Ao pontificar os 52 anos de sacerdócio vividos em Londrina, 32 dos quais, na Catedral Metropolitana, Monsenhor Bernard Carmel Gafá traz à memória o patriarca bíblico Abraão, que saiu de sua terra para não mais voltar. Ao deixar Malta, um arquipélago mediterrâneo, minúsculo e insular, o religioso queimou os navios e se tornou, ao mesmo tempo, operário e testemunha da vida da Arquidiocese de Londrina e do episcopado de quatro arcebispos, que antecederam ao recém-nomeado Geremias Steinmtz.

A expressão "queimar navios" significa mais do que ir em frente e vencer, mas circunscreve também não pensar em voltar. Para os que põem a mão no arado da evangelização, as palavras assumem dimensão espiritual.

"Vim para o Brasil a convite de Dom Geraldo Fernandes, primeiro arcebispo de Londrina. Enfrentei dificuldades, comuns a quem deixa a sua terra, mas foi para me colocar ao lado dos que sofrem. Cheguei a ficar um tempo doente, com estresse. Fiquei afastado por um ano para fazer tratamento. Isso me ajudou a entender as pessoas com depressão e confesso: existem profissionais que conhecem a doença nos livros, mas não entendem as pessoas. Eu mesmo não fui entendido", conta o religioso, um episódio dos muitos desafios enfrentados em seus 77 anos de idade.

Antes de desembarcar no Rio de Janeiro aos 21 anos, em 1961, juntamente com outros quatro religiosos malteses, atendendo ao pedido de dom Geraldo, monsenhor sobreviveu à Segunda Guerra Mundial, vivendo nos shelters, abrigos em inglês.



"A gente vivia em catacumbas, corredores cortados na rocha. Em apenas um cômodo morava uma família inteira. Malta fazia parte da Inglaterra. Os nazistas ocuparam toda a Europa, mas, nós tínhamos radares, que nos avisavam de ataques aéreos. Graças às sirenes de alerta, poucos malteses morreram na guerra. Porém, sofremos muito, inclusive pela falta de comida", lembra o religioso.

A vida da Igreja Católica em Londrina e a história do episcopado de quatro arcebispos, que antecederam ao recém-nomeado, Geremias Steinmtz, foram testemunhados por monsenhor.

"Podemos chamar Dom Geraldo Fernandes de um ‘paizão’. Ele tinha autoridade e se impunha diante de toda classe política. Homem de uma visão muito aberta e que foi responsável por criar toda a estrutura da arquidiocese londrinense. O bispo que ficou mais tempo à frente da Igreja de Londrina por 25 anos. Ele até me chamava, carinhosamente, de Bernardinho por eu o acompanhar. Ao ser ordenado, em 1965, me colocou perto dele, na Paróquia Imaculada Conceição. Já o Cardeal Dom Geraldo Magella Agnelo foi vice e presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); primaz do Brasil e fundador da Pastoral da Criança, juntamente com a Zilda Arns. É um organizador. Albano Cavallin, por sua vez, um entusiasta, construiu o Centro de Pastoral, um bispo da catequese, com suas famosas histórias. Orlando, diria que é o bispo das multidões, das grandes concentrações de fiéis, que valorizou muito as Missões Populares", resume, Gafá o episcopado londrinense, na expectativa do trabalho do novo arcebispo, Geremias.

Gafá é um cidadão discreto que diz não fazer política. Porém, ainda que no silêncio, não deixa de ser um representante da cidade, tanto que foi homenageado com os títulos de Cidadão Honorário de Londrina e a Ordem Estadual do Pinheiro.

Reconhecimentos ao "operário da fé", que é responsável pela construção de igrejas em mais de 100 comunidades da arquidiocese, como a João Paulo II, no Residencial Vista Bela (Zona Norte), e Santa Ana, que começou a ser construída este ano no Jardim Santa Fé (Zona Leste), obra que deve ser concluída em um ano e meio.

"A própria Catedral, nós a renovamos totalmente. É um ponto central da minha vida, a solidariedade aos que precisam. De forma especial as igrejas da periferia", acrescenta.

Gafá é um homem das comunidades e, quem bate à sua porta, sempre a encontrará aberta.

"Sou muito disponível. Atendo o povo todo dia, a qualquer hora que me pedir. Eu vim para servir. Quanto ao futuro, não penso em me aposentar, mas, também não penso no futuro, que só Deus sabe", conclui o religioso.