No sítio, desde pequenininho, a gente aprendia a apreciar o café de uma maneira toda particular. Não era só pela bebida, pois na minha época não se consumia achocolatado - até existia, mas era caro e acessível a poucas famílias. Tampouco havia ligação apenas com o trabalho, já que a lida no cafezal exigia do corpo uma força gigantesca. E também não tinha a ver apenas com o lucro que aqueles grãos proporcionavam. Quando o tempo ajudava, o agricultor conseguia um bom lucro com a cultura e toda a família se satisfazia.
Lá em casa, a relação de todos com o cafezal era construída desde a tenra idade. Eu, por exemplo, caçula que era já seguia com minha mãe no meio da tarde até onde meu pai e parentes trabalhavam para levar justamente o café da tarde. Garrafinha cheia da bebida preparada pouco tempo antes, sacola de pano com um bom pão caseiro e biscoitos de polvilho. Íamos nós pela estradinha de terra empoeirada pela secura do inverno.
Assim que nos avistava, meu pai parava de trabalhar e se ajeitava na sombra de um pé de café. Enquanto minha mãe servia o cafezinho fresco ele aproveitava para tomar um gole d'água. Depois, todos se sentavam na terra e comiam juntos.
Vez ou outra, minha mãe ia embora e eu ficava no cafezal. Corria pelas ruas com os cachorros, pegava os grãos que caíam fora da peneira, limpava os espaços entre um pé e outro. Caçava os filipes nas sacas já colhidas. Era uma festa quando conseguia encontrar os grãozinhos gêmeos.
O trabalho no cafezal durava o ano todo. Era um tal de tirar erva daninha, plantar o feijão no meio dos pés para garantir uma renda extra, podar e substituir as árvores mortas, entre outros afazeres. Na maior parte do tempo, eu ficava em casa e só os mais velhos é que tinham que se ajudar nas muitas tarefas.
Os dias com minha mãe, porém, tinham pelo menos uma compensação. De tempos em tempos, ela acendia o fogão a lenha, separava uma quantia boa de grãos, colocava no torrador e a gente ficava espiando até subir aquele cheiro de café torrado. A missão era difícil e pesada, pois exigia força e a exposição ao calor. Ela suava mas não arredava o pé. Depois de horas, ela abria a portinhola e conferia se os grãos estavam no ponto. O aroma dominava toda a vila.
Depois de torrados, ela preparava o moedor e ia jogando as pelotinhas pretas aos poucos, com paciência. Do outro lado, caía o pó já pronto para o preparo. Era um processo delicado e mágico, que só terminava quando ela servia mais uma xícara de café para cada um.
Luciano Augusto é jornalista na FOLHA