Diante da maior oferta interna e também mundial de trigo – principalmente após a colheita recorde da safra nacional no ano passado - pesquisadores do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) apontam que entre agosto de 2016 e o último mês de março as importações acumuladas são as maiores em pelo menos 21 anos da série histórica.

Foram 5,16 milhões de toneladas de trigo que entraram no País, quantidade 46% superior à do mesmo período da safra anterior. Ao somar aos estoques iniciais do ano-safra da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com a produção de 2016, a disponibilidade interna chega a 12,7 milhões de toneladas, contra 12,2 milhões em toda a safra anterior. Ainda que a Conab estime importações brasileiras de 5,95 milhões de toneladas entre agosto/16 e julho/17, os especialistas comentam que o ritmo das compras externas nos últimos meses deve ser muito maior. Os dados são da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

Somente em março, as importações cresceram 22% em relação a fevereiro, somando 588,1 mil toneladas. Do volume importado, a Argentina respondeu por 85,1%, os Estados Unidos, 11,3%, e o Paraguai, 3,47%. Já as exportações diminuíram 40% de fevereiro para março, totalizando 125,6 mil toneladas. Entre agosto/16 e março/17, foram exportadas 526,7 mil toneladas, 43% abaixo do volume embarcado no mesmo período da temporada anterior.

De acordo com o analista do Cepea e professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Lucilio Alves, tais números envolvem uma série de fatores importantes. "Hoje temos um estoque de trigo em nível mundial bom, o que derrubou os preços. Essa oferta está atrelada a prazos de pagamentos e juros muito menores do que as condições brasileiras. Ou seja, é mais atrativo trazer esse produto de fora".

No que diz respeito ao comparativo do trigo de qualidade argentino com o brasileiro e se isso aumenta a demanda dos moinhos nacionais, Lucilio relata que esse campo é bem "obscuro", mas dá um exemplo bem interessante que mostra mais a força de mercado do que qualquer outro cenário. "Os agentes (moinhos) reclamam de qualidade do produto nacional, mas na semana passada nos deparamos com uma situação contrária: eles criticaram o importado, optando por compras no mercado nacional".

Outro exemplo dado pelo especialista no mínimo confrontador é que quando existe uma aquisição governamental subsidiando as aquisições domésticas, os moinhos, segundo Alves, "se debatem" para participar e adquirir esse produto a preços melhores. "Se o problema é qualidade, nem intervenção governamental os levaria a adquirir o produto, certo? Vejo isso mais como um poder de mercado dos moinhos, que exercem pressão sobre os preços a pagar e ao mesmo tempo têm acesso ao mercado internacional com condições mais atrativas do ponto de vista financeiro." (V.L.)