Imagem ilustrativa da imagem Dedo de Prosa



A entrevista
Na década de 70, os jovens daquela cidade pequena eram muito idealistas, se não tinham coisas para fazer, inventavam, se não havia lazer, organizavam shows, festivais de música, teatros, brincadeiras dançantes, enfim, queriam ser protagonistas daquela vida simples, apesar de um tanto ingênuos frente à realidade que tomava conta do país. O que não faltava era alegria de viver!

Certa vez resolvemos fazer uma entrevista com o prefeito para publicar no jornal de uma cidade vizinha,porque o que tínhamos era um boletim da comunidade, feito em mimeografo à tinta, quando não, a álcool. Este fazia sucesso, denunciava uns malfeitos das cidade e anunciava os acontecimentos, festas, jogos de futebol, gincanas e outras atividades comunitárias. Mas o outro era de verdade!

Eu e uma amiga agendamos com o prefeito, providenciamos um gravador, daqueles grandes com fita cassete, que fazia um barulhinho, escrevemos uma pauta de perguntas sobre a administração e lá fomos, "as repórteres em ação".

Foi tudo bem-sucedido, o Prefeito queria mostrar o que havia feito , os planos que não deu para cumprir, os problemas, os esforços, enfim,mostrar serviço. E a gente lá, na maior atenção, gravadorzinho ligado, anotações taquigráficas, sem foto - não tínhamos máquina fotográfica -, mas o próprio jornal Regional se encarregaria de colocar uma foto da cidade.

Terminada a entrevista, saímos correndo para a redação final, na maior expectativa! Ligamos o gravador, ouvimos nossas vozes cumprimentando o prefeito e...mais nada!!! O gravador havia falhado, desligara no início. Primeiro foi a cara de espanto! E agora? Depois o riso solto, as gargalhadas ao perceber a enrascada em que havíamos nos metido. E agora?

Apelamos à memória, pusemos palavras na boca do Administrador como ele nunca havia dito! Ficou ótima. Datilografamos, no maior capricho e enviamos para o Jornal.

Assim que a publicação saiu, fomos chamadas à Prefeitura. Ficamos felicíssimas, toda a cidade leu sendo notícia no Jornal de Colorado.

O Prefeito, muito atencioso, nos agradeceu, com um porém: "Eu não falei que ia asfaltar as ruas, mas ‘abaular’ devido às erosões frequentes"... Minha amiga, na maior cara de pau, respondeu: "Para o futuro, Prefeito, daqui uns 20 anos". E acho que foi por aí mesmo.

Foi uma experiência muito boa, mas não foi a única. Divulgamos no Boletim da Comunidade, que o Veículo Condutor de Lixo Municipal( no caso, uma carroça) deixava de passar por algumas ruas... E lá vamos nós na Prefeitura. Desta vez para nos agradecer e dizer que tomariam providências. Outra vez fomos chamadas na Delegacia por ter denunciado "uns probleminhas" para os quais o Delegado fazia vistas grossas. Aí teve que entrar padre no meio, mãe, responsável pelo Grupo de Jovens.

Para nós era tudo um aprendizado, um ensaio para a vida, felizmente para a responsabilidade, a honestidade, a solidariedade humana. Íamos nos preparando para o futuro, que chegou, e já está ficando para trás, porém, o que é essencial ao ser humano , a alegria e o entusiasmo, não muda muito: vai ser repetido pelos filhos, pelos filhos dos filhos, pelos netos... e ser contado, com saudade e nostalgia, num Dedo de Prosa, lembrando aquele tempinho bom.

Estela Maria Frederico Ferreira é leitora da FOLHA