O escândalo da carne e a governança corporativa
Representando cerca de 30% do agronegócio brasileiro, que por sua vez participou com 21% do PIB no exercício de 2016, segundo dados do IBGE/CEPEA, a pecuária é um setor extremamente relevante para a economia. Entretanto, o segmento sofreu um forte golpe quando substâncias cancerígenas para maquiar o aspecto físico de alimentos vencidos e estragados e mistura de outros materiais em alguns lotes de frango para aumentar o peso dos produtos foram práticas recentemente denunciadas pela polícia, em poucos frigoríficos no país. A divulgação do episódio causou um impacto em todo o setor, gerando também reflexos na economia nacional. De acordo com pesquisa do Datafolha, 30% dos paulistanos que comem carne dizem ter reduzido o consumo do alimento após a divulgação da operação Carne Fraca.

Ao observarmos o ocorrido, fica muito claro que aspectos primários de uma boa governança corporativa não foram seguidos por essas empresas, o que ocasionou uma crise de imagem gigantesca que atingiu todo o setor. Se analisarmos toda a cadeia produtiva, as empresas brasileiras do setor seguem muitas normas de controle zootécnico para garantir a qualidade do produto. Tais regras fizeram com que o Brasil se tornasse um dos maiores exportadores de carne do mundo. As boas práticas se iniciam com melhoramento genético, passando por pastagem, sanidade animal, nutrição, até criação e rastreabilidade. Todas essas etapas acontecem apenas na propriedade rural. Após essa primeira fase, já na agroindústria, ainda existem controles de qualidade reconhecidos mundialmente no que diz respeito ao transporte, abate, processamento e distribuição para comercialização.

Além disso, a lei que rege a fiscalização de produtos de origem animal exige, para que as mercadorias possam ser comercializadas e exportadas, a certificação SIF (Serviço de Inspeção Federal) que é obtida por meio de uma série de requisitos técnicos e de higiene que deve ser cumprida. Dentre os parâmetros estão a vistoria regular de todo o processo feita por fiscais que ficam alocados nos frigoríficos. Estes profissionais acompanham etapas como o abate e processamento. Entretanto, a fiscalização não se dá apenas na esfera federal. Há ainda o Serviço de Inspeção Estadual (SIE) e o Serviço de Inspeção Municipal (SIM), exigidos para a comercialização das carnes nos estados e municípios, respectivamente.

Diante do exposto, vale perguntar: se o setor de agronegócio possui diversas práticas, o que aconteceu para gerar essa crise? A resposta é simples: a falta de uma boa governança em determinados frigoríficos foi fundamental para que controles internos não fossem seguidos.

De acordo com a pesquisa sobre Comitês de Auditoria, realizada pelo ACI Institute em parceria com o Board Leadership Center da KPMG, apenas 9% dos Comitês de Auditoria no Brasil consideram maduro e robusto o sistema de gerenciamento de risco implantado. Quando observamos os dados mundialmente, há um aumento no percentual, chegando a 38%. Esse cenário se torna mais preocupante quando 42% (global) informam que o sistema de gerenciamento de riscos existe, mas requer melhorias substanciais (48% no Brasil), 15% (global) afirmam que ele ainda se encontra em fase de desenvolvimento (37% no Brasil) e para 5% (global) o sistema não existe (6% no Brasil). O levantamento envolveu mais de 800 membros e coordenadores de comitês de auditoria e conselheiros de administração de 42 países pesquisados, incluindo o Brasil.

A operação Carne Fraca realizada pela Polícia Federal é um exemplo de que falhas internas nessas empresas podem desencadear uma sucessão de fatos negativos, não só para os investigados, mas também para todo o setor de atuação e, em última instância, para a população. Em um cenário global de instabilidades econômica, política e financeira, o maior desafio dos líderes empresariais tem sido se manter competitivos e inovadores, sem deixar de tomar decisões estratégicas, que incluem boas práticas de governança, e conduzir os negócios de modo sustentável.

Rafael Klug é sócio da KPMG no Brasil