Rodrigo Bernardes, professor do curso de panificação e confeitaria do Senai: "Cada pão tem sua identidade". Veja vídeo utilizando a tecnologia da Realidade Aumentada
Rodrigo Bernardes, professor do curso de panificação e confeitaria do Senai: "Cada pão tem sua identidade". Veja vídeo utilizando a tecnologia da Realidade Aumentada | Foto: Saulo Ohara



"Se não têm pão, que comam brioches". A autoria da frase ainda é questionada, mas é conhecida porque teria saído da boca da rainha da França, Maria Antonieta, ao menosprezar a manifestação de um povo com fome. Brioche, croissant, ciabatta, bisnaguinha, a rainha teria uma grande variedade de indicações. Mas o que os torna diferentes? A cultura, a receita e a paixão.

Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), "pão é o produto obtido pela cocção, em condições técnicas adequadas, de massa preparada com farinha de trigo, fermento biológico, água e sal, podendo conter outras substâncias alimentícias aprovadas". Dessa base, o mundo conheceu – e comeu – um dos alimentos mais antigos da história.

Italiano, francês, alemão, árabe, português, australiano... O pão foi descoberto com os egípcios e rodou o mundo de diversas formas, cada tipo carregando sua herança cultural. No Brasil, o pão francês é o mais comum, no entanto, há pesquisadores da panificação descobrindo novos sabores.

Quem explica é Rodrigo Bernardes, coordenador e professor do curso de panificação e confeitaria do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), de Londrina. Enquanto maneja a máquina de bater a massa para um grupo de alunos, explica que, embora a base da massa seja simples, a panificação vive em um universo de criação e que, com algumas variações, é possível desenvolver inúmeros tipos de receitas. "E cada pão tem a sua identidade", afirma.

Com essa identidade, os países desenvolveram suas receitas, considerando seus aspectos individuais: ingredientes, hábitos, culturas e clima. O Brasil, confessa Bernardes, "ainda está um pouco atrasado, mas em diferentes regiões já é possível conhecer novas formas. No Nordeste já desenvolveram o pão à base de farinha de mandioca, 50% trigo e 50% farinha de mandioca. Assim como já existe o pão de jaca e as cucas goianas".

Com curso focado no mercado, Bernardes explica que o brasileiro ainda não está acostumado com os pães rústicos e produtos diferenciados, que são comuns no exterior. "Nosso processo é diferente, nós colocamos óleo na mesa para manusear a massa, em outros locais é utilizada a farinha, a nossa modelagem também não é igual", aponta. No entanto, acredita que o mercado esteja em alta. "Pães integrais, rústicos, de fermentação natural têm ganhado bastante destaque", afirma.

Enquanto vai demonstrando os processos do pão francês em uma máquina que transforma um rolinho de massa em um mini pãozinho, Bernardes vai falando sobre como cada ingrediente influencia na panificação. Da mesma forma, grita entre o barulho das máquinas para citar os tipos de fermentação. São muitas variações, por isso a quantidade de pães no mundo. "Focaccia, ciabatta, italiano, cada massa tem uma receita. O que as difere são os ingredientes", afirma.

Pesar os ingredientes, bater, modelar, fermentar, fornear e envelhecer. Há pães que levam horas, há pães que levam semanas. Cada particularidade revela uma harmonização. "Tem pães que combinam com vinho, alguns com queijo e outros com sopas. Qual é o mais gostoso? Vai depender do paladar de cada um e a variedade de sabores que ele vai atingir", defende.

Dessa forma, o professor acredita que tem muitos pães a serem inventados ainda. "Aqui no Paraná deveria existir um de pinhão", brinca com a possibilidade. Para ele, o que vai fazer do pão ser bom ou não é a dedicação de quem está estudando e produzindo. "É o que eu sempre digo, o segredo para ficar bom é o amor", romantiza.

Herança da Lituânia

A busca pela identidade e origem da professora Bianca Soares de Farias foi além dos livros de história. A família paterna tinha descendência lituana e o pai sempre lhe contava o que sabia sobre o país. Aos 17 anos, Farias perdeu o pai, então a procura se tornou uma paixão. Os nós foram descobertos aos poucos, mas a linha que liga as terras tupiniquins à república báltica passa por uma gastronomia experimentada e compartilhada, e o pão mostra-se como elemento fundamental para explicar seus costumes.

"O pão não era só uma coisa do café da manhã, era um alimento principal, informação que eu busquei e conclusão a que eu chego", conta a professora. A procura se iniciou em 1998, quando nem a internet poderia lhe ajudar, mas Farias descobriu muita coisa da família, desde a explicação da chegada ao Brasil até as peças que não conhecia e ficaram por lá. Tudo depois de muito contato com consulado, outras famílias brasileiras, depois com a internet e com a vinda de um primo ao Brasil.

No ano retrasado, promoveu o primeiro jantar lituano entre família, evento que lhe rendeu oito meses de pesquisa sobre gastronomia lituana. "Eu entendi tudo isso e comecei a pesquisar a parte da culinária, e descobri que a batata é o carboidrato principal da Lituânia, a beterraba, o repolho, a coisa do pão... O Pão Preto é o mais tradicional. A gente tinha isso nos nossos pratos, mas de uma forma abrasileirada", afirma.

E fazer o pão escolhido a fez pensar em todo o contexto daquela época no país. "A fermentação tinha que ser natural porque não havia as condições que temos hoje, mas fazer isso, dessa forma, me fez entender o nosso paladar. Hoje minha filha sabe que existe, como ele é feito, que era uma necessidade vital", explica.

O Pão Preto especificamente não é um consumo habitual, mas ela reconhece o pão em si como alimento muito presente. "As minhas tias amam pão, não esse exatamente, mas o pão em si. O tempo vai passando e eu vejo a importância dele na minha alimentação", assume.

Ao mesmo tempo, a professora compreende que por ser um país de clima frio, era natural o consumo de alimentos mais gordurosos. No clima quente brasileiro, as receitas foram adaptadas. Recentemente, Farias entrou em rotina saudável e perdeu 30 kg, mas não tirou a massa das refeições. "Mesmo com a minha mudança para hábitos saudáveis, eu continuei comendo o pão na hora do jantar, porque eu sinto a necessidade, faz parte da cultura", defende. "Eu procuro comer pão integral. Eu tô voltando ao Pão Preto, já que os integrais são mais escuros", brinca.