O peso do corpo parece ter triplicado nos últimos dias, é como carregar uma cruz. Cabeça cansada, colarinho apertado e o olhar fixo nos ponteiros do relógio rumo às seis da tarde. Depois de 20 anos atrás de planilhas, números, pesquisas e reconhecimento, finalmente poderei voltar ao sítio em que nasci.
Engraçado é lembrar como eu gostava daquele lugar, mas meu coração jovem na época pedia para que eu deixasse aquela vida o mais rápido possível. Influência dos meus amigos de terras vizinhas, que um a um foram partindo da casa dos parentes rumo a um mundo que quase não conheciam.
Eu fiquei um pouco mais, permaneci até os 18 anos realizando todo o tipo de tarefa que pudesse trazer calos as minhas mãos. Meu pai dizia que eu só me tornaria um homem de verdade quando minhas mãos fossem semelhantes às dele. Mesmo que minha paixão fosse pelos livros de matemática, pelos menos metade dos meus dias por muito tempo foram dedicados a cortar lenha, arrumar uma cerca ou outra, consertar o trator e outras tarefas estafantes.
Quando deitava no pasto no final do dia, muitas vezes com o céu já estrelado, minha diversão era contar as estrelas e procurar relações matemáticas entre elas, mesmo que os teoremas não tivessem sentido algum, apenas frutos da minha cabeça.
A cada dia que nascia, bem cedinho, mamãe vinha até meu quarto e me dava forças para enfrentar a escola rural e, logo na sequência, os trabalhos do sítio. Meu pai se orgulhava quando eu mostrava meu lado mais rude, fazia os serviços com empenho, que traziam aquele suor misturado com terra: uma vitória para ele.
Quando completei a maioridade e minhas mãos se tornaram calejadas o bastante para uma nova vida, meu pai não pode mais me deter. De cara amarrada, deixou-me partir do sítio e ir atrás dos meus sonhos que envolviam o mundo dos números e da matemática.
Volto a pisar nesta terra batida e desta vez que os algaritimos não estão ao meu favor. Eles estão na regressiva para a partida do meu velho pai, que ao contrário de mim, nunca quis deixar este lugar. No final de sua vida, ele sorri para mim e esboça um carinho. Nenhum cálculo ou título que ganhei durante estes anos podem trazer aquele tempo de volta. O arrependimento bate na porta do meu coração. Meus olhos se fecham instantes antes do dele. Não tenho mais coragem de permanecer ali, não há tempo para lamentações. A cruz que carrego se torna real.
Victor Lopes é jornalista na FOLHA