Evitar estresse, sofrimento e maus tratos, garantir conforto térmico, alimentação de qualidade e saúde, desde o nascimento até o abate. Esses são alguns dos preceitos defendidos pela teoria do bem-estar animal e que estão cada vez mais presentes na produção de alimentos. Além da preocupação ética, o manejo feito de acordo com as exigências do bem-estar animal garante maior produtividade e qualidade do produto final.
Cada país impõe regras próprias dentro do conceito de bem-estar e no Brasil o Ministério da Agricultura é responsável pelo fomento dessas ações, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (SDC). O Programa Nacional de Abate Humanitário (Steps), desenvolvido em parceria com a Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA), defende o conhecimento do comportamento animal para o uso de estratégias de manejo consciente.
Entre os cuidados previstos ainda durante o período de produção estão dieta balanceada, condições higiênicas, instalações adequadas e sanidade. O transporte costuma ser um dos pontos mais delicados, pois exige investimento em veículos adaptados e capacitação dos funcionários responsáveis pelo trato dos animais. No manejo pré-abate, os cuidados são intensificados para diminuir o estresse e seguem até o momento de insensibilização que antecipa o abate. O manejo inadequado afeta a qualidade da carne em fatores como cor, pH, consistência e durabilidade, além disso, eventuais hematomas e contusões podem reduzir o rendimento das carcaças.
''Mesmo que seja curta, a vida dos animais de produção deve ter qualidade'', defende o professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL), José Antonio Fregonesi. De acordo com esse ponto de vista, o sofrimento deve ser minimizado e o status afetivo maximizado. Especialista na área, o professor é tradutor do livro ''Compreendendo o Bem-estar Animal - a ciência no seu contexto cultural'', de autoria de David Fraser, publicado este ano pela Eduel.
Fregonesi explica que a cultura influencia o modo como as sociedades enxergam e tratam os animais. No Ocidente, de forma geral, a própria Bíblia mostra o relacionamento entre homens e animais de duas formas: em uma delas o homem assume função de comando dos animais e, em outra, a relação se baseia em uma parceria. A mitologia e as histórias infantis também contribuem para a construção da maneira de tratamento dos animais, sejam eles domésticos, de produção ou selvagens.
O debate sobre o bem-estar animal teve início na década de 1960, com destaque na Inglaterra. Mas até hoje a definição do conceito ainda não é um consenso. Uma das linhas interpreta o bem-estar como a garantia da saúde do animal, outra afirma que o critério de avaliação deve ser o estado afetivo do animal - cuja mensuração ainda é um desafio -, e a terceira visão defende que o bem-estar é garantido quando o animal está em condições de vida natural condizentes com seu processo evolutivo. No entanto, Fregonesi avalia que a definição do que seria a ''vida natural'' ainda é imprecisa do ponto de vista científico. ''A teoria do bem-estar é utilitarista e defende o uso do animal, desde que haja condições favoráveis para garantir qualidade de vida'', ressalta.
Na Europa, e mais especificamente na Alemanha e Inglaterra, as exigências de bem-estar animal têm grande peso na produção de alimentos. Como consequência, o Brasil segue atrás do cumprimento das exigências para garantir mercado consumidor externo. Segundo o professor da UEL, a indústria geralmente impõe um padrão de qualidade da matéria-prima, que sua vez é uma exigência do mercado consumidor internacional, e o fornecedor precisa atender os critérios no momento da produção e transporte dos animais. ''É raro perguntarmos se há ética no que comemos'', comenta Fregonesi.