Sentar-se à mesa para as refeições, mais do que uma recomendação dos nutricionistas para uma boa alimentação, também é uma oportunidade para que a família se reúna e tenha um momento junto. Na correria do dia a dia, porém, nem todos conseguem estar em casa ao mesmo tempo. O que fazer então? Esforçar-se e mudar um pouco a rotina é a indicação dos especialistas.

"Fazer pelo menos uma refeição juntos depende de organização e também de definir o que é prioridade. Entendemos que nem sempre é possível que todos voltem para casa no horário do almoço, mas a reunião pode ser feita em um restaurante perto da escola dos filhos ou do trabalho do casal. Claro que em casa é o nosso canto, onde ficamos à vontade, mas o importante é promover esse encontro de alguma forma", explica Karla Suenson Sales, psicóloga especialista em terapia de casal e família.

Outra recomendação importante é de que esse momento, que também pode ser no jantar ou no café da manhã, seja totalmente dedicado à família, sem a interrupção de celulares, tablets, televisão e outros. Em sua prática de consultório, ela conta que é bastante comum ouvir reclamação de que apesar da pessoa estar à mesa, permanece no celular, alheia ao que se passa em volta. "Se é prioridade ter uma família é preciso demonstrar isso na prática."

Para a especialista, as famílias pós-modernas estão numa luta desenfreada para preencherem um vazio deixado pelo "enfraquecimento das conexões". Buscando ter sempre mais, podem acabar tornando essa busca algo patológico, quando trocam o "ser" pelo "ter".

"A consequência desta desarmonia é facilmente sentida nos relacionamentos, pois, apesar das mudanças sociais, as pessoas ainda clamam veementemente por conexão e pertencimento. Uma das formas de se utilizar da rotina diária para promover os relacionamentos é juntar a família ao redor da mesa. Ao sentar com o cônjuge e com os filhos, desenvolvemos muito mais do que a saciedade física de nossas necessidades. Temos a rica oportunidade de treinarmos nossa habilidade de ouvir, de ensinar, de aprender, de partilhar, de 'sentir' quando alguém não está bem e de 'pertencermos'. O interessante é que só se pode construir este nível de intimidade quando se está realmente conectado a outro ser humano. E para que esta conexão ocorra, é fundamental que nos desconectemos temporariamente de todas as outras coisas, inclusive de nossos 'imprescindíveis' brinquedos tecnológicos, sem os quais não conseguimos mais viver. Aí é que entra a inversão total de valores: damos preferência a contatos virtuais e superficiais em detrimento ao tempo de qualidade e conexão com aqueles que mais amamos", critica Sales.

Ela lembra que muitos pais, ao verem os filhos adolescentes e por terem a rotina atribulada, passam a se preocupar apenas em deixar comida na geladeira, pois acreditam que estes estão grandes o suficiente para se cuidarem. Esquecem-se, entretanto, de que os filhos precisam de cuidados e atenção em qualquer tempo.

"O adolescente fica muito largado, sem supervisão e começa a fazer várias coisas para chamar a atenção e os pais não sabem o que aconteceu. Quando não investimos em nossos relacionamentos de forma adequada, tanto nós quanto aqueles que amamos, corremos risco de desconexão, que pode gerar inúmeros sintomas emocionais. Quando descobrirmos o quão preciosos são estes momentos de sentarmos em família ao redor da mesa, onde podemos receber o alimento físico e emocional por meio da troca, talvez comecemos a priorizá-los, transformando-os numa rotina obrigatória em nosso dia a dia", destaca.

Viviane e Rainer Alexandre com os filhos Jhonatan, 23, e Gabriel, 17: relação saudável
Viviane e Rainer Alexandre com os filhos Jhonatan, 23, e Gabriel, 17: relação saudável | Foto: Roberto Custódio



Almoça junto todo dia...
Família moderna, jovem e que mantém as tradições. A mãe, Viviane Alexandre, 42, trabalha fora no período da manhã, a rotina é corrida, mas faz questão de ter o almoço pronto todos os dias à mesa. O pai, Rainer Alexandre, 42, entre um trabalho e outro, adianta o que é possível. Para os filhos, Jhonatan Alexandre, 23, e Gabriel Alexandre, 17, a refeição no meio do dia é o espaço de tempo entre o expediente cheio. Na hora do almoço, a casa se torna o ponto de chegadas e partidas.

"Meus pais já tinham esse costume de ter as refeições sempre à mesa", conta Viviane. "É um hábito que surgiu naturalmente", acrescenta Rainer. Eles não sabem exatamente como essa rotina se estabeleceu, mas confirmam que para que aconteça, exige um esforço. "Eu acordo mais cedo e deixo o almoço pré-pronto, lavo as verduras, uso a panela de arroz, tempero a carne e aí vou trabalhar, quando eu chego, já está mais fácil para dar continuidade", explica a mãe.

O marido tem trabalho fixo no período da noite e atua como comerciante no período da manhã, sua rotina do dia é flexível, por isso, quando pode, adianta os trabalhos na cozinha. Como o almoço é uma das únicas refeições em que todos podem estar presentes, valorizam esse tempo. "À noite o pai não está, então o almoço acaba sendo nosso tempo de maior união, porque o café da manhã também não bate, cada um sai em um horário diferente, mas no almoço a gente se esforça para estarmos juntos", explica a mãe.

O filho mais novo é o que possui atividades mais distantes da casa, ele usa o transporte público para sair do colégio, chega, almoça e já sai para o cursinho pré-vestibular. "Já aconteceu algumas vezes de a gente ter que comer mais cedo por algum motivo e ele chegar e falar 'nossa, ninguém me esperou?'", ri a mãe, contando que eles sentem falta quando não estão todos. O mais velho trabalha em período integral perto de casa, então comer em casa fica mais fácil.

Porém, mesmo com tanta correria, algumas regras são cumpridas, os pais não gostam que usem o celular à mesa e pedem que evitem palavras desagradáveis durante as refeições. No entanto, a TV fica ligada, próxima à mesa. "Eles gostam de ver algumas coisas, mas não atrapalha, a gente conversa bastante durante as refeições, é nessas horas que a gente vai se ajeitando, dando recados, aviso, acertando a rotina", relata Viviane.

Algumas notícias também são dadas à mesa. "Um dos meus filhos usou o horário de almoço para contar o término do namoro, aproveita que já está todo mundo junto para falar", lembra a mãe. São essas conversas que tornam o momento especial e a família mais unida. "Hoje em dia está mais difícil, a correria do dia a dia está acabando com esse momento em família", opina Rainer. "Antigamente era questão de respeito, você tinha que sentar-se à mesa e esperar todos para iniciar a refeição", acrescenta Viviane.

O mundo contemporâneo torna esses momentos cada vez mais raros. Horários e atividades excessivas acabam diminuindo as relações durante as refeições, no entanto, a família demonstra que em meio à correria é possível se esforçar para manter a tradição. "É nessa união que se expõe tudo, conversa e se acerta. A nossa família é bastante unida", orgulha-se a matriarca.

Alimentando a alma
Foi ao ouvir sobre o número de divórcios entre casais que frequentavam as igrejas que a conferencista norte-americana Devi Titus começou a se questionar o que estava errado nos relacionamentos familiares. Ela percebeu que a hora das refeições estava sendo negligenciada devido à correria do dia a dia. Pesquisando na Bíblia descobriu uma série de eventos importantes que se passaram em volta do móvel e, analisando diversos estudos, observou que famílias que se sentam juntas para as refeições se saem melhor em todas as áreas.

O resultado de sua pesquisa está no livro "A experiência da mesa – O segredo para criar relacionamentos profundos". Tetus esteve em Londrina, juntamente com seu marido, Larry Titus, para participar da 10ª edição do High Tea, tradicional evento realizado na última semana em Londrina.

"A mesa de jantar é o único lugar em que a família se senta a um metro de distância, face a face, e conversa de trinta minutos a uma hora. É o lugar em que a alma é alimentada e o caráter formado. É ali também que a presença sobrenatural do próprio Deus vem para operar em nosso coração", diz em certo trecho do livro. (E.G)