"Eu quero que o cliente tenha a melhor experiência possível comendo a minha comida", diz Dona Lúcia, 53, segurando um filé de filhote
"Eu quero que o cliente tenha a melhor experiência possível comendo a minha comida", diz Dona Lúcia, 53, segurando um filé de filhote | Foto: Fotos: Anderson Coelho



Lucilene Gonçalves Torres, 53, mostra orgulhosa o filé de filhote que está prestes a temperar. São 9h da manhã e a barraca da Dona Lúcia, como é conhecida no mercado Ver-o-Peso, em Belém do Pará, está a todo vapor. De um lado, uma funcionária prepara a salada, enquanto outra está de olho no arroz e no feijão. "Eu divido as tarefas, mas o peixe quem tempera sou eu".

A carreira de Dona Lúcia no Ver-o-Peso, maior mercado a céu aberto da América Latina, começou há 20 anos. "Eu cheguei aqui vendendo churrasquinho". Mas foi bem antes disso que se tornou cozinheira profissional. Ela tinha 12 anos quando a patroa da casa de família onde trabalhava propôs um desafio: "eu vou te ensinar a fazer uma carne de lagarto e depois você vai ter que fazer melhor que a minha". Assistiu atentamente à mestra e conseguiu superar a receita. "Eu fiz uma coisa diferente, coloquei a carne na panela de pressão antes de levar ao forno e ficou bem mais macia. Ela provou e falou assim ‘agora eu sei que tenho uma cozinheira’."

Moqueca de pirarucu



A partir daí Dona Lúcia nunca mais parou de criar. E quando teve a oportunidade de abrir a própria barraca no Ver-o-Peso, em 2000, apostou no refinamento. "Eu nunca servi peixe com pele, com espinha, por exemplo, eu quero que o cliente tenha a melhor experiência possível comendo a minha comida." No ano passado, ficou em primeiro lugar em um concurso de culinária que a coroou como a melhor cozinheira do mercado. "Eu fiz uma dourada frita, com creme de castanha do Pará e uma farofa com jambu", conta.

O movimento diário em dias de semana é de cerca de 70 pessoas, que almoçam na barraca a partir das 11h30. De sexta e sábado, o número chega a 150. "Às 14h eu já não tenho mais nada para servir, tem que chegar cedo". As compras são feitas no próprio Ver-o-Peso. "Dá uns 20 kgs de dourada, 8 kgs de pescada, 12 kgs de filhote", ela lista. E a clientela é diversificada. De clientes locais até um grupo de chineses que sugeriu a ida de Dona Lúcia para Pequim, todos saem maravilhados pelos pratos. "Aqui sai de tudo, camarão empanado, filhote frito, pirarucu com angu de castanha-do-pará, salada de jambu com camarão."

Camarão empanado
Camarão empanado



Tanto sucesso faz Dona Lúcia sonhar com o futuro. "Eu quero ter um restaurante aqui em Belém, com estilo marajoara, rústico, sabe? mas que tenha um espaço melhor para receber as pessoas." No setor das "boieiras", como são conhecidas as cozinheiras do Ver-o-Peso, Dona Lúcia divide um espaço apertado com pequenas mesas de plásticos que acomodam quatro pessoas cada.

A partir das 11h, quando os primeiros clientes começam a chegar, Dona Lúcia deixa o posto de cozinheira, sai detrás do balcão e vai recepcionar as pessoas. Faz questão de cumprimentar todas as mesas enquanto sua funcionária vai anotando os pedidos. "Tratar o cliente bem, pedir opinião, perguntar se gostou, o que pode melhorar, tudo isso faz da minha barraca o que é hoje", conta.

Nas horas vagas a gastronomia também é protagonista na vida de Dona Lúcia. "Eu gosto de assistir master chef Estados Unidos e acompanhar o trabalho do chef Bobby Flay", diz, bem-humorada, enquanto propõe um desafio para o colega. "Se eu tivesse a oportunidade de participar de uma competição com o Bobby eu ia na hora". E a senhora não ia ficar intimidada pela fama dele? "Não porque eu sei que vou ganhar", e dá uma gargalhada.