"Às vezes você pensa que as coisas que você faz não são talentos, são defeitos, mas aquilo te torna especial", diz Vânia Vargas. Veja vídeo utilizando a tecnologia de Realidade Aumentada
"Às vezes você pensa que as coisas que você faz não são talentos, são defeitos, mas aquilo te torna especial", diz Vânia Vargas. Veja vídeo utilizando a tecnologia de Realidade Aumentada | Foto: Gustavo Carneiro



Vânia Vargas nasceu em Apucarana e veio a Londrina para estudar Psicologia. "Na época era um curso que eu escolhi por expectativas diferentes. Chegou um momento que eu até pensei que não era aquilo que eu queria", conta. No terceiro ano da faculdade, conseguiu um estágio em clínica psiquiátrica, o que a fez se encontrar na profissão. "Nós inventávamos várias coisas para o desenvolvimento das pessoas, era uma terapia ocupacional e eu gostei muito daquilo, me ajudou a enxergar a importância da psicologia", explica. De lá, já formada, saiu para trabalhar em hospital particular para depois entrar como servidora pública no HU.



Desde então, desenvolve projetos para crianças e adultos. Durante a carreira, estudou a obesidade na pesquisa de Mestrado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). No entanto, há 23 anos, Vargas atua especificamente com crianças com diabetes e viu os desafios das famílias no tratamento.

Vendo as dificuldades de comunicação das crianças, iniciou novo projeto que consiste em trazer informação por meio da diversão. "A criança sente a crise, mas não consegue entender e traduzir aquilo em palavras, ela simula pelo brinquedo. Então eu concluí que a gente precisava de brinquedos mais específicos", argumenta.

Era um tema de pesquisa para o doutorado, buscava algo diferente. "Eu não fui aceita no primeiro programa que eu tentei, mas tive o convite de uma professora da USP (Universidade de São Paulo) e logo em seguida passei por uma crise profissional, eu estava em um momento delicado, me sentia perdida", lembra. Tratava-se da forma como conduzia a pesquisa, queria ter algo que tivesse maior propósito.

O momento foi essencial para o crescimento de Vargas como pessoa. Sentindo-se um peixe fora d'água, descobriu que sua personalidade era uma qualidade e não problema para a pesquisa. "Às vezes você pensa que as coisas que você faz não são talentos, são defeitos, mas aquilo te torna especial. Por isso a importância de descobrir nosso diferencial para nos sentirmos mais seguros e fazermos aquilo que faça diferença", recomenda.

INCLUSÃO
A psicóloga uniu sua experiência com a vontade de trazer algo mais palpável. A sugestão era o desenvolvimento de um jogo eletrônico com apoio científico. O objetivo era que os pacientes se vissem no game, que promovesse a inclusão ao mesmo tempo em que as tornassem mais responsáveis com a própria doença.

A pesquisa está relacionada ao tratamento de crianças com diabetes mellitus do tipo 1, voltado para a faixa etária de 6 a 12 anos, cujo tema é "Desenvolvimento e avaliação de dispositivo educativo e terapêutico estratégico no atendimento de crianças com diabetes mellitus tipo 1 (DM1)", no programa de Doutorado do Instituto de Psicologia Clínica da USP.

No início, era um game de tabuleiro, mas partiu para o tecnológico, por acreditar ser mais atrativo. Portanto, a psicóloga precisou fazer parcerias para que o projeto acontecesse.

O compartilhamento e o reconhecimento da personalidade e individualidade fizeram com que o projeto de Vargas se realizasse. "Eu fui até o Departamento de Computação da UEL explicar minha ideia e eles toparam, depois disso nós nos juntamos também com a equipe de design", conta. A ajuda veio do professor Alan Salvany Felinto, do Departamento de Computação da UEL, e da professora Rosane Fonseca Martins, do curso de Design Gráfico, equipe que desenvolveu o projeto.

GAMELLITO
O enredo do jogo consiste em um pet, o Gamellito, que é de outro planeta e pede ajuda a cientistas para resolver seu problema de saúde. Os cientistas encontram crianças da Terra que possam ajudá-lo, dessa forma, a criança com diabetes ajuda o personagem praticando no game a mesma rotina que possui. "O Gamellito tem sede, fome, a glicemia sobe e abaixa, ele faz atividade física, ele brinca. Quando a criança fala com o pet, ela está falando dela, então conta coisas que sente. O Gamellito nos ajuda a perceber os problemas e as dificuldades no tratamento", explica.

O projeto foi apresentado em outros países, como Espanha, Holanda e EUA. Na Universidade de Utah, nos EUA, o "Gamellito Adventures" conquistou o primeiro lugar na categoria Doenças Crônicas, do prêmio Internacional "The Games4Health Challenge", além de dois outros prêmios: melhor vídeo de apresentação e melhor game escolhido pelo público. Ao todo, foram três premiações das 10 categorias disputadas entre 186 universidades do mundo todo.

"Nós não podemos participar do evento, mas foi transmitido online", conta. Vargas conta que o jogo está em testes finais para as últimas etapas da pesquisa para só depois ser aplicado definitivamente.

Para quem antes tinha dúvidas sobre a carreira, Vargas se mostrou grande profissional que acredita na importância da atuação do psicólogo. "O nosso trabalho não aparece quando é bem feito, não é uma ação direta, mas nós ajudamos as pessoas a pensarem na própria vida e a tratá-la com cuidado", orgulha-se.