A vida real não é um perfil do Facebook ou Instagram em que todos parecem estar sempre de férias em uma praia de Ibiza, a capital mundial da balada. Viver é difícil. Por vezes dolorido. Se postássemos, nas redes sociais, os problemas diários que enfrentamos, certamente, arrumaríamos mais um motivo para se sentir o pó: ninguém me curte. Para sobreviverem nesta selva de exibicionismo, cobranças de megassucesso e hiperconsumo contemporâneos, muitos engolem o choro e entregam-se à medicalização das emoções.

Não dá para desconsiderar que existem dias de respirar fundo, outros que dão vontade de enfiar o pé na jaca e dias que são ainda piores. Até para a Cinderela dos contos, a coisa não foi fácil ao ver a magia desaparecer, depois da meia-noite. A carruagem se transformou em abóbora, os cavalos em ratos e os lacaios em lagartos.

"Criou-se um ideal de felicidade que produz sofrimento. A gente precisa desabafar. As emoções precisam de um destino. Ao contrário, se tornam tóxicas", explica a psicóloga Eliana Louvison.

Allen Frances, autor do livro "Voltando ao Normal" (Versal Editores) afirma que "estamos transformando os problemas diários em transtornos mentais e tratando-os com comprimidos".

O psiquiatra americano pôs fogo no parquinho, acendendo polêmicas ao se posicionar contra a Associação Americana de Psiquiatria que em 2013 publicou a quinta edição do Diagnostic and Statistical Normal of Mental Disorders (DMS). Quase ninguém escapa de ter algum transtorno mental, se a publicação for seguida à risca.

A grosso modo, expressar emoções – consideradas antes, coisas da vida – passou a ser uma espécie de patologia.

"Allen acredita que possa existir uma pressão de laboratórios que estão criando determinados sofrimentos para justificar o medicamento para tratar a saúde mental. Também houve uma banalização dos diagnósticos. Antigamente, quem podia diagnosticar transtornos mentais eram os psiquiatras. Hoje, qualquer médico está autorizado a diagnosticar e medicar", destaca Eliana, esclarecendo o que pode estar por trás da medicalização e que não deixa de ter uma dose de sordidez, já que são argumentos transformados em engrenagens para ajudar a movimentar a economia.

Quais as outras razões para a luz no final do túnel parecer apagada na vida de muitas pessoas que não conseguem lidar com as emoções?

"Perdemos linhas de fugas que eram oferecidas, naturalmente, para tratarmos os nossos problemas. Antigamente, por exemplo, tínhamos acesso à outra pessoa para conversar sobre o que nos afligia. Isso também cura. Ao contrário de ficar sozinho com as suas angústias. Essa disponibilidade de alguém para nos ouvir está faltando por causa do ritmo que vivemos. Somos cobrados a produzir mais e, para isso, precisamos trabalhar mais, o que não significa que conseguimos produzir mais", afirma a psicóloga.

As redes sociais espelham essa nova era de ideal de felicidade que os likes não revelam, mas é um mundo também de sofrimento.

"Eu não aceito esse mundo e, para ficar melhor ou dizer que me sinto bem e não pensar a respeito do problema, eu tomo um remédio", conclui a psicóloga.