Da caixinha de música para o furacão, força, resistência nos palcos. Quem pensa ser fácil ter o balé na ponta dos pés está equivocado. Além da dor física, há ainda o mistério e o poder interior que toda bailarina guarda. Ery Claudia Abujamra, 51, é bailarina e não escondeu seu talento, compartilhou. "Foco, força e fé", o mantra nunca descreveu tão bem uma pessoa.



Nascida em Ourinhos (interior de São Paulo), queria ter aulas de balé, mas a cidade não tinha. Até que convidaram professora do Teatro Municipal de São Paulo para o município. Lá estudou balé até os 14 anos, passando por testes anuais com a forte Companhia da capital paulista. "Eles nos avaliavam, são necessários oito anos para a formação de bailarina e mais dois para se aperfeiçoar profissional", informa.

Mas o pai foi transferido para São José do Rio Preto (SP) quando a bailarina não tinha finalizado o curso. "Eu consegui finalizar nessa cidade, mas fiz questão de fazer o encerramento em Ourinhos também. Eu queria finalizar o curso com o Teatro Municipal", recorda.

O diploma na parede do escritório se perde entre outros tantos. A data de formação é de 20 de dezembro de 1982. Depois desse, muitos outros certificados de cursos com bailarinos renomados, como Décio Otero e Marika Gidali, que além das aulas, promoviam trabalhos sociais nas cadeias.

A bailarina se casou jovem, aos 18 anos, foi morar em São Paulo com o marido e depois veio para Londrina, onde o esposo tinha família. Nesse período, Abujamra já dava aulas e fazia espetáculos. "Eu uni minha formação de magistério e especialização em pré-escola para desenvolver a didática para dar aula de dança", conta.

Na primeira gravidez, teve que ficar de repouso total. Após o nascimento do primeiro, logo veio o segundo. Entre as gestações, voltou a fazer aulas em Londrina. "Eu conheci o professor Paschoal Benites, eu fazia aula com ele e meus filhos ficavam deitadinhos esperando", sorri.

Com o talento reconhecido, o professor convidou Abujamra a dar aulas. "Eu apreciava muito o trabalho dele, pude aprender muita coisa", lembra. Com a saída do mestre, a bailarina ficou responsável pela escola, que funcionava dentro de um clube da cidade. "Começamos com uma sala pequena e aos poucos foi se desenvolvendo", explica. Em 2000, recebeu a proposta de ir para outro clube, onde está até hoje. No início conciliava os dois locais, hoje atua apenas em um.

"Eu tinha mais de 28 alunas formadas bailarinas profissionais quando isso aconteceu, então Deus me deu um sonho", conta. A professora é bastante religiosa e foi a fé que ajudou a movimentar seus projetos. "Eu percebi que em muitas apresentações as famílias levavam amigos, colegas, que não poderiam pagar para entrar em um teatro, então eu quis montar um projeto para essas pessoas", explica.

"Nossa Bandeira é o amor: resgatando a dignidade das crianças" é o nome do projeto. "A primeira ação foi enviar dez cartas para cada aluna pedindo doações de materiais reciclados. Começou a chegar muita coisa", fala entusiasmada. Em 2002, promoveram evento de dança no Moringão, cobrando R$ 1 o ingresso. "Foram 7 mil pessoas nos assistir, o dinheiro foi revertido em bolsas e pagamentos de figurinos para crianças carentes da escola", orgulha-se.

O apadrinhamento de crianças também foi uma forma de financiar os custos. "Nós promovemos a inclusão. Não tinha diferença dessas crianças, até porque ninguém sabia quem era bolsista e quem não era", explica. Com o ingresso desse público nas aulas, percebeu que os problemas familiares são os mesmos de famílias da escola particular. "O dinheiro não muda nada, os mesmos problemas das famílias pobres, eu vejo nas ricas", argumenta.

Visando a inclusão, a bailarina começou a desenvolver métodos para que as alunas participassem se ajudando mais. O "método construtivo" faz com que a aluna aprenda e ajude a professora a montar o espetáculo, enfrentando os próprios medos. Além das aulas de balé, a escola também promove o aprendizado de artesanato, bordado, arrumação de malas e armários, entre outros.

Entre os projetos, a professora promoveu aulas na Igreja Presbiteriana, durante oito anos, enaltecendo o amor de Deus. Em seguida, foi convidada pela Igreja Católica Dom Bosco para dar aulas para crianças carentes no Jardim Campos Verdes, local em que a igreja atua com diversos projetos sociais. "Lá já são 95 crianças atendidas. A intenção é promover espetáculo, mas ainda não encontramos o espaço para isso", afirma.

Compartilhando o talento, Abujamra formou bailarinas de todas as classes sociais pela cidade. A inclusão fez com que pesso as entrassem em um teatro e admirassem a arte com o mesmo olhar de quem sempre teve essa oportunidade. "Eu estou devolvendo meu dom para as pessoas devolverem os delas. Dessa forma, consegui levar famílias carentes ao teatro para terem a mesma sensação que as outras pessoas têm", conclui.