As leis brasileiras garantem a possibilidade de rastrear todo o trajeto da carne, que passa por fiscalizações e testes até chegar à mesa do consumidor
As leis brasileiras garantem a possibilidade de rastrear todo o trajeto da carne, que passa por fiscalizações e testes até chegar à mesa do consumidor | Foto: Fotos: Sérgio Ranalli



Do campo ao prato a carne faz um caminho extenso e passa por análises em todos os elos da cadeia. Com a Operação Carne Fraca, porém, surgiu o temor de que o churrasco de domingo ameace a saúde do consumidor. Não é uma preocupação sem motivo. A relação promíscua entre fiscais e fiscalizados, com representantes do setor privado que doam caixas dos melhores cortes para agentes públicos, deixa a sensação de que não existem limites à corrupção no Estado e no País. Não há defesa para os abusos apontados pela Polícia Federal (PF), mas é preciso conhecer o trajeto, a quantidade de envolvidos e, principalmente, o número de processos de fiscalização sobre uma asinha de frango, antes de tomar a decisão final sobre o consumo.

As leis brasileiras garantem a possibilidade de rastrear todo o trajeto da carne. O primeiro passo é o cadastro de todas as propriedades rurais de criadores, que estão registradas pela Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar). No campo, os agentes fazem ensaios, testes, auditorias e fiscalizações sobre a saúde e a vacinação dos animais, que somente podem subir a um caminhão com uma Guia de Transporte Animal (GTA), que ateste as boas condições.

Presidente da Adapar, o médico veterinário Inácio Afonso Kroetz afirma que todos os especialistas em saúde animal sabem que existem doenças de notificação obrigatória aos órgãos sanitários. Para bovinos, as principais são a febre aftosa, a estomatite vesicular, a raiva, a tuberculose e a brucelose. No caso das aves, são a doença de New Castle, a influenza aviária e salmonelas e, para os suínos, a peste suína clássica e a doença de Aujezki. "Isso não impede que outras doenças sejam notificadas, mas temos de garantir, no transporte ou na exportação, que os animais não são portadores dessas doenças", diz.

Imagem ilustrativa da imagem O caminho da carne



No frigorífico, além da exigência do GTA, os animais passam por exames ante mortem, no caso dos bovinos e suínos. Para as aves, que não podem esperar pelo exame, é exigido um boletim sanitário com informações sobre mortalidade nas últimas 72 horas em cada lote, que não pode exceder 10%. "E se faz ainda a inspeção durante o abate, com exames de vísceras e de carcaças", completa Kroetz, sobre a análise post mortem.

O coordenador de Defesa Agropecuária da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Decio Coutinho, lembra que, nesta fase industrial, a fiscalização pode ser feita por agentes municipais, estaduais ou federais, de acordo com o destino dos produtos, que podem ser locais, regionais ou para o País e o exterior, respectivamente. "Não existe diferença de inspeção para o mercado interno e externo", diz. "O que muda na exportação são algumas exigências que alguns países ou blocos têm, como o Japão, que não aceita carne de boi vacinado contra aftosa", completa.

Aquele carimbo azul que é encontrado em alguns pedaços de carne com a sigla SIF é do Serviço de Inspeção Federal, que garante a fiscalização da carne brasileira e é aceito por mais de 150 países, diz Coutinho. "Se eu pegar um produto na gôndola do supermercado, consigo chegar até a propriedade de onde saiu o animal", informa o representante da CNA, ao citar o memorial descritivo de cada rótulo.



DA INDÚSTRIA AO VAREJO
Mesmo para a embalagem da carne, há uma regulamentação e uma fiscalização próprias à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). "Os regulamentos relacionados às embalagens incluem as embalagens e materiais que entram em contato direto com alimentos e são destinados a contê-los, desde a sua fabricação até a sua entrega ao consumidor, com a finalidade de protegê-los de agente externos, de alterações e de contaminações, assim como de adulterações", informa o órgão.

A Anvisa é também responsável pela fiscalização sobre os alimentos a partir da saída da indústria, explica o diretor da Adapar. "A Anvisa apura as informações do rótulo, a temperatura de armazenagem no transporte e no comércio, o prazo de validade e se a embalagem foi violada", exemplifica Kroetz. Algumas grandes redes de supermercados também fazem exigências a transportadores, como a garantia de temperatura apropriada para o armazenamento.

Há ainda uma rede de laboratórios especializados que dão apoio em todo o processo, que é também de interesse dos empresários, por garantir a boa fama da carne brasileira no Brasil e no mundo. "Todos os processos são acompanhados por médicos veterinários e, periodicamente, por fiscais", cita Kroetz. "O fabricante também precisa garantir que cumpre toda a legislação, ou perde mercado", complementa.

A OPERAÇÃO
A Operação Carne Fraca deflagrada pela Polícia Federal no último dia 17, é considerada a maior ação, em números, da história da corporação, com 1,1 mil agentes envolvidos. A Justiça Federal no Paraná expediu 309 mandados judiciais, dos quais 38 de prisão preventiva ou temporária, 77 de condução coercitiva e 194 de busca e apreensão, em residências e locais de trabalho dos investigados e em empresas, em seis estados e no Distrito Federal. As investigações apontavam que frigoríficos subornavam fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para que fizessem vista grossa em inspeções sanitárias.

O governo federal, por outro lado, lembra que apenas 33 dos 2,3 mil auditores do Mapa são investigados e todos foram suspensos. Das 4,8 mil unidades de processamento animal, 21 foram envolvidas em irregularidades. Três tiveram as atividades suspensas e todas serão fiscalizadas nos próximos dias. Ainda, dos 853 mil carregamentos em 2016 exportados pelo Brasil, 184 tiveram algum tipo de irregularidades.