Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA



O jogo
No silêncio da tarde, quando a pequena cidade parecia dormir, preguiçosa e vazia, uma forte batida ecoava no ar, quebrando aquela monotonia. Era um dia desses em que chove de manhã e na metade da tarde brilha o sol, despertando para um recomeço das coisas simples e boas da vida.
O barulho parecia ser ouvido e entendido por algumas pessoas, especialmente. E essas pessoas, ao arremesso único de uma bocha, na Cancha do Salão paroquial, convergiam para o local, alegres como se fosse um ponto de encontro entre bons e velhos amigos... A maior parte velha mesmo!
Andar lento, porém, firme, sorriso no rosto, olhar atento ao redor, como a confirmar se o sinal fora ouvido e dar início ao ritual. Quem tivesse a ideia e chegasse primeiro ao local dava o aviso!
Os companheiros caminhavam barulhentos, riso solto, gritos eufóricos. Meu avô Mário era um deles. Quando ele ouvia o barulho, dizia: "Olha, escuta". "Escuta o quê?", a gente respondia. "Tem jogo." E corria, literalmente, para o local.
Após a primeira batida, como se fosse o martelar de uma araponga, outros homens começavam a pipocar nas ruas, parecendo dia de festa. Lembro até o nome de alguns amantes do bocha, como o José Maratta, o Antonio Barbeiro, o velho Pessuti, além de muitos e muitos outros que, mesmo não lembrando os seus nomes, não esqueço a alegria estampada nos rostos familiares. De uma hora para outra, como se costumava dizer, animava a cara da cidade.
Eu costumava olhar o campo de bocha, ou cancha; era gostoso de pisar, dava para jogar outras coisas ou simplesmente passar em cima e deixar marcas dos pés descalços. E até via os homens jogarem, às vezes, quando ia chamar meu avô. Mas achava tão sem graça aquela bola pesada e não conseguia, nem queria, entender as regras, a concentração, a "mirada no bolim", lançado previamente, para então atirar. E despertar a cidade de sua inércia habitual.
Havia uma parada para contar os pontos, quando os jogadores discutiam e gritavam, quase tão alto quanto o barulho da bola de madeira. A maioria dos jogadores era formada por descendentes de italianos. Conforme alguns historiadores, o jogo de bocha teve origem na Itália e, pela algazarra dos jogadores, não dá para duvidar. "Boccie, botchie" era o sotaque do meu avô para o nome do jogo.
Como o tempo costuma filtrar as lembranças e nos faz entender a razão dos fatos, acabei aprendendo muito com esse jogo, apesar de não entender as regras nem achar nenhuma graça: a importância do esporte como equipe, o valor da amizade, a beleza das coisas simples, a sintonia dos pensamentos, a força que pode ser espalhada através de um sinal; desde que seja entendido como um convite à alegria de viver.

Estela Maria Frederico Ferreira é leitora da FOLHA