"Fico muito triste quando vejo na televisão alguém virar e dizer, encarando olho no olho: ‘odiei, odiei’", diz Lucas Corazza, jurado do "Que Seja Doce", em passagem por Londrina
"Fico muito triste quando vejo na televisão alguém virar e dizer, encarando olho no olho: ‘odiei, odiei’", diz Lucas Corazza, jurado do "Que Seja Doce", em passagem por Londrina | Foto: Marcos Zanutto



Quem assiste ao confeiteiro Lucas Corazza na televisão imagina que ele seja simpático. Mas pessoalmente, ele é muito, muito simpático. Bem-humorado e paciente, o jurado do programa "Que Seja Doce", do canal pago GNT, esteve em Londrina no mês passado, para uma Palestra Show no 4º Panific Show 2017.

Além de compartilhar com os participantes uma de suas receitas favoritas, ele falou sobre o chocolate de origem e tirou muitas fotos com seus admiradores. Trabalhando profissionalmente com cozinha há 18 anos, o paulistano conta que nunca imaginou até onde poderia chegar. Além de jurado do programa televisivo ele viaja o país dando palestras, aulas e consultoria, se prepara para escrever dois livros e ainda arruma tempo para a vida pessoal - "ser humano, pessoa, ter família, limpar o chão de casa, arrumar o armário, cozinhar, receber os amigos", como ele define.

Trabalhar com doces veio depois da reflexão de que sua profissão deveria permitir o uso das mãos. "Eu tinha inclinação para trabalhos manuais e isso pegava muito mal. Imagina em 1996, eu com 13 anos e assistindo ao 'Note e Anote', da Ana Maria Braga, ao invés de estar jogando futebol, lendo um livro ou fazendo desenho de cartum. Quando comecei a fazer faculdade de Hotelaria, no primeiro ano vi que o negócio era comida, trabalhar com a mão. A confeitaria permite isso - a manipulação da forma -, muito mais do que a gastronomia", afirma.

Para ganhar experiência, Corazza foi trabalhar com grandes nomes da gastronomia, como Alex Atala e Bel Coelho. Depois, foi para a França onde ficou por três meses estudando na conceituada escola ENSP (École National Superiére de la Patisserie). Preocupado em manter-se atualizado, ele diz viajar todos os anos para o exterior para fazer cursos e comprar livros, comer em restaurantes e confeitarias conceituados e conversar com outros profissionais da gastronomia.

Em tempos de vida saudável e substituições culinárias, Corazza conta que não tem purismos com suas criações e aceita tranquilamente substituições, embora nesses casos mude o nome do prato. "Eu faço bolo sem glúten, mas aí eu assumo, digo 'um bolo mousse de chocolate'. Uma mousse que não leva farinha, às vezes um pouco de amido de milho e a forma como eu trabalho o ovo, permite que aquilo vire um suflê primeiro, depois abaixe e fique com as características de uma mousse assada, mas não tem a mesma cara de um pão de ló. Não consigo dizer que faço um pão de ló sem glúten, mas digo massa de bolo de aveia, de amaranto, mas é um pensamento meu", define.

Com tamanha habilidade na confeitaria, é difícil imaginar que ele possa achar algo difícil de ser executado, mas o açúcar é um desafio, tanto em termos de controle de ambiente de trabalho - já que é um ingrediente que exige cuidado com a umidade - quanto ao sabor em si. "Na realidade não tem a ver tanto com a confeitaria mas com o consumidor, dele conseguir quebrar o paradigma de que açúcar é um tempero e um texturizante e não o sabor principal. O mais difícil é sair dessas invencionices fáceis da internet que pegam um pote de creme de avelã, bombom, coloca tudo e chama de taça, com um sorvete que veio de uma indústria, é claramente uma sobremesa de segunda mão. Você não fez nada a não ser abrir potes", critica.

Para quem acredita que ser jurado de um programa de confeitaria seja uma delícia, Corazza alerta que pode ser algo muito difícil. "Queria dizer que (julgar) é a coisa mais especial e deliciosa do mundo, mas é difícil pra caramba. Tem horas que você se amarga, que (pensa) 'não pode ser que a pessoa fez isso'. Depois você pensa como aquele erro é possível. Naquele momento o coração aperta, aí criei o bordão de que eu pagaria ou não pagaria por aquela sobremesa, porque acho que cozinha é algo muito profissional, as pessoas colocam o coração ali e falar mal daquele doce parece que está falando mal do sentimento que ela colocou. Tento atribuir valor do produto. No fim, o que importa: você voltaria naquele restaurante, valeu pagar a conta, a experiência foi boa? Eu tiro da pessoa a questão do pessoal e dou àquilo um valor novo, acho que é uma forma de tentar demonstrar o respeito por aquela pessoa. Fico muito triste quando vejo na televisão alguém virar e dizer, encarando olho no olho: 'odiei, odiei, foi a pior coisa que comi na minha vida, odiei'. Acho isso um erro, isso alimenta a pior parte do ser humano e a pior parte de tudo que a gente tenta proteger o trabalhador com leis trabalhistas. Porque para mim isso beira o assédio moral e porque está na televisão é aceito", critica.

Para quem busca a carreira de confeiteiro, Corazza recomenda não se iludir com a fama nem buscar sucesso nas redes sociais. "Você tem que saber se colocar muito mais como pessoa no mundo antes de você querer ser essa pessoa que você almeja. A pessoa que você quer ser não é uma pessoa pública. A pessoa pública se torna figura pública por ser uma pessoa. Quem está começando tem que ter essa percepção, ser idôneo, tratar bem as pessoas, cozinhar com carinho e se você não estiver bem, vai no banheiro, dá uma choradinha e volta porque você vai ter que entregar a encomenda de um jeito ou de outro."