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"Suponho que o espectador comum tenda a me confundir com o personagem do filme, mas é preciso separar autor de personagem", diz o escritor Cristovão Tezza, sobre O Filho Eterno, que acaba de estrear nos cinemas


A vida pode ser validada pelo que se escreve no decorrer de um ano. Eis uma afirmação que fica suspensa ao se tentar esmiuçar a imensidão do autor de obras como Trapo, O Fotógrafo e Breve Espaço. "Olho para o ano que está acabando, e fico deprimido: a velha sensação de que o tempo passou e eu não escrevi nada", constata o escritor Cristovão Tezza, que recentemente lançou A Tradutora.
Na primeira semana de dezembro, quando entrou em cartaz o filme O Filho Eterno, homônimo da obra que rendeu ao escritor o prêmio Jabuti de melhor romance (em 2008), Tezza se dispôs a atender de forma generosa e ágil ao pedido de entrevista da FOLHA. "Eu me considero mais curitibano que paranaense. Acho que o Paraná é muito diversificado, com tons locais bastante distintos. E Curitiba é um caso à parte, uma cidade de personalidade única, muito forte. Para muitos que vêm para cá, difícil de lidar", adverte Tezza, natural de Lages (SC), mas curitibano por vocação. "Acho que, ainda criança, eu trouxe de Lages e de Santa Catarina uma certa extroversão. Sou um sujeito falador, que entrou em choque com o silêncio curitibano, a dura vigilância do olhar curitibano".
Dono de uma temperança envolvente, Tezza revela que não tomou conhecimento do roteiro e assistiu ao filme movido "mais pela curiosidade do que com a aflição". "Já tenho experiências com adaptações e sei que uma peça de teatro ou um filme baseados em uma obra literária são uma outra obra, de outro autor. E eu consigo me afastar e ver o resultado como um espectador, não como um autor", pondera.
"No caso de O Filho Eterno, o tema é demasiadamente pessoal, é verdade. É o meu único romance baseado em fatos da minha própria vida, mas mesmo assim continua sendo um romance, uma obra ficcional", ressalta. Tanto que os leitores irão notar diferenças contundentes na construção dos personagens do filme e do livro. "Suponho que o espectador comum tenda a me confundir com o personagem do filme, mas é preciso separar autor de personagem", orienta.
Aliás, Tezza nutre uma relação afetiva pelos seus personagens. "São companhias que criamos e com quem convivemos às vezes anos a fio. Algumas personagens têm mais carisma, são presenças fortes. Penso em Juliano Pavollini, por exemplo." No caso de Beatriz, que ele retoma em A Tradutora, o escritor aprecia o fato dela propiciar um total distanciamento dele. "É mulher, tem a metade da minha idade, vive um mundo contemporâneo em intensa transformação. Ao escrevê-la, sou obrigado a me esquecer."

Educação e política

Esse interesse absoluto por estar no tempo presente, ao invés de se prender a qualquer período dos seus 64 anos de vida, confere ao escritor lucidez nos posicionamentos sobre os fatos de um 2016 tão convulso. Em relação às ocupações das escolas, Tezza - que cursou da 5ª série do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio (antigos ginásio e científico) no Colégio Estadual do Paraná (CEP) - acredita que aos 15 anos de idade teria participado, ainda mais em um ambiente democrático, mas não apoia a ação.
"Sobre a reforma do Ensino Médio, ela é urgentíssima, assim como uma reorganização completa do Ensino Fundamental brasileiro, que é ruim. Estamos há décadas perdendo tempo, e ficando perigosamente para trás, com milhões de crianças e adolescentes sendo espirrados todos os anos para fora da escola. Quanto aos métodos de luta, acho que a ocupação das escolas está sendo um erro político crasso, que afeta exclusivamente a parcela pobre dos estudantes. Para pais e mães mais pobres, ver os filhos sem aulas às vezes meses a fio a troco de nada é uma tragédia sem volta", alerta. "É confortável apoiar politicamente a ocupação quando se tem os filhos convenientemente protegidos na rede privada. Depois ninguém sabe por que os candidatos de esquerda são moídos nas eleições", dispara.

Combustível para a criação

A relação do escritor com Curitiba ultrapassa a mera condição de um lugar ou pano de fundo para as suas narrativas. "Tudo que eu escrevi se fez sob a atmosfera curitibana, não é apenas a referência geográfica. É o jeito mesmo", afirma categoricamente. "Jamais vou sair daqui. Às vezes sonho com outro endereço, mas são castelos de cartas. Mudar dá muito trabalho, a essa altura da vida. No máximo, de vez em quando quero descer até Gaivotas e passar uns dias lá."
Quanto às transformações trazidas pela internet e o impacto no mercado editorial, Tezza classifica o momento atual como "o meio de um furacão que está mudando todos os paradigmas da comunicação e da palavra escrita". Para ele, a disponibilidade de informação escrita é tamanha que passa a sensação de que todos vivem em uma biblioteca universal, mas sem um discernimento. "Ninguém consegue viver sem um horizonte de referências", aponta .
No radar das aspirações para o futuro, Tezza diz desejar uma vida um pouco mais sossegada. "Ver filmes, ler uma pilha de livros, passear, brincar com o neto, filosofar fiado, encontrar mais os amigos", elenca. Só que para arrematar a lista desse anseio forjado de sossego para os anos que estão por vir, o escritor acrescenta a vontade mais genuína. "E começar um novo romance, o que pretendo fazer em 2017", determina para a sorte das mentes e corações conduzidos pela brilhante produção literária dessa alma inquieta.