Qual o papel das certificações na agropecuária e na agroindústria?
A produção e a comercialização de alimentos têm importância crescente no debate econômico e social desde os anos 1950. Data dessa década a preocupação dos países europeus e dos Estados Unidos com políticas de incentivo ao aumento da produção agropecuária. A "Farm Bill" americana e a Política Agrícola Comum da União Europeia nasceram com o objetivo de garantir o acesso da população aos alimentos básicos, afastando o fantasma da escassez da época das Grandes Guerras e da crise dos anos 1930.

A agricultura passou por um período de incremento da produção e da produtividade, com utilização de um novo pacote tecnológico: mecanização agrícola, adubos químicos, defensivos eficientes e sementes melhoradas. Esta "Revolução Verde" teve profundo impacto na oferta mundial de alimentos frescos e agroindustrializados. Inaugurava-se a fase fordista da agropecuária, caracterizada pela padronização de processos e oferta em grande escala de commodities alimentares.

A fase fordista da agricultura perdurou pelas décadas de 1960 até 1990, quando os mercados consumidores europeu, americano e japonês passaram a ser mais exigentes quanto a certos atributos dos alimentos, desde aspectos da produção até as qualidades nutricionais e gustativas.

O nicho de consumo mais relevante inicialmente foi o de orgânicos, ou seja, de alimentos produzidos sem o uso de adubos e defensivos químicos, livres de antibióticos e promotores de crescimento. Outro nicho de mercado alimentar é o Fair Trade, que valoriza a produção por pequenos agricultores familiares e artesãos, contribuindo para a remuneração justa destes trabalhadores. Estes produtos são comercializados com preços mais elevados do que os convencionais e em lojas específicas.

Estes segmentos de mercado fundados nas preocupações dos consumidores com as condições de produção, renda dos produtores, preservação ambiental, redução do uso de produtos químicos, entre outros aspectos, estão crescendo a taxas significativas nos países desenvolvidos e nos emergentes e têm incentivado a ampliação da oferta mundial.

Contudo, esses produtos precisam de uma "certificação" para serem comercializados, pois o consumidor não consegue diferenciar um produto orgânico ou Fair Trade de um convencional apenas comparando-os. Assim, as certificadoras garantem, após um processo de análise e visitas agendadas, que a produção segue as práticas estipuladas por cada selo. A certificação é um custo a mais para produtores, mas eles podem ser compensados pela venda a preços mais altos dos que os obtidos pelos alimentos convencionais.

As maiores remuneração e lucratividade são consideradas, até o momento, como grandes atrativos para produtores. Porém, aparentemente, existe uma tendência de queda do ágio pago por estes produtos. Em parte, isto pode ser creditado ao aumento da oferta de alimentos diferenciados por selos socioambientais que garantem que o processo produtivo atendeu à legislação ambiental e social vigente no país de origem. Esta tendência seria um desincentivo para os produtores face aos custos elevados.

No entanto, algumas evidências recentes resultantes de estudos de pesquisadores do Cepea, da Esalq/USP, do Imaflora e do Programa de Pós-graduação em Economia Aplicada, também da Esalq, mostram que a certificação agrícola tem benefícios não captados por pesquisas anteriores. A produtividade e a gestão dos produtores tendem a melhorar com a certificação e geram benefícios importantes para o produtor. Desta forma, a rentabilidade da propriedade melhora e permite ao produtor arcar com os custos da certificação e com preços análogos aos do produto convencional.

Outro aspecto relevante a se destacar é que a certificação agrícola reduz os riscos ambientais e sociais das propriedades certificadas, melhorando o acesso ao crédito para custeio e investimento.

Em suma, as pesquisas demonstram que a certificação é indutora da melhoria da gestão e da produção, melhora os resultados operacionais das propriedades e também permite a venda de um produto diferenciado que atende a nichos de mercado que primam pela qualidade.

Ainda estamos longe de entender plenamente os impactos da certificação na agricultura e de dizer que ela será uma exigência a certas cadeias produtivas em tempos de mercados alimentares diferenciados. Necessitamos de muita pesquisa para ampliar o entendimento e a capacidade de planejamento da atividade. Enquanto isso, vamos esperar que a oferta de cafés, frutas, queijos, carnes, açúcares e outros alimentos certificados se amplie, tornando a nossa alimentação mais saudável e saborosa.

Carlos Eduardo de Freitas Vian, professor da Esalq/USP, pesquisador do Cepea e responsável pelo Gephac (Grupo de Extensão e Pesquisa em História e Evolução da Agricultura e dos Complexos Agroindustriais)