Luís Henrique Santos e Laryssa Almeron, como muitos, praticam o ensinamento que vem de gerações: guardar utensílios para momentos especiais
Luís Henrique Santos e Laryssa Almeron, como muitos, praticam o ensinamento que vem de gerações: guardar utensílios para momentos especiais | Foto: Gustavo Carneiro



Que atire a primeira faca quem não guarda um jogo de taças para aquela ocasião especial! Toalhas de mesa, jogos de pratos, faqueiros, aparelho de fondue, xícaras... O que está escondido no seu armário esperando ansiosamente para ser utilizado? Muitas pessoas têm o hábito de guardar parte do enxoval para receber visitas. O cuidado com o outro é demonstração de carinho, mas que tal transformar a sua rotina em momentos especiais também?

A designer Laryssa Almeron, 28, está casada há dois anos e, desde então, guarda algumas peças para datas especiais. "Algumas coisas até já usei, mas foi em um dia de comemoração, que é quando você quer uma coisa diferente, se arrumar melhor", conta.

O costume veio da família. "Minha avó que é assim, ela tem muita coisa guardada, principalmente toalha de mesa", revela. Mas há explicação. Almeron afirma que durante a semana usa as peças mais práticas, acompanhando sua rotina. Como não tem filhos, ela e o marido, Luís Henrique de Souza Santos, 23, acabam se virando com os utensílios mais simples.

Segundo a psicóloga e psicanalista Milena Valadão Nunes, o ser humano sente a necessidade de ser aceito socialmente, criando uma imagem para ser apresentada. "Então a gente guarda o melhor prato, deixa a casa limpinha, se arruma, porque a pessoa que vai ver pode não gostar e eu não serei aceita", explica.

Essa atitude está relacionada com a autoestima. De acordo com a psicóloga, isso vem das primeiras relações com os pais, quando a criança se sente amada, cresce acreditando que merece o melhor para si. Do contrário, atinge a maturidade pensando que outras pessoas são mais importantes, gerando outras patologias, como depressão e insegurança, por exemplo.

"As pessoas parecem idealizar um momento especial e acabam não permitindo que o dia a dia seja especial também, então é comum guardar as coisas para uma ocasião, mas o hoje não é importante? A vida vai passando rápido e as pessoas não valorizam", afirma a psicanalista.

Nesse sentido, Laryssa Almeron afirma que se dedica para valorizar o tempo depositado nas refeições feitas em casa. Ela e o marido ficam o dia todo fora, quando chega à noite, os dois se sentam na bancada juntos e tiram aquele instante para eles. O casal faz parte do perfil destacado pela psicanalista. "O que se observa é que ninguém tem tempo, todo mundo correndo muito, com mais de um emprego. Antes as crianças brincavam mais, hoje não saem para a rua", acrescenta.

Mesmo com a correria, Almeron afirma que quando pode, dá um tempo na correria e tira da caixa aquele utensílio que ficava guardado para receber amigos e familiares, como a panela de fondue. "No cotidiano eu uso as mais práticas, gosto de guardar as peças bonitas para quando receber alguém, mas já usamos algumas coisas para nós em comemoração ao aniversário de casamento ou outra data especial", afirma.

Para que comece a praticar essa valorização pessoal, a psicóloga indica que é necessário olhar para os pequenos momentos e não aguardar os grandes, considerando que todos são importantes. "É qualidade de vida mesmo, se colocar como prioridade em algum momento do dia, tirar um tempo, fazer algo que goste, se valorizar", finaliza.

'Mesa está cada vez menor e o espaço da TV maior'
O hábito de estar à mesa com a família é um momento de partilha e doação. Em muitos casos, a ausência desse tempo pode gerar frustrações e problemas de comportamento. Por isso, aproveitar o pouco tempo que se tem, pode ser fundamental na educação dos filhos.

"Muitos problemas relativos ao comportamentos dos filhos, como drogas e criminalidade, estão interligados com a ausência do acompanhamento da família com relação a esses jovens", explica Isabele Ferreira Noronha, juíza de direito da Vara da Infância de Londrina. Segundo ela, o simples fato de priorizar as refeições e de se reunir no almoço ou jantar já é uma forma de desenvolver laços afetivos.

A organização para estarem juntos não é tão complexa, ao menos uma refeição sem distrações, como TV, smartphones, livros ou música, já pode se tornar um período de comunhão importante. "Deve-se investir na qualidade do tempo. Que a refeição, o ato de estar à mesa, seja um instante de compartilhar além do alimento, é o conversar, olhar no olho, já serve para fortificar os laços familiares", informa Noronha.

No entanto, com as rotinas cada vez mais exigentes, muitos casais deixam de se alimentar à mesa com os filhos. A juíza cita que até a própria dinâmica das casas modernas está contribuindo para que se diminua esse tempo. "O projeto arquitetônico mesmo, a mesa está cada vez menor e se dá uma importância maior para o espaço da TV", argumenta.

Tirar um tempo para prestar atenção no outro pode ser o diferencial nas relações familiares e as refeições contribuem para a partilha, o que a juíza cita como um tempo de qualidade. Ter os pais mais presentes na vida dos filhos e atentos, mesmo que seja um período curto, já pode ser suficiente para tornar os laços cada vez mais sólidos. (L.T.)

Rotina, histórias, momentos...
Os comportamentos em volta da mesa geram histórias e trazem lembranças. Quem não se recorda do café da tarde na casa da tia? Da comida da avó? Daquele almoço de família em que noticiaram uma gravidez, uma aprovação no vestibular ou um novo emprego? É na mesa que muitas pessoas carregam suas principais memórias.

"A mais recente, meu filho estava procurando emprego e foi na mesa que ele nos contou que havia encontrado, nós nos alegramos muito com a notícia", conta Roneide Marques, que não foi criada com os hábitos de se alimentar à mesa com a família. "Eu cresci sem meu pai e minha mãe sempre trabalhou muito, então não tivemos o costume de sentarmos à mesa, depois descobri a importância de estar em comunhão com a família. É um momento de partilha e perdão", conta.

Para Juliana Gibim, as refeições em família já são tradição. "Era o momento em que a gente conversava, olhava no olho", conta. Com o marido sempre fora no almoço, é no jantar que dividem as novidades com as filhas. As regras não permitem celulares, TV e livros para que seja melhor aproveitado o tempo de intimidade no lar. Os assuntos discutidos em mesa envolvem a rotina, pedidos e carinhos. "É uma reunião, é poder dizer o que a gente gosta. É na mesa que as crianças percebem que eu cortei o cabelo, por exemplo", brinca a mãe.

Na casa de Andreia Lehmann, há um esforço para que as refeições sejam sempre lembradas com carinho. "A gente coloca a toalha, os talheres, o copo, tudo ajeitado para receber aquela comida gostosa. Eu deixo de legado para o filho, quero um dia ouvir ele dizendo que tem vontade da comida da mãe, dizer que é especial, é um trabalho de trazer lembranças boas e mexer com as emoções", dedica-se.

Lehmann recebeu o irmão que veio do Japão durante almoço em casa. "Foi uma surpresa, fazia dois anos que eu não o via, então foi um almoço muito especial. Agora ele mora aqui comigo, mas já está indo embora de novo", lamenta. (L.T.)