O Paraná é um player fortíssimo para atender o mercado de panificação do País, que consome 60% de tudo que é produzido e importado
O Paraná é um player fortíssimo para atender o mercado de panificação do País, que consome 60% de tudo que é produzido e importado



Os números de recebimento da Cooperativa Integrada para o trigo mostram como a cultura, de fato, perde competitividade no Estado. Em 2015, entraram nos armazéns da cooperativa 200 mil toneladas do cereal. Ano passado foram 170 mil toneladas e, agora, a expectativa é de 130 mil toneladas, ou seja, uma retração de 35% em apenas dois anos.

O superintendente comercial da Integrada, João Bosco de Souza Azevedo, salienta que o produtor vai perdendo interesse sobre a cultura, sabe das dificuldades de competir com o trigo importado – entrando no País a preços mais competitivos – mesmo que nos últimos anos o Estado investindo muito na qualidade da commodity. "Com o dólar neste patamar de R$ 3,10, nossa paridade fica prejudicada. Além do mais, com o aumento da tributação da farinha de trigo para entrar em São Paulo, o Paraná acabou perdendo competitividade. Sem contar que existe uma expectativa da Argentina vir com uma safra forte este ano".

Agronomicamente, João Bosco fala da importância do "binômio soja e trigo", importante no auxílio de performance da oleaginosa na lavoura. Mas claro, que isso não pode ser "moeda de pagamento" para o produtor. "Só isso não basta, o produtor precisa ter ganho comercial". Bosco relata que o Paraná é um player fortíssimo para atender o mercado de panificação do País, que consome 60% de tudo que é produzido e importado. "A nossa região é propícia para esse trigo panificável, inclusive mais que o próprio Rio Grande do Sul. A grande questão é: será que queremos e podemos abrir mão de plantar trigo no Paraná? É uma riqueza nossa, que devido essa tributação para São Paulo e outros fatores está sendo colocado um freio, além de dar mais liquidez ao produto importado".

No ano passado, a Integrada pagou R$ 40 pela saca ao produtor. Este ano, o valor é de R$ 33 neste momento, ou seja, uma retração média de 18%. "Não fecha a conta do produtor e nós da cooperativa, por mais que nos desdobremos, não conseguimos repassar um valor mais interessante." (V.L.)

Imagem ilustrativa da imagem Menos interesse sobre o cereal



Preços ruins e armazenagem pressionada
Não bastasse a competição com o trigo que vem de fora do País, o valor pago pelo produto paranaense também está menor do que comparado ao ano passado. Números do Deral (Departamento de Economia Rural) apontam que o valor pago na saca agora durante a colheita está na casa dos R$ 33. Quando comparados os meses de agosto deste ano e de 2016, a retração já chega a 20%. (veja o gráfico)

A engenheira agrônoma do Departamento Técnico Econômico da Faep (Federação da Agricultura do Estado do Paraná), Ana Paula Kowalski, explica que a safra não está apenas complicada para o trigo, mas para as commodities de forma geral. "No mercado externo, os preços estão caindo de forma geral. Para o trigo, a Bolsa de Chicago teve queda ao longo da entressafra, em julho isso se acentuou e está refletindo ainda agora no início da colheita. Não sei se terá espaço de continuar assim, de qualquer forma o valor não remunera mais o produtor."

Com a capacidade estática do Paraná trabalhando no limite, a dificuldade em armazenar todos esses grãos deve continuar, pressionando os produtores a vender. "Sempre temos a pressão da colheita e este ano está mais complicado, com pouco armazém disponível. A comercialização de soja está mais fraca que o habitual, o milho a R$ 18 a saca e o trigo entrando agora. A pressão é grande para vender."

A Faep, como já se tornou recorrente, participou de uma audiência pública no mês passado junto com outras entidades na Câmara dos Deputados e solicitou a um representante da Secretária de Política Agrícola que já se crie uma atenção à comercialização da cultura. Muitas vezes o governo demora para praticar essa intervenção.

Na opinião de Ana Paula, um dos principais obstáculos da cultura é a relação entre os produtores e a indústria, além da melhor seleção das cultivares para cada região de forma estratégica. "A verdade é que no caso do milho e da soja não sofremos com essa competição com o produto importado. Este ano a estimativa é que chegue ao País sete milhões de toneladas, mais de 50% do consumo. Isso dificulta o avanço da cultura. É claro que o moinho tem liberdade de comprar de quem quiser e, com essas importações de agosto, eles estão abastecidos. Além disso, temos casos que o produto argentino chega ao interior do Paraná até mais barato do que o produzido na região."

De qualquer forma, a especialista salienta que este mercado é muito variável e se hoje está favorável aos moinhos, logo depois o jogo pode virar. "Hoje o dólar está baixo e as cotações em queda, com o produto entrando barato aqui. Amanhã tudo muda e a indústria começa a se voltar para o mercado interno, por isso é uma cultura que não pode se perder internamente. Vale dizer que os moinhos migraram para o interior do Paraná justamente para ficar próximo aos polos produtivos. É preciso encontrar um equilíbrio nessa relação." (V.L.)

Mais barato, trigo importado chega ao País com volume recorde
Apesar do início da colheita nas principais regiões produtoras do País, as importações de trigo aumentaram em agosto, somando 656 mil toneladas e atingindo o maior volume importado desde janeiro. Essa quantidade também foi 29,8% superior à adquirida em julho deste ano e 13,8% maior do que em agosto de 2016. Os dados são do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP)

Segundo pesquisadores da entidade, esse cenário esteve atrelado à maior competitividade do produto importado frente ao nacional: o valor médio das importações em agosto foi de R$ 625,73/t, contra R$ 666,53/t no Paraná e R$ 652,41/t no Rio Grande do Sul. Quanto aos derivados, as compras externas também aumentaram em agosto para 35 mil toneladas (alta de 15,7%). As exportações, por outro lado, recuaram 27,3% no mesmo período, para 3,1 mil toneladas.

A analista de mercado do Cepea, Isabela Rossi, explica que a indústria acabou optando por continuar importando mesmo no início da colheita nacional justamente por conta desses preços competitivos. "Até agora, de janeiro a agosto, o Brasil importou 4,2 milhões de toneladas de trigo, oriundos principalmente da Argentina, Canadá, Estados Unidos e Paraguai. Devido a quebra da produção nacional, com oferta menor, eu acredito que os níveis de importação podem ficar ainda maiores este ano", complementa. O Brasil importa, em média, de 6 a 7 milhões de toneladas de trigo anualmente. (V.L.)