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| Foto: R.R.Rufino/Embrapa/Divulgação



O produtor vive um dilema safra após safra. De um lado, a necessidade de diminuir custos de produção – aplicar defensivos químicos apenas quando necessário – e aumentar a sua renda num cenário de alta competitividade e ambientalmente sustentável. Do outro, o anseio de combater pragas e doenças de forma mais eficiente, muitas vezes "abraçando" pacotes tecnológicos calendarizados oferecidos pela indústria, com receio de perdas na lavoura, afinal, se trata do seu patrimônio.

Em meio a esses questionamentos, o que fica – pelo menos aqui no Paraná – é que a ciência agronômica tem prioridade em detrimento do comércio desmedido de produtos e aplicações desnecessárias na lavoura, sejam de fungicidas, inseticidas, ou outros grupos químicos. Os resultados do MIP (Manejo Integrado de Pragas) e MID (Doenças) realizados no Estado há cinco safras pela Seab (Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento) junto a entidades como Embrapa e Instituto Emater são prova de que isso é possível. Não se trata de utopia ou "nadar contra a maré", é uma necessidade.

É bem verdade que não é fácil, mas os resultados apresentados na última safra 2016/17 em duas publicações divulgadas apontam uma maior facilidade dos produtores seguirem neste caminho: menos aplicações associado às técnicas na lavoura, tanto para o combate da ferrugem asiática como lagartas e percevejos na soja

No caso do MIP, em 141 URs (unidades de referência), áreas em que os produtores se dispõem a realizar o monitoramento das pragas e adotar metodologia específica para combate, o número de aplicações de inseticidas com uso do MIP foi de 2 ao longo de todo o ciclo da cultura, enquanto em áreas não acompanhadas foi de 3,7. No caso das 93 URs que adotaram o MID, as aplicações de fungicidas foram de 1,5, contra 2,4 das não assistidas.

O coletor de esporos e o pano-de-batida(foto ao lado) ajudam a determinar o momento certo de aplicar defensivos na lavoura
O coletor de esporos e o pano-de-batida(foto ao lado) ajudam a determinar o momento certo de aplicar defensivos na lavoura | Foto: Emater/Divulgação



INTERVENÇÃO NECESSÁRIA
O secretário de Agricultura do Estado, Norberto Ortigara, relembra que a necessidade de retomada do MIP e MID surgiu há alguns anos, quando se percebeu o processo acelerado da perda de eficiência de fungicidas para o combate da ferrugem asiática. "Estamos falando do principal ativo agrícola do Brasil, mais de 20% da nossa riqueza anual. Percebemos que os produtores estavam gastando cada vez mais com a lavoura e colocando esse ativo em risco."

Para Ortigara, pouco a pouco o Estado está "fincando os pés" nessas técnicas, que, sem sombra de dúvidas, demandam maior proatividade dos produtores ao longo da safra. "Começamos timidamente com a soja, evoluímos para o milho safrinha, trigo, feijão, hortaliças, dando um corpo maior para esse manejo, gastando menos, despejando menos químicos e gerando mais margem líquida ao produtor".

DESAFIOS
Um dos grandes questionamentos desse tipo de técnica está na sua efetividade em áreas maiores. O secretário tem a resposta na ponta da língua. "Vejo isso como um pouco de comodidade (do produtor que não adere), porque manejar pressupõe monitorar a lavoura o tempo todo. Hoje temos instrumentos modernos para isso. Nosso desafio é por meio de boa comunicação, exemplos na prática, disponibilização de resultados despertar em todos que dá para fazer o negócio ir bem com essas técnicas."

Inclusive, para o secretário, os grandes players da indústria de defensivos já entraram nesse novo jogo. "Pouco se falava há cinco ou seis anos de controle biológico e hoje muitas empresas têm esse tipo de plataforma. Sem dúvida, com esse trabalho estamos quebrando um pouco a lógica das compras de defensivos antecipadas, até um jogo delicado para a gente, porque muitos profissionais de cooperativas, por exemplo, vivem de salários comissionados. De forma jeitosa, vamos quebrando isso, porque a nossa lógica é usar o conhecimento, o que cientificamente já foi estudado, e não utilizando pacotes sem necessidade."

Mais dedicação para a lavoura
Eliminação da fauna benéfica, perda de eficiência de inseticidas e fungicidas, aumento de surtos de pragas secundárias, abuso na utilização de defensivos e aumento nos custos de produção. São muitos os problemas gerados pelo uso indiscriminado de produtos químicos na lavoura ao invés de um manejo, digamos, "mais pensado", como propõem o MIP e o MID. De qualquer forma, o que ainda fica claro é que essas técnicas são difíceis de emplacar no Estado bem provavelmente porque demandam mais dedicação do produtor no seu dia a dia.

No caso do MIP, as áreas são monitoradas semanalmente, com o produtor reconhecendo as pragas em meio a soja, utilização do pano-de-batida na lavoura, análise dos níveis populacionais dos predadores, como também dos inimigos naturais que estão atuando no sistema, para daí sim analisar a necessidade de aplicação de inseticidas. Já nos protocolos da ferrugem asiática, no MID, são instalados coletores de esporos da doença em propriedades selecionadas pelos técnicos da Emater. Depois, diversas entidades parceiras fazem a leitura das lâminas. A informação chega até o extensionista, que orienta os produtores quanto à necessidade de aplicação, pensando também se as condições ambientais estão favoráveis para o fungo.

O pesquisador da Embrapa Soja, Osmar Conte, explica que este ano os resultados de quem usou as técnicas não tiveram uma evolução muito grande comparado a 2015/16 porque a safra foi mais tranquila em relação a pragas e doenças, destacando menos o trabalho. Segundo ele, também é difícil mensurar se mais produtores despertaram para as técnicas. "Até onde a gente sabe, a adoção não tem se expandido. Em função dos resultados obtidos, se esperaria muito mais. O produtor é bombardeado por facilidades e às vezes não sobra tempo para pensar em algo diferente. Os que estão mais conscientes têm encontrado uma informação confiável das técnicas e obtido ótimos resultados, inclusive no Mato Grosso, em grandes áreas".

Na opinião de Conte, todo esse trabalho desenvolvido no Estado, os resultados nas unidades de referência, as publicações, de alguma forma já chegaram aos produtores. "Não sei qual é o gargalo, mas não é o desconhecimento das técnicas. O dia a dia do produtor é muito corrido, tem muita coisa que ele precisa fazer e talvez busque tecnologias que simplifiquem tudo isso. Pode ser que o MIP demande mais trabalho e ele busque praticidade", presume.

O produtor Cláudio Batista Alves com o técnico da Emater, Paulo Mrtvi: o coletor de esporos e o pano-de-batida já fazem parte da rotina da propriedade. "É trabalhoso, mas os resultados são excelentes"
O produtor Cláudio Batista Alves com o técnico da Emater, Paulo Mrtvi: o coletor de esporos e o pano-de-batida já fazem parte da rotina da propriedade. "É trabalhoso, mas os resultados são excelentes" | Foto: Anderson Coelho



‘Fui muito criticado por lojas de insumos’
Há cinco anos, Cláudio Batista Alves, produtor no distrito de Maravilha, apostou no trabalho da Emater e tornou a área de 200 hectares que administra com a família numa unidade de referência (UR) para o Manejo Integrado de Pragas e de Doenças. O trabalho no Estado estava iniciando e Cláudio recebeu críticas por todos os lados. "Os vendedores da revenda (de insumos) me perguntavam onde eu estava com a cabeça. Não foi fácil, mas acreditei no trabalho da Emater porque o pessoal é sério, já tinha trabalhado com eles no leite e no café", relembra.

O produtor confessa que no início ainda ficou com receio da tecnologia, afinal, fazia aplicações programadas para a cultura de grãos, tanto soja, como milho e trigo. "Nunca fiz pacotes, mas realizava aplicações programadas. Com 50 dias de lavoura, entrava com o fungicida. Com 75 dias, novamente. Eram de 2 a 3 aplicações, com ou sem praga na lavoura".

No primeiro ano, uma surpresa para a família. Na safra "piloto" do projeto, o produtor simplesmente não utilizou fungicida e fez apenas uma aplicação de inseticida. Uma economia de R$ 60 mil que ele não esquece. A produtividade da soja nas últimas safras ficou entre 120 a 150 sacas por alqueire. "Uma vez me perguntaram se eu utilizasse os defensivos de forma mais intensiva a minha produtividade não aumentaria? A grande questão não é quantas sacas produzimos, mas quanto vai sobrar de dinheiro para nós no final. Essa é a conta que precisa ser feita".

Na opinião do produtor, tem tanta gente aplicando defensivos de forma indiscriminada "que estão até com vergonha de dizer quanto gastam". Pelas contas do produtor, uma aplicação de fungicida gira em torno de R$ 250 por alqueire (apenas o produto), e para inseticida R$ 90 por alqueire. "Tem agrônomo que comercializa esses produtos que deixa a gente com a pulga atrás da orelha, dizendo que a gente vai perder dinheiro se não aplicar."

Hoje, adaptado ao MIP e MID, Cláudio fala dos gargalos que, na opinião dele, não deixam os produtores apostarem nas técnicas. "O produtor não pode ver o vizinho passar veneno que já fica receoso e quer passar também. Tem que confiar no trabalho, que o coletor de esporos funciona e, claro, na análise dos técnicos. Em relação ao trabalho em si, o pano-de-batida é trabalhoso, tem que realizar na propriedade nos pontos certos, mas os resultados são excelentes."

Não por acaso, os produtores vizinhos dele, notando as ações do produtor, diminuíram em 50% a aplicação de defensivos. "Eu acho que é possível esse manejo aumentar. Uma pena que o trabalho da Emater não é muito divulgado."

O extensionista da Emater, Paulo Mrtvi, atua em algumas URs na região de Londrina e criou um grupo de WhatsApp há alguns anos que dissemina os resultados dessas propriedades para que outros produtores apostem na tecnologia baseados em conteúdo técnico. Na opinião dele, o produtor precisa assumir a responsabilidade de sua área, e não terceirizar a tomada de decisão para técnicos ou agrônomos que o atendem. "Com eles mais a revolução verde e os pacotes prontos oferecidos, o produtor parou de pensar. Ele precisa ir atrás da informação, se profissionalizar, andar na sua roça, avaliar o que é necessário ser feito. O imediatismo muitas vezes atrapalha uma tomada de decisão mais coerente, embasada em parâmetros técnicos e econômicos", complementa.

A ferrugem da soja é o maior desafio para o controle de doenças da soja. "Fazer aplicações sem critérios técnicos, não é a melhor maneira", alerta pesquisadora da Embrapa
A ferrugem da soja é o maior desafio para o controle de doenças da soja. "Fazer aplicações sem critérios técnicos, não é a melhor maneira", alerta pesquisadora da Embrapa | Foto: Maurício Meyer/Embrapa /Divulgação



Utilização calendarizada resulta em perda de eficiência dos defensivos
Se do lado econômico, o uso calendarizado de inseticidas e fungicidas diminui consideravelmente a rentabilidade do produtor no final da safra, no viés científico, a preocupação fica em relação à perda de eficiência desses produtos ao longo do tempo. Sem o surgimento de novas moléculas para atender o produtor a tempo – já que as pesquisas demoram anos até que de fato o defensivo chegue no mercado – o perigo ronda a cultura da soja, principalmente quando se trata da ferrugem asiática.

O controle químico da doença tem sido feito utilizando-se fungicidas sítio-específicos, que atuam em um único ponto do metabolismo do fungo, e multissítios, que atuam em mais de um ponto do metabolismo do fungo. A aplicação deve ser feita nos primeiros sintomas ou preventivamente seguindo critérios técnicos.

De acordo com a circular técnica da Embrapa Soja publicada esta semana, o tempo decorrido da emergência da planta até a primeira aplicação de fungicida para o controle da ferrugem da soja, ficou em média de 75 dias nas URs, em áreas que adotaram o MIP/MID na safra 2016/17. Em áreas sem a tecnologia, foram 57 dias até a primeira aplicação. "A ferrugem é o maior desafio em termos do controle de doenças (na soja). Hoje temos um arsenal menor e comprometido de defensivos para o controle dela. Nós precisamos fazer de tudo para usar adequadamente esses produtos e prolongar a vida útil deles. Fazer aplicações calendarizadas, antecipadas ou sequenciais sem critérios técnicos, com certeza não é a melhor maneira", explica a pesquisadora da Embrapa Soja, Claudine Seixas. "Felizmente todos os produtos não foram afetados da mesma forma, muitas ações foram tomadas e precisamos continuar a agir com seriedade, não podemos brincar com essa situação", complementa.

Se a rede de fungicidas está há 10 anos disponível e já está com o alerta vermelho ligado, no caso dos inseticidas, são apenas três anos, mas existe o temor que siga pelo mesmo caminho. "Como se trata de pouco tempo, ainda não dá para estabelecer um histórico se os produtos estão perdendo eficiência. No primeiro momento, estamos desenhando esse panorama", salienta o pesquisador da Embrapa, Samuel Roggia.

Entre as principais pragas da soja, a outra publicação da Embrapa que trata do assunto destaca o complexo de lagartas, como a falsa-medideira no final do ciclo, e o de percevejos. No caso desses últimos, já se notou um aumento de tolerância deles aos inseticidas, devido ao número excessivo de aplicações com um mesmo princípio ativo, selecionando insetos. "Vale dizer ainda que o melhor produto aplicado da forma incorreta pode não dar boa eficiência de controle. Tanto o percevejo como a falsa-medideira ficam no interior da planta, ou seja, é necessário técnicas de pulverização que façam que a calda do produto penetre dentro da vegetação. Com o MIP, se faz a aplicação apenas quando necessário, da maneira correta. Isso dá mais tempo para os inimigos naturais agirem", finaliza.

Curso de MIP deve atingir mais de 400 produtores
Se a adesão ao MIP e MID muitas vezes parece utópica quando se avalia o cenário de comercialização de defensivos no País. A capacitação de produtores para esse tipo de manejo parece a saída para, quem sabe, disseminar esses conceitos de forma mais eficiente.

O Senar-PR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), entidade que tem a finalidade de capacitar e treinar produtores oferecendo diversos cursos, iniciou um projeto piloto com o Manejo Integrado de Pragas no ano passado e percebeu um potencial enorme de adesão.

Na safra 2016/17, foram 18 turmas por todo Paraná, iniciando com 262 participantes. No final da safra, 71% destes alunos concluíram o curso, 186 cumpriram 52 horas de carga horária, fora as visitas de técnicos no campo para acompanhar os trabalhos. "Este curso tem abrangência da safra toda, que é um diferencial comparado a outros do Senar. Ele começa antes do plantio e exige um monitoramento das áreas semanalmente", explica a engenheira agrônoma do Senar, Flaviane Marcolin de Medeiros.

Para a safra 2017/18, a expectativa é que o curso expanda para 27 turmas, com a projeção de atingir 436 pessoas. Na regional de Londrina, o número de turmas triplicou: de 3 para 9. Foi o local que mais expandiu. "No primeiro ano do projeto, eles já tiveram economia em relação aos custos de produção, com menos aplicação de inseticidas."

Na concepção da agrônoma, o grande desafio do curso está em fazer os produtores identificarem as pragas (lagartas, percevejos, etc) e seus respectivos inimigos naturais. "Quando ele começa a entender que existem agentes na própria natureza que podem fazer esse controle por eles, acabam enxergando os benefícios do MIP e começa a aplicar os inseticidas apenas no momento adequado. Apesar da pressão do mercado, que eles recebem das indústrias de defensivos, com o curso percebemos que têm consciência, são críticos e podem evoluir."