São Paulo - O novo disco de Arnaldo Antunes começou a sair ontem. Na primeira segunda de cada mês, até outubro, o cantor lança uma faixa avulsa que fará parte do projeto Disco. É um paradoxo, diz ele: um disco que chama Disco, mas é lançado no timing da internet. Um fruto de uma era em que a overdose de singles fragmenta o tempo que se tem para ouvir-se um vinil ou CD de cabo a rabo, apreciando a narrativa criada pelo artista. A nova canção, "Muito Muito Pouco", que está disponível por streaming, no site de Arnaldo, aborda as discrepâncias esquizofrênicas da nossa era. Na sala de sua casa, em São Paulo, Arnaldo recebeu a reportagem para uma conversa sobre música, internet e composição.

Você tem uma posição crítica perante a forma que consumimos músicas hoje em dia?
Não dá para ter uma posição. A gente tem uma realidade. A internet transformou completamente a nossa maneira de consumir, ouvir, de organizar o nosso acervo. E de produzir também. Mudou-se o jeito de gravar. Temos que pensar o que interessa para cada artista, e como usar esse potencial sem abrir mão das coisas com quais nos sentimos confortáveis artisticamente. Eu convivo com isso. Cada disco meu tem uma cara, marca uma fase. Gosto de como, num disco, uma música se relaciona com outra tematicamente. Gosto de conceitos sonoros que amarram o trabalho. Ao mesmo tempo, adoro a liberdade de não ter o disco mas poder lançar uma música. É um grande barato.

Mas você concorda que é difícil pensar em álbuns hoje em dia.
Tenho até pena das pessoas das pessoas que só consomem as músicas soltas. Tem gente que já se adaptou tão bem a essa possibilidade que só compra os singles, as músicas que interessam, que é um pouco o espírito das coletâneas que tínhamos antigamente. Eu tenho um grande apego aos álbuns originais. Isso é um pouco o bem e o mal de nosso tempo. A coisa do shuffle é interessante. De repente toca um bola de Nieve, um Jimi Hendrix. Mas gosto de ouvir um álbum inteiro e vejo que nem todos fazem isso. A informação apressou tudo para todo mundo.

Na letra da música você diz "muita pornografia, muito pouco tesão". Me parece uma observação sobre os nosso tempos.
Sem dúvida. Acaba comentando um pouco não só o excesso de informação, mas impactos não só na área social, mas na área econômica. A música tem o contraponto dessa situação entre o excesso e a escassez absoluta. a miséria de um lado e a acumulação de renda absurda de outro. Desperdício e a fome.

Podemos esperar mais disso nas outras músicas?
É cedo para dizer. Esse tema especificamente, não. Mas o disco mesmo sai em outubro. É surpresa.

Conte-nos sobre o momento de criatividade em que você fez as canções.
Estava em férias e tive uma produção que me entusiasmou. Quando tenho tempo para descansar eu componho mais. Tiro férias para trabalhar (risos). Durante o ano eu cumpro a demanda. Shows, parcerias, etc... Mas essa coisa de compor para mim, sem ter pressão, requisição externa, acontece muito nas férias, quando estou com a cabeça fresca. Desta vez passei uns dias com a Marisa Monte. Fizemos várias músicas juntos.

As canções de Arnaldo Antunes saem rapidamente?
Tem música que sim. Algumas faço só a melodia e depois de meses faço a letra com alguém. Às vezes sai tudo junto. Nunca é a mesma coisa.

A simplicidade das letras dá a impressão de que foram feitas em 15 minutos.
Tudo que eu faço de primeira acabo considerando matéria prima para mudar ordem, construir palavras. Tem um corpo a corpo com a letra que dura geralmente um período maior. Há não só um desejo de dizer as coisas muito básicas, mas também um desejo de clareza. essa coisa do excesso e da escassez, que tem na letra: ‘o que vamos fazer com mais um milhão? O que vamos fazer com um grão de arroz? é um exemplo. Para chegar numa solução como esse contraponto, que é muito simples. tem uma experimentação, uma depuração.

É angustiante?
O tempo todo. Mas não uma angústia. Uma ansiedade dolorosa de resolver o que não está bem.