Aos 16 anos, João Vitor Calvo, Paulo Okuno e Enzzo Liberatti desenvolvem a empatia através do trabalho voluntário: conduta iniciada na escola será levada para a vida toda
Aos 16 anos, João Vitor Calvo, Paulo Okuno e Enzzo Liberatti desenvolvem a empatia através do trabalho voluntário: conduta iniciada na escola será levada para a vida toda | Foto: Gustavo Carneiro



Tornar o voluntariado um hábito pode ser questão de incentivo, educação ou de compartilhar informação. Segundo pesquisa divulgada em 2015 pela Fundação Itaú Social, 72% dos brasileiros nunca atuaram em ações voluntárias. Os motivos são variados: falta de tempo (40%), não ser convidado (29%), não ter pensado sobre o assunto (18%) e não saber onde encontrar informações (12%).

Nos EUA, Canadá e países da Europa, muitas instituições de educação exigem dos candidatos a novos alunos a contribuição como voluntário em ações sociais. Pensando nisso, algumas escolas brasileiras começaram a incentivar os estudantes a praticarem esse tipo de atividade caso tenham interesse em estudar fora. Para alguns, o retorno foi muito maior que se esperava.

Paulo Okuno, Enzzo Liberatti e João Vitor Calvo estudam juntos no St. James International School, em Londrina. Amigos de infância, os adolescentes de 16 anos participavam de ações solidárias na igreja. "Eram mais visitas, um passatempo que incluía arrecadar ou distribuir objetos de necessidade", conta Calvo. Agora, no segundo ano do ensino médio, participam de projetos promovidos pelo colégio.

"Primeiro eles (o colégio) apresentaram o programa na sala de aula, como incentivo, porque o voluntariado também pesa bastante para quem quer estudar fora, mas hoje a gente faz porque gosta", explica Calvo. Os amigos participam do projeto como atividade extracurricular, a carga horária é de uma hora semanal, mas os trabalhos foram muito além disso.

Planejar, se relacionar, liderar, plantar, utilizar ferramentas, colher, vender pães, arrecadar, doar, distribuir, visitar, conversar, compreender, enxergar. Esses foram verbos presentes durante a entrevista da FOLHA. Entre as definições, a soma entre doar e receber: "O voluntariado é uma forma de ajudar os outros e ter a oportunidade de construir currículo melhor para o meu futuro, tanto pessoal, quanto profissional", defende Liberatti.

Para além do currículo, o voluntariado transformou também a visão de mundo. "Acho que me ensinou a ter mais empatia. Antes você via a pessoa necessitada e não entendia, hoje você pensa se aquela pessoa teve oportunidade", afirma Calvo. Para Okuno, além da doação de tempo e generosidade, o voluntário responde a um "impulso humano fundamental: vontade de colaborar, dividir alegrias, espalhar amor, aliviar sofrimentos e melhorar a vida do próximo", afirma.

Toda a atividade que praticaram (e ainda praticam) foi coordenada pelo Programa Atitude, que visa dar oportunidade para os adolescentes realizarem o trabalho voluntário de forma orientada e acompanhada. "É uma proposta de sistematizar uma filosofia que já era da escola, é buscar habilidades que podem ser compartilhadas e ao mesmo tempo ter postura para isso, ter comprometimento, se comportar de forma adequada", afirma a coordenadora Tatiana Jordão Maia.

A estratégia utilizada é a do protagonismo juvenil e empreendedorismo social para que a atividade seja prazerosa. "É dada muita liberdade, eles escolhem o que vão fazer, fazem as visitas e são comprometidos. A ambição é levá-los a entender que eles serão os gestores no futuro e este trabalho pode gerar uma gestão mais humanizada", afirma Maia.

O contato com o trabalho gera mudanças de comportamento. "É uma transformação. Vi filho que não falava com o pai e voltou a conversar, porque ele viu a realidade do mundo e o quanto ele não tinha problema", relata.

No decorrer do ano, os alunos produziram hortas na Toca de Assis, visitaram os adolescentes do Cense (Centros de Socioeducação), desenvolveram ações no Lar Maria Tereza, organizaram Bazar do Clube das Mães e arrecadaram mais de 10 toneladas de alimentos por meio da Gincana Solidária, além de outras atividades. "É a importância de compartilhar aquilo que eu tenho de melhor para que outros também tenham a oportunidade", finaliza Maia.

Tiro de Guerra foi o incentivo
Para alguns, o incentivo veio da escola, para outros, da igreja, para o empresário Gabriel Galdino, 24, o Tiro de Guerra foi um dos maiores motivadores para que caísse no mundo do voluntariado. Com entrada tardia, por conta de uma oportunidade de emprego nos EUA, Galdino se apresentou depois, formando-se aos 21 anos, e até hoje participa de ações voluntárias militares. "Muitas pessoas têm uma visão ruim do Tiro Guerra, mas para mim foi um crescimento. Me coloco à disposição até quando eles cansarem de mim", orgulha-se.

O alistamento militar é obrigatório a todos os jovens brasileiros do sexo masculino, no entanto, as atividades voluntárias, as chamadas missões, são apresentadas aos atiradores, que podem ou não participar, de acordo com a disponibilidade e interesse. "As pessoas se colocavam para fazer o trabalho. Dentro de cada missão, era sempre verificado a atuação de cada militar, se fosse avaliado negativamente, receberia uma punição, e se sobressaísse, teria uma menção honrosa", explica.

Depois de formado, o soldado tem o período de cinco anos para ficar à disposição do exército em casos de confrontos, mas Galdino continua disponível também para as ações sociais, como doação de sangue, escoltas, apoio organizacional em eventos, arrecadação e distribuição de alimentos, entre outros. "O Tiro de Guerra é uma escola de cidadania e civismo, a ideia é ter a disciplina militar para fazer com que os jovens se tornem presentes na cidade e entenda os problemas para se tornar um cidadão melhor. Como eu já me formei, vou como monitor, revejo amigos, que também já estão formados e continuam atuando", ressalta.

Galdino defende também que a forma como são passadas as instruções para o grupo muda a forma de ver, é como é incentivado para exercer o trabalho. "Eu mudei a maneira de enxergar o mundo, você não percebe o quanto as pessoas que estão próximas de você precisam de ajuda. Você vê as coisas para fora da sua janela", revela. (L.T.)

Potencializando o currículo
O trabalho voluntário, além de fazer bem ao próximo, também pode enriquecer o currículo. Muitos jovens procuram a atividade almejando uma vaga nas faculdades do exterior. Ao mesmo tempo, a ação atualiza a carreira ao adquirir habilidades e experiências de forma espontânea e gratuita.

Segundo Susane Zanetti, presidente da ABRH-PR (Associação Brasileira de Recursos Humanos do Paraná), o estímulo para as atividades em trabalho voluntário é muito forte fora do País, mas a valorização vem crescendo no Brasil. A gestora afirma que o reconhecimento parte do princípio de que a pessoa o faz de forma espontânea e dedicada. "A pessoa abraçou uma causa mesmo não sendo remunerada, ela está atuando com a mesma entrega que teria em uma atividade profissional", conta Zanetti.

Para empregados, desempregados, jovens sem experiência. O voluntariado é para todos e pode ser a oportunidade para se recolocar. "É comum que a autoestima fique rebaixada na pessoa desempregada, com o voluntariado ela continua desenvolvendo uma atividade que também é importante para ela", afirma. Ao mesmo tempo, a ação pode trazer visibilidade, pois amplia o networking, mantém a pessoa ativa e a expõe para vagas em potencial.

Aos já empregados, muitas entidades hoje oferecem programas de incentivo. "O trabalho pode ser dentro da própria empresa (trabalho voluntário empresarial) ou pode ser feito de forma individual, mas o funcionário precisa levar as duas atividades bem e é interessante que a empresa respeite, incentive e não desmotive", afirma.

Para quem ainda não conquistou o primeiro emprego, o voluntariado ajuda a desenvolver habilidades que serão valorizadas depois na busca pela vaga. "É uma forma de exercer competências ou habilidades que o mercado vai exigir. Mesmo os mais jovens, com 15 ou 16 anos, podem exercer e, quando veem, estão assumindo atividades importantes", informa.

Seja por realização pessoal ou profissional, as pessoas precisam valorizar o trabalho voluntário. "O voluntariado é um trabalho que desenvolve habilidades como liderança, comunicação, relacionamento, desenvolvimento de equipe. Eu estou orientando que as pessoas coloquem isso no currículo, elas nem sabem que isso pode ter valor", argumenta. (L.T.)

Os pais são os modelos
A ação do voluntário traz benefícios tanto para quem doa quanto para quem recebe. Segundo a psicóloga e psicopedagoga Carina Costelini Isper, o voluntariado desenvolve habilidades como empatia, sensibilidade, habilidades sociais, que vão auxiliar no contexto da vida. Portanto, as vantagens só aumentam quando estimulados desde cedo.

Em relação a família, Isper comenta que é possível incentivar a criança com alguns comportamentos: emprestar, ceder, compartilhar, doar, coisas que podem ser feitas desde pequenos. "Os brinquedos, o lanchinho, quando estimulamos, as crianças vão se familiarizando com essas atitudes e vão vivenciando os efeitos positivos delas", afirma.

Na escola, os projetos podem ir desde a doação de roupas, objetos e brinquedos, como fazer compreender por meio da participação na entrega. "Visitar uma instituição faz com que a criança participe e entenda que existem outras realidades", defende. Ao mesmo tempo, a psicopedagoga afirma que, às vezes, o simples fato de falar sobre elas mesmas já pode desenvolver a empatia.

Na infância, a atitude precisa estar mais presente de forma naturalizada para que a criança observe e repita os hábitos. "São as pequenas ações, algo mais natural, que façam parte do dia a dia. Os pais, além de estimular, são os modelos dos filhos. Não é só incentivar, mas ter comportamento como esses para as crianças observarem", finaliza. (L.T.)