tem causado uma série de problemas no dia a dia. Muitos médicos não sabem como proceder diante de um pedido do doente para que não seja submetido a procedimentos dolorosos e invasivos em sua hora final", diz Yussif Ali Mere Junior, presidente da Fehosp.

De acordo com Mere Junior, embora o avanço da medicina e a incorporação de novas tecnologias devam servir para propiciar cura e qualidade de vida, muitas vezes estão apenas prolongando a dor e o sofrimento do paciente terminal. Siqueira defende que o testamento vital é constitucional. "A Constituição Federal prevê que ninguém será submetido à tortura e tratamento indigno. Atualmente, existe uma sintonia maior entre os agente da saúde e operadores do direito neste sentido, mas precisamos de uma lei que respeite a vontade, a autonomia da pessoa."

DIÁLOGO
A geriatra curitibana Gisele dos Santos, presidente da Regional Sul da ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos), observa que a resolução é desconhecida por parte dos profissionais e mais ainda pela população. "É preciso falar mais sobre isso. É muito importante que a pessoa possa expressar seu desejo de vida, saber quais são suas possibilidades de tratamentos, analisar os efeitos colaterais, riscos e, assim, definir a melhor estratégia", argumenta.

Segundo ela, quando há divergência entre as vontades do paciente e da família, o diálogo é fundamental. "Quando a família diverge do desejo do paciente, o ideal é que a equipe médica convoque uma reunião, ou como chamamos, uma conferência de família. Assim, com diálogo, é possível chegar a uma posição comum", detalha.

Gisele avalia que a Medicina Geral ainda é muito baseada na fragmentação e que o fortalecimento da cultura dos cuidados paliativos é essencial. "Cada especialidade vê as disciplinas de forma separada, mas isso está começando a mudar para um aprendizado de olhar o indivíduo como um todo. Infelizmente, ainda não são todas as faculdades que têm essa preocupação", pontua. "Esse contato com a morte, sobre como agir, ainda se limita a áreas como a geriatria ou a oncologia, por exemplo, onde os óbitos são mais frequentes", acrescenta. (Com Folhapress)