Imagine ter contato diário com mais de 100 tigres, além de outras espécies de animais silvestres e domésticos de grande porte. Viver em um templo budista onde é necessário reservar momentos para silenciar a alma e meditar pelo menos duas vezes ao dia: pela manhã e ao pôr-do-sol. Conviver com cerca de 20 monges que se comunicam apenas em tailandês e que exigem um tratamento respeitoso e diferenciado.
Há quase seis meses, esta é a rotina da veterinária londrinense - formada em 2011 pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) -, Bianca Ribeiro de Souza, 22 anos. Após ser selecionada para atuar como voluntária no Templo dos Tigres na Tailândia (Tiger Temple Thailand), embarcou em março deste ano para o país do sudoeste asiático, onde ''tem vivido uma experiência singular'', conforme ela própria define.
''Sempre tive uma paixão muito grande por espécies silvestres e trabalhar com esses animais tão incríveis era um sonho'', conta Bianca à reportagem da FOLHA, por e-mail. Ela ficou sabendo do trabalho desenvolvido pelo templo budista durante um intercâmbio cultural que fez na Índia enquanto cursava a graduação.
''Quando me formei, enviei meu currículo e em menos de três meses vim para cá. Estar em um templo que cuida de tigres resgatados parecia algo surreal para mim. Resolvi arriscar e deu certo'', afirma a veterinária, acrescentando que ''iniciou a carreira com uma atividade bonita e cheia de aventuras''.
É claro que Bianca sentiu receio do que a esperava, considerando que teria que alterar drasticamente a sua rotina, conviver com uma cultura diferente e enfrentar situações totalmente novas e inesperadas. Mas ela conta que tudo foi mais fácil do que imaginava. ''O trabalho com os tigres desde o início foi tranquilo. A maioria é relaxada com os humanos, pois desde filhotes estão em contato conosco, comendo e se exercitando na nossa presença'', pontua ela, que cumpre uma jornada de oito horas diárias de trabalho durante seis dias na semana.
Ela acrescenta que alguns animais, ainda assim, são muito agressivos e aceitam apenas o contato com certos tratadores. ''Esses casos são a minoria'', observa.
Para evitar qualquer incidente, Bianca procura estar mais em contato com os tigres que já estão acostumados com ela. ''Eles possuem personalidade própria e aos poucos podemos perceber como cada um vai reagir ou 'brincar''', explica.
A veterinária trabalha diretamente com os animais recém-nascidos e os de até um ano de idade. ''Apesar de novos, muitos já têm duas vezes o meu peso. Minhas atividades vão desde preparar comida, dar banho, mamadeira, exercitá-los com brinquedos, até limpar as jaulas. Faço de tudo para que tenham uma boa qualidade de vida, uma vez que já não estão em seu habitat ideal'', explica.
Bianca também atua nos procedimentos médicos, que geralmente são tratamento de feridas e limpeza de mordeduras. ''Fui responsável pelas vacinações dos filhotes nascidos entre os meses que estive aqui'', acrescenta.
Quando Bianca chegou ao templo, recebeu instruções, principalmente quanto ao comportamento dos tigres e sobre como reagir diante de determinadas situações. ''Aos poucos, e convivendo com os outros voluntários, fui aprendendo a lidar com eles'', diz.
Entre as orientações recebidas, ela destaca que aprendeu que é importante sempre encarar o animal quando ele está em movimento, nunca se abaixar ou ficar em um tamanho menor do que ele, não dar as costas para o tigre - para evitar um ataque por trás mesmo que por brincadeira - e jamais gritar ou correr na frente dele.
Diferenças culturais
Bianca estranhou alguns costumes e ainda não se adaptou ao calor de 40 graus que enfrenta diariamente. ''Por estar em um templo, as mulheres devem usar roupas que cubram os ombros e joelhos. É difícil suportar o forte calor sem poder usar regatas'', aponta ela, que retorna ao Brasil no final deste mês.
Outra dificuldade foi o idioma. ''Os monges falam apenas tailandês, o que dificulta um maior contato. Apenas dois que falavam em inglês passaram pelo templo e com eles pude conversar um pouco mais sobre o budismo e esclarecer algumas dúvidas. Percebi que o budismo é bem mais complexo do que eu imaginava'', diz.
A veterinária aponta ainda que teve que incluir na sua rotina o hábito de meditar diariamente. ''Devemos, por respeito, participar dos rituais. Aqui vivem em média vinte monges, mas muitos peregrinam de mosteiro em mosteiro.
Aprendi que é permitido que um homem se torne monge por um período limitado e que faça isso quantas vezes sentir necessidade. Pareceu-me que ser monge, em alguns casos, é como fazer um retiro espiritual'', destaca.
Bianca passou a respeitá-los. ''Devemos fazer referência quando eles passam e nunca comer na frente deles, visto que só se alimentam até o meio-dia. As mulheres não podem tocá-los e, para conversar com eles, temos que estar em grupo ou acompanhadas de outro homem'', conta.
Para a veterinária, além da experiência profissional, os meses na Tailândia estão sendo valiosos para aprender a respeitar outros costumes e a lidar com pessoas que pensam de forma tão diferente.
''Faltando poucos dias para voltar ao meu país e à minha Londrina, digo que se pudesse voltar no tempo faria tudo igual'', admite, adiantando que pretende cursar uma especialização em clínica, cirurgia e reprodução de grandes animais. ''Quero trabalhar ajudando os animais e a sociedade, seja na linha acadêmica ou na prática direta da veterinária 'extensionista' no Brasil ou no mundo'', finaliza.