Os comerciantes Ricardo Rodrigues e Carlos Alberto Rodrigues e o corretor de imóveis Vinícius Cangussu ao chegarem em Aparecida do Norte: percurso de paz e reflexão sobre duas rodas
Os comerciantes Ricardo Rodrigues e Carlos Alberto Rodrigues e o corretor de imóveis Vinícius Cangussu ao chegarem em Aparecida do Norte: percurso de paz e reflexão sobre duas rodas | Foto: Fotos: Arquivo pessoal



Cinco amigos e uma fé inabalável. Grupo acostumado a ter a bicicleta como esporte, diversão e aventura foi ainda mais longe (e bota longe nisso), escolheu o ciclismo para consolidar a fé e terminou por fortalecer também a amizade. Foram 430 km, cinco dias, 45 horas de pedal e 11 mil metros de altimetria. Uma história de desprendimento, amizade e aventura pelo Caminho da Fé, que passa pelo interior de São Paulo e Minas Gerais, saindo de Tambaú e chegando em Aparecida do Norte.

Acostumados a pedalar em grupo formado há mais de dois anos, eles acreditaram que o desafio não seria tão complicado. "Nós pegamos um roteiro de um grupo de amigos que já tinha feito o caminho antes e fomos adaptando. Nós imaginávamos que seria a coisa mais fácil do mundo", brinca o comerciante Carlos Alberto Rodrigues, 57.

O desafio foi estudado desde março deste ano, formalizando e programando o circuito. Dois meses antes, praticaram treinamento específico, com o intuito de adequar o corpo. Eles viajaram até Tambaú (São Paulo) no dia 2 de setembro, saíram de bicicleta no dia seguinte, para chegar em Aparecida do Norte (São Paulo) cinco dias depois, no feriado, dia 7. Por segurança, um deles foi de apoio. Wilson Araújo Junior, 32, seguiu de carro entre as pousadas, levando os objetos maiores e esperando ser chamado, caso os outros quatro precisassem de ajuda.

"Nesse caminho, vimos muita natureza, gente humilde e também peregrinos a pé. Nos encontrávamos nas pousadas, gente que perdia a unha, com os pés cheios de bolhas, pessoas que estavam em uma imersão maior que a nossa", conta o comerciante Ricardo Alexandre Rodrigues, 42. A imersão citada é sobre desprendimento das coisas, a reflexão que se tem durante o caminho. "Cada um tinha um motivo, seu objetivo, se você não está agarrado a isso, desiste", conta.

O corretor de imóveis Vinícius Cangussu, 40, conta o seu motivo. Ele é pai de gêmeos, durante o parto a esposa faleceu e os filhos nasceram prematuros, com apenas seis meses de gestação. Hoje, com saúde, os filhos são educados pelo pai e sua nova esposa. "Fui pelo agradecimento, pela vida dos filhos e por ter encontrado uma nova parceira que ajuda a cuidar dos meus filhos", conta.

Para Ricardo, a motivação inicial era mesmo a aventura, mas conta que o clima foi mudando durante o percurso. "Você tem que esquecer as coisas que ficaram para trás, os bens materiais, suas preocupações, senão não continua. E naquela situação que está passando, percebe a importância que dá para coisas supérfluas. No início eu até colocava uma roupinha boa, depois você vai se desprendendo, vendo que aquilo não tem a menor importância", conta.

"O que me moveu foi a fé em Nossa Senhora. Durante o percurso você se questiona muito, é uma reflexão. A cada 10 km, nós rezávamos para que tivéssemos força para terminar o caminho. Nesse momento, passa tudo na cabeça da gente", relata Carlos Alberto, que também tinha situação de agradecimento pelo nascimento das netas.

Os amigos durante o percurso: 430 km, cinco dias, 45 horas de pedal e 11 mil metros de altimetria
Os amigos durante o percurso: 430 km, cinco dias, 45 horas de pedal e 11 mil metros de altimetria



Emoção e beleza
Além da fé, o caminho traz paz e belezas naturais. Os amigos pararam em vários pontos, fazendo fotos e conversando com as pessoas das cidades pequenas. Viram que a população estava acostumada com a passagem dos peregrinos, ofereciam ajuda e pediam que o nome fosse levado em oração.

Embora estivessem preparados, o caminho todo (que é fora do asfalto) é sinalizado com flechas amarelas pintadas em árvores, pedras, chão, muros. As minas de água também possuíam indicação e alguns fazendeiros oferecem altar de oração para quem faz paradas para se hidratar.

"A gente recomenda para quem quiser fazer, é um caminho de paz muito grande e reflexão. Quem faz a pé tem um tempo de reflexão ainda maior", afirma Ricardo Rodrigues. "Mas tem que ter fé, senão não vai não", acrescenta Carlos Alberto.

A intenção é fazer um novo projeto para o ano seguinte, a proposta é o Caminho dos Anjos, em Minas Gerais. Por enquanto é só uma ideia, mas quem vai duvidar dos amigos que voltaram com a fé ainda mais fortalecida, histórias impressionantes, experiências marcantes e amizade infalível?

‘Era só choro, a gente não conseguia nem fazer a oração’
No percurso do Caminho da Fé, muitas histórias ficaram marcadas. "Nós estávamos passando, já com sede, e um senhor de camisa branca gritou, a gente escutou e não achava ele, quando nós o encontramos, ele indicou onde tinha a mina. Quando viramos para agradecer, o senhor tinha sumido. Aquilo arrepia até hoje", contam os amigos entusiasmados.

Experiências e histórias na bagagem. Quando viram a placa indicando que só faltava 1 km para o destino final, uma força maior. "O Carlos disparou, aí não tinha mais cansaço, era um clima tão forte de dever cumprido que foi dando uma comoção, uma alegria", relata Vinícius Cangussu. Quando chegaram, não havia fôlego, nem equilíbrio emocional. "Era só choro, a gente não conseguia nem fazer a oração", acrescenta Carlos Alberto Rodrigues.

Embora o cansaço apertava, não tiveram nenhum problema grave durante o percurso. Não houve pneu furado, nem erros no caminho, todas as setas os levaram para a direção correta. No bolso, a cartela carimbada em todas as capelas e locais que faziam o registro. Na memória, uma das melhores histórias para contar. "É difícil esquecer, é muito bonito, só quem passa, falando eu não consigo expressar", tenta Cangussu. (L.T.)

Aventureiro da cidade
Pedalar a passeio, pedalar a caminho do trabalho, pedalar a trabalho. As bicicletas podem ser potentes alternativas de mobilidade urbana. No entanto, enfrentar o trânsito caótico ainda é um ato de coragem. O designer Rafael Malmegrin, 31, é um aventureiro da selva de pedra.

Desde os 11 anos pedala por diversão. Adulto, chegou a dirigir um veículo, mas devolveu o carro para a mãe. "Não era para mim", afirma. Em contrapartida, comprou várias bicicletas, cada uma para uma situação e modalidade diferentes.

Do trabalho até a sua casa são 5 km e o caminho não é simples, nele já fraturou o fêmur em três partes em um acidente. Também já foi assaltado e teve a bicicleta levada. Ainda assim, prefere pedalar. "Eu gosto, acho divertido e me sinto bem, eu não me estresso. O tempo que eu levaria parado no trânsito é o tempo que eu levo para chegar em casa, é bem mais rápido", argumenta.

No caminho pega poucas ciclovias e possui visão crítica. "São importantes, mas precisam melhorar. Algumas faltam espaço, outros trechos são compartilhados com pedestres, o que é perigoso, e elas também não são interligadas", reclama. Dessa forma, Malmegrin se arrisca pelas ruas da cidade.

"Falta bastante respeito dos motoristas também, é preciso reforçar a lei, a impunidade é um problema, você vê até carros estacionados nas ciclovias", reforça. Reconhecendo os perigos, entende que as pessoas achem estranho que ele prefira a bicicleta, mas recomenda o uso, desde que estejam cientes dos riscos.

Mais do que a trabalho, a magrela é companheira para qualquer programa. Desde festas, compromissos, qualquer lugar que tenha até 50 km de distância, ele vai pedalando. "No dia a dia, carrego no bagageiro uma roupa seca por segurança, mas eu não ando correndo, vou devagar, nem transpiro", afirma.

Às 18h, é possível encontrar Rafael saindo do trabalho e sair pedalando rumo a sua casa. Entre os carros ele vai ultrapassando um por um até o seu destino. A simplicidade em como lida com a situação é inspiradora. "Não é preciso muito, é só pegar uma bicicleta e colocar o capacete", incentiva.