A verdade por trás da sorte
Em pleno burburinho na bolsa de valores de Londres, o agente Geoffrey realizou uma aquisição no mercado de futuros. Em menos de 24 horas, decidiu vendê-la. Com o resultado da operação obteve uma comissão pessoal de cem mil dólares. Foi sorte. Ocorre que era uma quarta-feira e ele havia ganhado a soma de 90 mil no dia anterior. E 80 mil no dia anterior a este. É muita sorte, portanto.

Para vários indivíduos, sorte é sinônimo de trabalhar em sintonia com estados de espírito que simplesmente atraem bons resultados para os negócios. Geoffrey concordou em fazer parte de uma pesquisa científica cujos resultados foram publicados no periódico Scientific Reports, um braço da prestigiosa Nature, em setembro de 2016. Corretores de valores do mercado de ações como ele foram submetidos a extensos exames de imagem do cérebro sob a supervisão do neurocientista Hugo Critchley, da Universidade de Sussex.

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Chamou a atenção que embora as imagens do cérebro de Geoffrey não fossem diferentes de outras pessoas – vamos chamá-las de pessoas sem sorte –, uma zona parece ter mais autonomia. Chama-se de ínsula cerebral, uma pequena região que controla a lisura com que as operações internas do organismo são conduzidas.

Quando essas operações – digamos o batimento do coração – são processadas junto da análise de determinado portfólio, a pequena novidade é percebida pela ínsula; esta percepção, em alguns indivíduos, chega à consciência e é entendida como sinal verde para a tomada de uma decisão.

A ciência propõe que alguns indivíduos são capazes de avaliar as informações do mundo exterior juntamente com percepções internas. Os antigos se referiam a esse fenômeno como palpite ou sacada, mas ninguém tinha uma ideia de como isso funcionava. Hoje temos a noção que núcleos cerebrais que tomam decisões levam em conta não somente o que a razão indica ser melhor, mas o que os estados internos do organismo acham ser melhor.

Assim como saxofonistas de ouvido apurado possuem uma zona auditiva mais desenvolvida, com alguns milhões de neurônios a mais, sortudos têm mais neurônios na ínsula do cérebro. Mas não se trata de sorte no sentido mundano da palavra, a sorte de simplesmente não fazer nada e ganhar. Ao contrário. É como disse Thomas Jefferson: "Acredito muito na sorte. Percebo que quanto mais eu trabalho, mas sorte eu tenho". Indivíduos com sorte trabalham não só com volume de dados, mas são capazes de enxergá-los com uma sintonia fina.

A receita não é difícil. Primeiro, saia do seu conforto habitual e busque riscos. Segundo, confie no seu taco. Taco, no caso, é a ferramenta de trabalho que liga conhecimento sólido a palpites intuitivos legítimos. Terceiro, indivíduos com sorte nem sempre tem sorte. Todos acertam e erram. Mas sortudos não veem erros como fatalidades e sim com a necessidade de aperfeiçoarem-se a si próprios. Nada mais que isso.

Martin Portner, médico neurologista, mestre em neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness