O processo permite "desligar" ou "ligar" características interessantes por meio da troca de bases em um DNA, sem necessariamente ingerir um gene completo de outro ser, como ocorre nos transgênicos
O processo permite "desligar" ou "ligar" características interessantes por meio da troca de bases em um DNA, sem necessariamente ingerir um gene completo de outro ser, como ocorre nos transgênicos | Foto: Shutterstock



Um dos conceitos da teoria da seleção natural, de Charles Darwin e Alfred Wallace, afirma que as características mais necessárias à sobrevivência de um organismo são passadas às gerações seguintes por meio da reprodução dos indivíduos mais fortes, enquanto outras deixam de ser desenvolvidas. O meio é um dos atores nesse processo e faz com que um animal mais resistente a uma doença, por exemplo, sobreviva e repasse essa defesa aos filhos, ao longo de muitos anos. Imitar esse processo em laboratório é a proposta da edição de genoma de precisão, ou tecnologia CRISPR (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats).

A proposta, que já é usada em produtos como milho, cogumelo, maçãs e vacas, permite "desligar" ou "ligar" características interessantes por meio da troca de bases em um DNA, sem necessariamente ingerir um gene completo de outro ser, como ocorre nos transgênicos. Membro da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) e pesquisador da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno afirma que o processo terá aplicação e impacto diretos no mercado de sementes nacional.

Ele explica que todos os seres vivos são originários de uma bactéria, há 3,8 bilhões de anos. "Se comparar o DNA de um ser humano com o de uma bactéria, vai ver que 30% é igual e ao de uma planta, 50% é igual. Então posso buscar no DNA da soja uma sequência que é 60% igual à de uma bactéria, mas que, quando evoluiu, perdeu a função", diz.

O pesquisador da Embrapa Soja Alexandre Nepomuceno tratou sobre a edição de genoma de precisão, ou tecnologia CRISPR no 20º Congresso de Sementes
O pesquisador da Embrapa Soja Alexandre Nepomuceno tratou sobre a edição de genoma de precisão, ou tecnologia CRISPR no 20º Congresso de Sementes | Foto: R.R.Rufino/Abrates



Por meio da edição de genoma, ele afirma ser possível trocar uma base nitrogenada na soja para imitar o gene da bactéria, sem precisar transferi-lo, como nos transgênicos. A raça de vaca chamada belgian blue, por exemplo, tem um defeito no gene chamado miostatina, o que faz com que o animal produza uma sobrecamada de carne de 15% a 20% maior do que de outras raças. "Sequenciaram o DNA da belgian blue e foram ao do nelore. São duas bases nitrogenadas que, quando trocadas, alteram a estrutura da proteína para dar esse efeito", conta.

Outra alteração possível foi feita na vaca holandesa, com origem em um gene observado na raça angus que faz com que fiquem sem chifres. "Na produção leiteira é importante ter animais sem chifre, porque podem machucar o tratador e outros animais, então normalmente os chifres acabam cortados e, aí sim, isso gera sofrimento ao animal. Chineses e americanos já fizeram vacas holandesas com essas mutações e sem chifre."

Ele afirma que a mutação já ocorre na natureza. "Só se está reproduzindo isso em outra raça que, se fossemos fazer por cruzamento, demoraríamos anos para chegar ao mesmo resultado", diz Nepomuceno.

LEGISLAÇÃO
O membro da CTNBio afirma que a Argentina saiu na frente e fez uma normativa que aponta que, em casos simples de mutação, não é preciso fazer todo o processo de regulamentação de um transgênico. Estados Unidos, Canadá e Japão já seguiram a mesma linha, o que tende a baratear custos e facilitar o lançamento de novas cultivares. "Com os transgênicos, criou-se uma paranoia tão grande que o custo para produzir um está na casa dos US$ 140 milhões, dos quais só a desregulamentação são US$ 75 milhões", diz.

O debate dura dois anos no Brasil e Nepomuceno espera que a proposta seja aprovada até novembro. "Temos Embrapa, centros de pesquisa e universidades que têm coisas maravilhosas e que não conseguem tirar do laboratório e colocar em campo, porque existe um monte de burocracia", conta. Ainda haverá consulta prévia ao CTNBio, diz. "Ao reduzir o custo para o desenvolvimento de novas cultivares, a tecnologia permite a entrada de novos players no mercado", conclui.