O Brasil é o único do mundo trabalhando com oito alimentos biofortificados,  principalmente feijão, mandioca, milho e batata doce
O Brasil é o único do mundo trabalhando com oito alimentos biofortificados, principalmente feijão, mandioca, milho e batata doce | Foto: Tarcila Viana/Embrapa/Divulgação



"O Brasil é o celeiro do mundo"; "Com as projeções de aumento da população mundial, a responsabilidade do País é gigantesca em alimentar as nações". Se o leitor acompanha o agronegócio, bem provavelmente já viu algumas dessas sentenças por aí. Nada mais natural, afinal, as safras de grãos batem recordes ano após ano - estimativa em 2016-17 é 227,9 milhões de toneladas - sem contar a força da produção de carnes, como é o caso da avicultura.

Se de um lado a insegurança alimentar parece "águas passadas" - já que as estatísticas da fome, de fato, assustam menos hoje - por outro um assunto alarmante precisa ser discutido com urgência: dietas de má qualidade. Simples de explicar. O mundo passa menos fome, mas as pessoas estão mal nutridas. Aí está o paradoxo: os ganhos na produção de alimentos não têm sido seguidos, em escala global, por ganhos equivalentes em densidade e qualidade nutricional. O assunto, que antes estava diretamente ligado à medicina, agora está na agenda de pesquisa e inovação da agropecuária brasileira. Um alerta vermelho que, não por acaso, fez a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamar no ano passado a "Década de Ação sobre Nutrição" entre 2016 e 2025.

Os números são alarmantes. De acordo com Painel Global de Agricultura e Sistemas Alimentares de Nutrição, entidade criada em 2013 para promover políticas de agricultura e alimentação pelo mundo, são aproximadamente 3 bilhões de pessoas vivendo com dietas de má qualidade, que incluem desde insuficiência de micronutrientes, mulheres anêmicas em idade reprodutiva, obesidade, até doenças não transmissíveis relacionadas à dieta. Segundo a entidade, os custos da desnutrição com relação à perda do PIB é de 5% em nível mundial.

Maurício Antônio Lopes é presidente da Embrapa e um dos 11 membros do Painel Global. Nesta semana, o encontro da entidade aconteceu na sede da instituição de pesquisa, em Brasília, pela primeira vez realizado no Brasil. Na concepção de Lopes, este é o momento da pesquisa agropecuária e de alimentos destinarem uma atenção maior na busca de sistemas de produção ligados à promoção de dietas de alta qualidade. "Trabalhamos com uma visão de urgência, porque o problema é grave, inclusive em países desenvolvidos. O problema do desbalanço nutricional traz consequências sérias para a economia e custos altos pelas soluções da medicina. Precisamos partir para a prevenção e a agricultura tem que participar ativamente disso", salienta.

Maurício Antônio Lopes, presidente da Embrapa: "Trabalhamos com uma visão de urgência, porque o problema é grave, inclusive em países desenvolvidos"
Maurício Antônio Lopes, presidente da Embrapa: "Trabalhamos com uma visão de urgência, porque o problema é grave, inclusive em países desenvolvidos" | Foto: Embrapa/Divulgação



ESTRATÉGIAS CONCRETAS
Mas como o Brasil pode participar dessa agenda de forma concreta? A pesquisa, claro, tem um papel extremamente importante. Um dos exemplos citados por Maurício, cujo País já é protagonista, é o programa de biofortificação, um processo de cruzamento de plantas da mesma espécie que resulta em cultivares mais nutritivas. Alimentos básicos são enriquecidos com ferro, zinco e vitamina A, capazes de auxiliar significativamente nas dietas (veja box). "Este é um caminho muito interessante usando a ciência agronômica para elevar a densidade nutricional dos alimentos. Trazemos micronutrientes, mais proteínas ricas, vitaminas... Temos um programa de sucesso, referência de biofortificação e estamos liderando isso", ressalta.

Outro caminho é a diversificação das dietas. Ao longo dos anos, segundo Lopes, houve uma tendências das dietas ficarem mais restritivas, com um conjunto menor de alternativas. É preciso maior diversidade. "A Embrapa está neste momento desenvolvendo um grande programa para fortalecer a produção das chamadas leguminosas de grãos (pulses) no Brasil, muito apreciadas em países como a Índia. Os indianos são em grande parte vegetarianos e consomem essas leguminosas em quantidade. Grão-de-bico, feijão-caupi, lentilhas, feijão-mungo têm uma qualidade nutricional alta e são ótima alternativa na diversificação da dieta".

Mais do que isso, para os agricultores, uma aposta como essa acaba se tornando alternativa de diversificação da produção, agregação de renda, e, eventualmente, pode-se aproveitar um mercado ainda pouco explorado. "Tudo isso vai fortalecer ainda mais o produtor. A agricultura precisa incorporar essa noção de suficiência nutricional, bem-estar. São outras dimensões que vão valorizar ainda mais a cadeia de alimentos e o papel do produtor na sociedade".