Já em clima de comemoração pelos 60 anos, que completará em 2019, Edimara avisa que não pretende parar tão cedo: "Quero desfilar até os 90 anos"
Já em clima de comemoração pelos 60 anos, que completará em 2019, Edimara avisa que não pretende parar tão cedo: "Quero desfilar até os 90 anos" | Foto: Saulo Ohara



Foi para tentar se livrar da imensa timidez que a produtora e professora de passarela Edimara Alves buscou um curso de modelo na juventude. "Eu era muito tímida e se não fosse o curso, estaria até hoje embaixo da cama, literalmente. Quando chegava alguém em casa eu me escondia, puxava o lençol e ficava lá, o dia inteiro, não saia nem para ir ao banheiro", conta.

Muitos anos depois ela aprendeu a dominar seu medo, desfilou ao lado de modelos famosas, treinou diversas candidatas à Rainha da ExpoLondrina e hoje ensina outros jovens que almejam conquistar seu espaço nas passarelas. Às vésperas de completar 60 anos, participa ativamente de dois projetos nos quais ensina crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social a desenvolverem a autoestima e buscarem novos caminhos.

Chegar às passarelas, entretanto, não foi algo fácil e só aconteceu aos 22 anos, idade considerada avançada para a profissão. Por três anos Edimara tentou ingressar no único curso de modelos que havia em Londrina na década de 1980, mas foi recusada. O motivo, a cor da sua pele, só foi percebida por ela depois. "Nunca me disseram porque eu não conseguia passar. Ai fui fazer dança, a Yeda (Marques Russo) trouxe um curso de modelo e nesse curso eu descobri que não passei no outro por causa da cor (da minha pele). Foi decepcionante", lamenta.

Seu primeiro desfile foi feito quando ainda trabalhava em uma loja de departamento, seu primeiro trabalho, que conquistou depois de ser recusada em vários outros. "Era recusada por ser negra, mas demorei a perceber isso. Sofri menos porque era ingênua. Naquele dia tinha que fazer uma redação, acabei fugindo do tema e escrevendo um monte de coisas, desabafando sobre o que vinha acontecendo. Ai o gerente quis ler na minha frente e para minha surpresa, me contratou na hora. Eu nem acreditei, fui trabalhar na seção infantil e depois na lanchonete. Nesse tempo eu fazia o curso e trabalhava lá, quando resolveram fazer um desfile. Eu não queria ir, mas me disseram que se não fosse iria perder o emprego. Aí fui. Desfilei com outras duas modelos, fiquei esperando que fossem me dizer coisas ruins que eu já tinha ouvido antes, mas para minha surpresa eu fui muito aplaudida. Deus me mostrou que nem tudo é como a gente pensa. O negro se esconde muito. Hoje eu não me escondo mais."

Edimara continuou no trabalho, onde passou para a seção de moda e fazia pequenos desfiles ocasionalmente. Com a chegada da formatura do curso, novamente sofreu ao ser recusada por diversas lojas que não queriam ceder suas roupas para a cerimônia. Ela diz que já tinha desistido de participar quando foi procurada por um médico, que também era o proprietário de uma famosa loja de roupas, que resolveu auxiliá-la.

"O doutor Chafic (Kallas) tinha uma loja de roupas e resolveu me patrocinar, a pedido de uma amiga. Ele trazia muitos modelos famosos, de fora de Londrina, para desfilar e me contratou depois da minha formatura. Ele me corrigia, me ensinou muita coisa e hoje eu também faço isso com meus alunos", conta.

De lá ela passou por muitas passarelas, inclusive fora do Brasil. Desfilou ao lado de grandes modelos como Monique Evans, Cláudia Raia e Xuxa e conheceu muitas pessoas famosas. Em um dos trabalhos em São Paulo foi convidada para trabalhar no programa da Hebe, mas recusou devido às condições de moradia.

"Era um local estranho, muito longe, meu coração me pedia para vir embora. Naquela época era diferente, não havia as agências. Hoje o modelo já vai com tudo certo, têm os apartamentos e se houver uma situação de perigo, ele sabe recuar. Eu ensino isso para os meus alunos, digo que não precisam aceitar tudo. É como trocar de roupa. Modelo se troca na frente de todo mundo sim, mas se eu tiver dez trocas de roupa e o cara só duas, não troco. Se ele tiver dez como eu nem vai ter tempo de me olhar", conta rindo.

Como professora, ela se preocupa em formar cidadãos e procura instruir os jovens não só sobre a profissão, mas para a vida como um todo. Se a exigência do corpo perfeito já existia na sua juventude, hoje avalia que tudo piorou. Ela diz se lembrar de modelos que ficavam sem comer ou até tomavam laxante antes do desfile, mas a situação não era como hoje. "Conversamos muito sobre isso, tem aluno que você vê que não está comendo, aí peço para a aluna mandar vídeo para mostrar que comeu. Recebo mães aqui preocupadas com isso, porque o filho não quer se alimentar."

Edimara completará 60 anos em 2019, mas já está comemorando. Além das aulas também faz trabalhos eventuais como modelo e diz que não pretende parar tão cedo. "Hoje faço uma outra linha, (de) tia, tia-avó. Quero desfilar até os 90 anos, as pessoas de 80 vestem roupas, vou desfilar para quem veste roupa", afirma rindo.

VOLUNTARIADO
A modelo também dedica parte do seu tempo ao trabalho voluntário. Integrante do Coletivo Black Divas e da Cufa (Central Única das Favelas), Edimara visita escolas e promove bate-papos com os alunos. "As Black Divas já fazem essa atividade de conversa nas escolas, gosto muito de conversar. Neste ano quero dar aulas de modelo nos bairros da periferia, para trabalhar a autoestima das meninas. Muitas têm vergonha de entrar em determinadas lojas no centro e mesmo no shopping. Os meninos também têm problemas de autoestima, mas eles camuflam."

Filha de um enfermeiro e de uma empregada doméstica, ela diz se identificar com os jovens por ter a mesma origem simples que eles. E sabe que para mudarem seu destino, só precisam de uma oportunidade. "Cada vez que vou na periferia e vejo uma menina - independentemente de cor, são os menos favorecidos, tanto faz se é negro, branco, índio -, eu vejo aquela menina bonita, brincando, percebo que ela podia fazer circo, fazer malabares, porque ela gosta. Ela só não tem as ferramentas. E precisamos investir nas crianças. O trabalho da Cufa e das Black Divas é pegar essas crianças e encaminhá-las. Empoderar é dar oportunidade!"