Existem situações em que não há outra alternativa a não ser vencer. É assim na vida, como na morte e o medo. Desde que nascemos, somos estimulados ao triunfo. Porém, o decreto do final da jornada, quando damos o último suspiro, é uma ordem natural que poucos conseguem adiar, estendendo por mais tempo os seus dias. O terror, contudo, nos persegue e não é difícil conseguir nos vencer. É um mostro que mesmo que acreditemos poder derrotá-lo, está atrás de nós, pisando os nossos calcanhares.

Andando apressado pelas ruas de Londrina em noite de fog, daquelas em que o cinza do piso do Calçadão ao dos prédios e da neblina se torna um tampão para os nossos olhos, Clemente atravessou a Praça Marechal Floriano Peixoto.

Acelerou ainda mais o passo, quando passou em frente à Biblioteca Pública, que já foi o antigo fórum da cidade. Um calafrio o lembrou dos condenados, que entraram por aquela porta.

Mais depressa chegou à Rua Tupi, desceu admirando a Concha Acústica, que parecia uma lua cheia vista da calçada. Ao dobrar na Senador Souza Naves e o vento gelado socar o seu rosto, disse para si mesmo, que aquela era a esquina mais fria da cidade. Uma afirmação que sempre fazia, quando dobrava o quarteirão.

A confluência das ruas trouxe-lhe uma companhia. Um homem que viu de longe, vindo do começo da Senador Souza Naves.

Antes que o alcançasse, apressou as passadas. Lembrou que até hoje tem medo de passar por ali.

Lembrava da época de menino. Com um grupo de amigos, pulava o muro da antiga escola "Evaristo da Veiga", nas imediações, para subir as ruínas de um prédio abandonado e ver os caixões no depósito de uma funerária, que não existe mais. Um gosto mórbido, poderiam pensar, mas a diversão maior do bando era fugir do colégio e voltar sem ser notado.

Engraçado que a imaginação de criança fazia com que o prédio inacabado cheirasse defunto. Voltavam para a escola aterrorizados. Uma aventura que para os mais medrosos custava uma noitada em claro. Suando de medo.

Contudo, naquela noite, o cheiro da infância entrou de novo pelas narinas de Clemente ao sentir os seus calcanhares pisados pelo novo acompanhante.

"Boa noite", disse o rapaz tão alvo, que parecia não ter uma gota de sangue nas veias.

Clemente pensou em não responder, mas, àquelas horas, a melhor coisa é sempre não dar motivos para um estranho.

"Posso acompanhar você? Que noite fria, hein? A minha casa é logo ali", disse o moço estendendo a mão para cumprimentar Clemente. Terminada a saudação, apontou para o final do quarteirão, aonde ficavam as ruínas do prédio abandonado, vizinho à funerária.

"Vejo você passar todas as noites em frente à minha casa. Aliás, te vejo por aqui, desde que você era criança".

Francismar Lemes, jornalista em Londrina

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