Apesar da redução nos custos de produção deste ano e o bom volume de leite entregue no ano passado, o produtor ainda está pagando a conta de 2015 e 2016
Apesar da redução nos custos de produção deste ano e o bom volume de leite entregue no ano passado, o produtor ainda está pagando a conta de 2015 e 2016 | Foto: Ricardo Chicarelli



Seja qual for o negócio, ajustar "produção x qualidade" é algo que precisa ser pensado. Quando se trata do mundo agro, volumes exorbitantes não necessariamente significam faturamento para o agricultor. Muitas vezes, aquela commodity ou produto básico não está rentável - oscila demais ao longo de um ano para o outro - e uma alternativa é melhorar o valor agregado dele, de diferentes formas.

Sem dúvida, esse paradigma tem sido vivido na cadeia do leite paranaense. De um lado, uma produção que se mostra significativa, colocando o Estado atualmente como o segundo maior produtor do País. Do outro, isso muitas vezes não significa rentabilidade para o produtor, que acaba vendendo o leite, digamos, "a preço de banana", como tem acontecido no segundo semestre de 2017. Na Folha Rural desta semana, apontamos estratégias para o produtor. Um caminho que passa pela profissionalização e melhoria qualidade do produto, rompendo com um velho formador de preços: o leite longa vida.

Antes disso, é preciso dizer que no ano passado – nos meses de agosto e setembro – os valores chegaram na casa dos R$ 2,00 o litro e a produção atingiu ótimos patamares. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção de leite estadual em 2016 alcançou 4,7 bilhões de litros, volume 1,5% maior que no ano anterior. Em dez nos, o salto foi de 2,7 bilhões para 4,7 bilhões de litros, elevação de 75%.

Assim como o Paraná, os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul também elevaram a produção de leite, o que colocou a região Sul do País como a maior produtora, com um volume de 12,45 bilhões de litros produzidos no ano passado, crescimento de 1,1% em relação ao ano anterior. Já o País alcançou um volume de 33,6 bilhões de litros, o que correspondeu a uma queda de 2,8% em relação a 2015.

O médico veterinário do Deral (Departamento de Economia Rural) da Seab (Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento), Fábio Mezzadri, relata que o Paraná teve uma pequena reação frente aos outros estados, mesmo em um ano difícil, de crise econômica e menor consumo do leite e derivados lácteos, que sustentam essa cadeia. "Com os preços altos do milho no ano passado, muitos saíram da atividade ou reduziram a produção. Mas os que permanecem, estão cada vez mais profissionalizados, tecnificados, trabalhando com genética dos animais e alimentação."

Segundo o especialista, a produção poderia até ter sido maior caso não houvesse este cenário econômico tão ruim. Neste ano, apesar dos preços menores, pelo menos o custo do milho caiu consideravelmente. Em contrapartida, choveu muito no início de junho, o que atrapalhou as pastagens de inverno e, depois, houve 50 dias de estiagem. "Mesmo com esses custos de produção menor este ano e o bom volume entregue no ano passado, o produtor ainda está pagando a conta dos altos custos de 2015 e 2016."

Sem chorar o leite derramado
Mesmo sendo produzido praticamente em todos os municípios do Estado e com um faturamento bruto (VBP) de R$ 6 bilhões ano, o fato é que os lácteos não estão em uma ilha, imunes a tudo que o País tem vivido. "Estamos enfrentando, como o Brasil inteiro, um crise econômica enorme, com o consumo bastante aquém de dois a três anos atrás, principalmente produtos de maior valor agregado. O consumo de leite fluído, seja longa vida ou pasteurizado, não tem grande influência nisso, embora o longa vida seja um formador de preços ao produtor. Com a queda nos valores e o preço no varejo abaixo de R$ 2,00, está sobrando no máximo R$ 1,00 ao produtor", explica o presidente do Conseleite (Conselho Paritário Produtores/Indústrias de Leite do Estado do Paraná) e coordenador da Aliança Láctea (que reúne PR, SC e RS), Ronei Volpi.

Atualmente, o valor do litro, de acordo com o Deral, é de R$ 1,18 pago ao produtor em setembro (referente a agosto), a pior marca em 12 meses. Volpi relata que os preços elevados no meio do ano passado foram "pontos fora da curva" devido a uma situação climática associada à dificuldade de produzir alimentos aos animais. "O primeiro semestre deste ano voltou a ser favorável, com preços compensadores ao produtor, uma ótima safra para a produção de forragem e silagem como também as rações caindo de preço. No segundo semestre essa curva se inverteu e o descontentamento é muito grande, não só no Paraná como em outros estados."

Mas a bem da verdade é que essa montanha russa de situações enfrentada pelo setor não pode ter mais espaço. Não dá pra ficar chorando o leite derramado. O trabalho precisa ser de médio longo prazo, pensando no futuro da atividade. "Dia 17 de outubro estava em Brasília para uma discussão do plano estratégico do leite. Tudo que está acontecendo agora já ocorreu várias vezes. O Brasil está crescendo em ritmo bastante acelerado, principalmente a região Sul, com 37% do volume nacional. Ultrapassamos o Sudeste e nós vamos ter que nos preparar para ter uma equivalência de competitividade com o mercado internacional. Para isso, temos uma série de lições de casa para fazer", alerta o presidente do Conseleite.

O início, segundo Volpi, está na profissionalização do negócio. Existem ainda muitos produtores com escala baixa de produção e precisando melhorar a qualidade disso. "Para ser competitivo no mercado internacional, temos que trabalhar com um leite na faixa de US$ 0,35 o litro, que não é a realidade de hoje. Temos que nos preparar, sem sombra de dúvidas, no setor primário e industrial, para termos condições de competir no mercado externo como aconteceu com o setor de carnes estadual (aves, bois e suínos), esse é o nosso futuro."

A qualidade passa por diversas frentes – terra, animais, mão de obra – juntamente com a profissionalização dos produtores e a sustentabilidade de tudo isso. Hoje, segundo Volpi, a média paranaense é de três mil litros de leite por vaca ano. "Com os mesmos animais, podemos dobrar essa produção. Uma pessoa ocupada na propriedade precisa produzir 500 litros ano para a atividade ser remuneradora, para que a agricultura familiar tenha dignidade. Temos tecnologia mais que suficiente para isso."

As ações nesse formato, sem dúvida, vão "peneirar" quem permanece na atividade. "Para os que querem progredir, é importante um reforço na assistência técnica. Já os que não querem ou são apenas 'extrativistas do leite', no curto ou médio prazo vão sair da atividade naturalmente, como aconteceu em outros segmentos (do agronegócio)."

[local="20171021-2990"]


PR tem capacidade industrial pequena e ‘joga’ produto no mercado
Na região de Londrina e cidades vizinhas, o que se percebe é uma queda dos produtores de leite nos últimos anos. Segundo o médico veterinário da Emater, Paulo Hiroki, que atua na macrorregião Norte com 90 produtores, o que se percebe é um deslocamento da produção para o Centro Sul. "Isso acontece em função das próprias características da região, com presença da família no meio rural e pessoas mais jovens na atividade. Aqui as pessoas estão ficando velhas para a produção e não tem sucessão." Hiroki cita outros pontos, como a valorização da terra na região e o foco em diferentes atividades, como a soja, ou o próprio arrendamento da área.

Mas de forma geral, apesar dos bons volumes produtivos em 2016, para o veterinário o caminho do Estado, de fato, precisa passar pela qualidade em detrimento do volume. Segundo ele, o que aconteceu no ano passado está ligado diretamente aos preços daquele momento. "O valor de quase R$ 2,00 o litro fez com que potencializasse a entrada de novos produtores, o que fomentou a exploração das áreas com animais. Acabou sendo um balanço positivo na conjuntura de mercado".

De qualquer forma, ele considera que a evolução da cadeia estadual está diretamente ligada às melhorias dos parâmetros de qualidade. "Dentro desse contexto, o Paraná busca sensibilizar a indústria, laticínios, para deixar de fazer o leite spot – que você coloca prontamente no mercado – para fazer um leite processado, de alto valor agregado, queijos diferenciados, iogurtes. Exceto a região de Castro e a Confepar, com alguns produtos, nossa capacidade industrial é pequena e jogamos leite no mercado. Temos que aumentar o mix e parar de brigar nessa linha de leite longa vida, que não evolui o negócio."

Para que haja uma propriedade ajustada no sentido de atender uma demanda industrial como essa, é necessário investimento, pensando em manejo, em alimentação estocada, sanidade, certificação, o que influi diretamente em melhorias da qualidade do leite, como teor de gordura, proteínas, número de bactérias, entre outros. "Hoje, dos 90 produtores que atendo, tenho 70 que estão tudo nos conformes e 20 que precisam atender essas demandas."

Parceria com indústria para melhorar qualidade
Pensando em ações que fomentem a qualidade do leite, o Sebrae apresentou recentemente uma proposta de parceria para que as usinas que participam do programa Leite das Crianças atuem nesse sentido. A iniciativa faz parte das ações do projeto do Paraná dentro da Aliança Láctea Sul Brasileira, que reúne os três estados do Sul. A adesão é voluntária e conta com o aval da Seab (Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento), que tem como foco tornar o Paraná o primeiro estado produtor de leite em qualidade.

A proposta foi apresentada para representantes de 26 usinas fornecedoras do programa e 15 concordaram com a adesão voluntária. O Sebrae tem R$ 350 mil para investir na parceria. Segundo a coordenadora Andreia Claudino, os recursos do Sebraetec cobririam cerca de 70% dos custos necessários para melhorar os indicadores zootécnicos do leite. As usinas entram com o restante.

A proposta será executada em parceria com a APCBRH (Associação Paranaense de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa), que mantém um laboratório para avaliação, além do Senar, Emater, Ocepar e Faep. "O projeto está em fase inicial e o foco é justamente essa questão da profissionalização, ganho de escala, acompanhamento de custos, com a indústria participando e colocando a assistência técnica nesse trabalho (de qualidade). O conhecimento é fundamental para que a cadeia avance", explica o presidente da Conseleite e coordenador da Aliança Láctea, Ronei Volpi.

O Senar promove cursos e treinamentos com os produtores para que eles melhorem em aspectos como nutrição, sanidade e genética. "Enfim, tem espaço para a melhoria dos índices zootécnicos que podem contribuir para elevar a renda para os produtores a partir dos avanços em qualidade do leite", disse a representante do Sebrae.