Imagem ilustrativa da imagem PENSAR MAIS
| Foto: Shutterstock



A mesa desde a Antiguidade
O grande gastrônomo do século 19, Brillat-Savarin, já dizia que, para que se possa desfrutar o prazer da mesa em toda a sua extensão, é preciso que se tenha no mínimo quatro condições: que a comida seja ao menos passável, que se tenha um bom vinho, companhias agradáveis e tempo suficiente para desfrutar de tudo isso.

Desde a Antiguidade temos princípios que regem a partilha dos alimentos, transformando uma questão biológica em um fenômeno cultivado. O Novo Testamento nos traz as bodas de Canaã e a Última Ceia, nesses dois casos podemos ver exemplos de afeição e solidariedade. Na Grécia antiga partilhar a mesma mesa significava igualdade entre valores e poder político. Para a Roma republicana a refeição mais suntuosa e demorada era o convivium, que somava o lazer e o prazer de entreter a alma e a goela com deliciosas iguarias.

No final da Idade Média, um dos banquetes mais famosos foi o do duque Felipe, o Bom, a Festa do Faisão que aconteceu em 1454. Oferecido a 500 convivas, converteu-se em momento de grande ostentação. Dizem que os pratos eram tão imensos que era preciso carrinhos para os transportarem para as mesas. Havia um deles que era tão grandioso que tinha uma capela, nela um coro, e um pastel de carne cheio de flautistas.

Em meio aos grandes jantares renascentistas, o refinamento vai dando o tom e o garfo ainda causava espanto a alguns convivas. Um certo viajante inglês conta no final do século 16 que os italianos usavam um pequeno forcado para levar o bocado de carne à boca, reprovando quem ainda usava os dedos para tocar os alimentos.

A Revolução Francesa traz o conceito de grandes jantares comunitários, onde todos sentariam à mesma mesa colocando em prática os ideais de Igualdade e Fraternidade, o que na realidade não passou de ilusão. Mas é também nesse período que nasce uma nova concepção do comer, com o surgimento de um lugar público para isso, ou seja, os restaurantes, que acabam por tornar acessível as comidas sofisticadas, desde que, é claro, pudessem pagar por ela.

Chegamos finalmente ao período contemporâneo, em que a urbanização e as novas formas de trabalho deixaram as refeições mais íntimas, mais restritas à família. Mesmo que os horários escassos venham contribuindo para que esses momentos sejam cada vez mais raros, não deixaram de ser preciosos. Pois, como se vê, a mesa é símbolo de convivialidade, de partilha, de amizade. É expressão das boas relações familiares, da paz e da concórdia.

Comer e beber juntos é uma maneira de estreitar laços sociais, de negócios, de lazer. Também pode ser uma forma de expressar poderes, especialmente consagrados nos lugares em que cada um toma à mesa, tais como a cabeceira, ou o lado direito do anfitrião ou da anfitriã. Enfim, a mesa nos revela uma série de signos, podendo nos trazer boas lembranças, e suscitar sensações como conforto, amor e carinho.

Maria Cecilia Barreto Amorim Pilla, doutora em História, autora do livro "A arte de receber: distinção e poder à boa mesa" e coordenadora do Mestrado Interdisciplinar em Direitos Humanos e Políticas Públicas da PUCPR